Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cobrança da Taxa da Marinha.

Autor
Marcos Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Marcos Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Cobrança da Taxa da Marinha.
Aparteantes
Almeida Lima, Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 07/07/2004 - Página 21021
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • REITERAÇÃO, INJUSTIÇA, COBRANÇA, TAXAS, TERRENO DE MARINHA, OCUPAÇÃO, AREA, LITORAL, BRASIL, REGISTRO, DADOS, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), CONFLITO, CONTRIBUINTE, FISCO, EXCESSO, REAJUSTE, AUSENCIA, BENEFICIO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO.

O SR. MARCOS GUERRA (PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tendo cumprido mais da metade do período de substituição do Senador Gerson Camata, gostaria de trazer à consideração de V. Exªs. um assunto já debatido várias vezes neste Plenário, mas que ainda não obteve solução.

Trata-se, agora, não de tema relativo à média, pequena ou microempresa, ou à necessidade de geração de empregos, mas que, mesmo assim, enfoca um aspecto originário mais uma vez do furor arrecadatório que sufoca a população brasileira. Como várias outras cobranças públicas, também essa é paga pelo povo entre protestos e restrições, porque não produz o menor retorno.

Não é um problema que aflija o povo brasileiro como um todo, mas, como o Brasil dispõe de mais de sete mil quilômetros de belíssimas praias, todos os Estados litorâneos têm parte de seus habitantes atingidos por esse fardo, criado no tempo do Império e, desde aquela época, denominado Taxa de Marinha.

A imprensa capixaba tem-se referido a esse tarifaço que agride a estabilidade monetária como sendo, em diversos casos, uma abstração fiscal, já que a realidade física, atualmente, em muito difere do cotidiano do século XIX. Um exemplo é o do bairro Maruípe, em Vitória, onde residem camadas populacionais de baixa renda, que contam com o atendimento de microempresas comerciais e de serviços, muitas delas informais.

Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, nessa comunidade humilde, situada a longa distância do mar, o aumento da Taxa de Marinha chega a 96,19%; um verdadeiro “delírio geográfico”. Conforme a definição estabelecida em 1831, os terrenos de marinha correspondem à faixa de 33 metros, a contar da linha da preamar média.

O jornal A Gazeta, de Vitória, traz, na edição de 5 de junho deste ano, uma explicação bastante didática quanto a esse excesso tributário, imutável há 173 anos:

Com base nessa ficção, os terrenos da União são identificados a partir da média das marés altas, tomando como referência o estado de situação da costa brasileira naquele ano. Evidentemente, com o passar dos séculos, essa configuração mudou. Em muitas áreas, completamente.

Esse despropósito atinge também as áreas nobres da capital, porém o impacto será menor que o previsto no início deste ano: a ameaça era de 141%, e a média será de quase 90%.

A atualização dos valores dessa taxa despertou uma grande polêmica no meu Estado, desde o início do ano, quando a Secretaria de Patrimônio da União - SPU - começou a proceder às avaliações, porque a taxa é cobrada, de forma percentual, sobre o valor do terreno.

A justificativa, Srªs e Srs. Senadores, é que, como nos últimos três anos nenhum reajuste foi feito, a SPU usaria como referência o valor do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU. Entretanto, segundo aquela Secretaria, os aumentos ainda não eliminarão a defasagem existente.

Não se pode negar, porém, Sr. Presidente, que a população não suporta mais tanta cobrança de impostos e taxas. Além disso, os tributaristas consideram que a manutenção da taxa de marinha, além de provocar atritos dos contribuintes com o Fisco, não chega a ser de grande relevância para os cofres da União.

No meu Estado, por exemplo, a arrecadação dessa taxa, em 2003, foi de R$12 milhões. Até o final de julho, 45 mil capixabas deverão cumprir essa obrigação, que desperta revolta e agride o equilíbrio econômico das famílias atingidas, principalmente as de baixa renda.

Existe ainda, nobres Senadores, a situação delicada dos que se encontram inadimplentes. Daqueles cinco mil contribuintes, muitos não conseguiram regularizar seus débitos correspondentes ao período entre 1999 e 2001 até o dia 21 de maio. Essas pessoas tiveram os nomes inscritos no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal - Cadin.

Sem nenhum desconto, os meus conterrâneos que não pudessem saldar seus débitos à vista poderiam optar pelo parcelamento em até 60 vezes. Porém, nesse caso, teriam de arcar com a cobrança de juros de 16% ao ano, referente à taxa Selic. Para muitos capixabas é totalmente impossível atender a essas exigências.

A classe média será, como geralmente acontece, a mais atingida, Srªs e Srs. Senadores. Parte dos residentes nas áreas mais pobres estará isenta, porque alguns terrenos que pertencem à União estão sendo doados à Prefeitura de Vitória, que, após regularizá-los, passará as escrituras aos moradores. Esses felizardos serão, enfim, libertados de sua relação de vassalagem com o Governo Federal.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senador Marcos Guerra, assim que possível, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MARCOS GUERRA (PSDB - ES) - Concedo um aparte, de imediato, a V. Exª.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senador Marcos Guerra, nesta oportunidade, quero me somar ao pronunciamento de V. Exª. Essa é uma matéria que me preocupa enormemente. Como já foi dito, tramita nesta Casa uma proposta de emenda à Constituição de autoria do atual Governador do Espírito Santo - Estado de V. Exª -, o meu companheiro e amigo Paulo Hartung, que, quando Senador, a apresentou. Tive oportunidade, ainda no ano passado, de apresentar uma emenda àquela proposta para ampliar seu benefício e seu alcance, por entender que se trata de uma excrescência no Direito positivo brasileiro, uma figura jurídica que vem da Europa, sobretudo de Portugal, onde não se aplica mais. O nosso Brasil, no entanto, insiste em aplicá-la, como mais uma forma de sangria da população brasileira, em especial da que reside à beira-mar, ou seja, em basicamente toda a costa leste brasileira, que tem os seus imóveis acrescidos de mais tributos. Além do IPTU, soma-se, anualmente, a ele, o foro e, por ocasião da alienação, sobretudo por venda, acresce-se ainda o laudêmio - salvo engano, de 5% -, além do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), tudo isso por conta de um anacronismo no Direito brasileiro. Essa faixa de marinha, referente a um preamar de 1820 aproximadamente, ainda vem a se constituir em domínio pleno da União pelo instituto da enfiteuse - quando, na verdade, isso não mais existe -, encarecendo os imóveis anualmente, aumentando os gastos do cidadão brasileiro exatamente em um período em que ele paga uma enormidade de tributos, pois coincide com a volta dos filhos à escola, com o IPVA dos automóveis, com o IPTU e com tantos outros tributos. Essa PEC tramita pelo Senado a passos mais do que lentos, inclusive com a mudança, repetidas vezes, de relator - já esteve com o Senador Demóstenes Torres e me parece que atualmente se encontra com o Senador Jefferson Péres. É preciso que esta Casa e a Mesa tomem uma decisão, o mais rapidamente possível, para inserir essa PEC na Ordem do Dia, a fim de ser deliberada, para ver se o Governo pode fazer alguma “gracinha” para o povo brasileiro, pelo menos em relação a um tributo, a uma questão caduca, antiga, velhaca, que é essa dos terrenos de marinha. Quero me somar, portanto, a V. Exª, e lembrar que essa proposta de emenda à Constituição é de autoria de um conterrâneo de V. Exª, uma grande liderança política, um amigo meu pessoal, o Governador Paulo Hartung, e que estou tentando colaborar com a emenda por mim apresentada. Obrigado, Senador Marcos Guerra.

O SR. MARCOS GUERRA (PSDB - ES) - Agradeço a V. Exª.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Senador Marcos Guerra, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MARCOS GUERRA (PSDB - ES) - Concedo a V. Exª um aparte.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Senador Marcos Guerra, agradeço a sua atenção e lhe digo que o assunto que V. Exª traz ao plenário hoje é de extrema importância não apenas para o seu Estado, mas para todo o País. Coincidentemente, na sexta-feira, em um atendimento médico que faço em meu Estado aos capuchinhos, recebi alguns pacientes com um documento de cobrança dessa famosa taxa de terrenos de marinha. Trata-se de um verdadeiro absurdo, porque a maioria das pessoas que mora nessa faixa, a maioria das pessoas que é taxada, tem baixo poder aquisitivo e paga o seu IPTU religiosamente em dia. Três pessoas que atendi tinham inclusive título de domínio dado pela Prefeitura de Macapá, registrado em cartório e tudo o mais. Para V. Exª ter uma idéia, tive informação de que pessoas, ameaçadas que ficam, estão vendendo os seus imóveis para tentar saldar essas dívidas, em torno de R$12 mil a R$15 mil, o que é muito para quem recebe um baixo salário. Portanto, acredito que essa PEC, como bem referiu o Senador Almeida Lima, deveria ser agilizada, exatamente porque o prejuízo para a população é muito grande. Isso não faz mais sentido. Já está ultrapassado esse tipo de cobrança. As pessoas estão sendo bitributadas. No caso, seria um IPTU mais elitizado, porque essa taxa diária de marinha é muito mais cara que o IPTU. Por isso, quero fazer meu registro de protesto pela estagnação dessa PEC, que, embora muito importante, não está tramitando como deveria. Parabenizo V. Exª por trazer aqui um tema extremamente importante, de grande interesse nacional. Espero que aqueles que nos estão escutando e que têm participação direta na solução desse assunto possam atender ao apelo de V. Exª.

O SR. MARCOS GUERRA (PSDB - ES) - Muito obrigado, Senador Papaléo Paes. O aparte de V. Exª, assim como o do Senador Almeida Lima, realmente mostra a gravidade do problema, não só para o Estado do Espírito Santo, mas para onde quer que existam praias.

Infelizmente, ações como essa colocam o Governo Federal como o maior agente mobiliário do País, e acredito que esta não seja sua função.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no Espírito Santo, 45 mil brasileiros são obrigados a pagar a taxa de ocupação de terrenos da marinha. Em todo o País, esse número engrossa a fileira dos milhares de contribuintes que são espoliados pelo Fisco; inclusive, vêm recebendo aumentos, que muitas vezes são superiores à correção dos seus rendimentos. Já é tempo de se colocar um ponto final nessa cobrança abusiva, que não oferece nenhum retorno para a população.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/07/2004 - Página 21021