Discurso durante a 97ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Incidência da malária no país.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Incidência da malária no país.
Publicação
Publicação no DSF de 07/07/2004 - Página 21177
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, INCIDENCIA, MALARIA, PAIS SUBDESENVOLVIDO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, EFEITO, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, MEDICAMENTOS, TRATAMENTO, DOENÇA GRAVE.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, REDUÇÃO, MORTE, PROPAGAÇÃO, DOENÇA, APRESENTAÇÃO, DADOS, MINISTERIO DA SAUDE (MS), INFERIORIDADE, CONTAMINAÇÃO, POPULAÇÃO, CONCENTRAÇÃO, INCIDENCIA, Amazônia Legal, ESPECIFICAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ESTADO DE RONDONIA (RO).
  • REGISTRO, PROGRAMA, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, CONTROLE, MALARIA, OBJETIVO, REDUÇÃO, INCIDENCIA, ELIMINAÇÃO, CONTAMINAÇÃO, ZONA URBANA.
  • COMENTARIO, AUDITORIA, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), CONCLUSÃO, IRREGULARIDADE, PROGRAMA, CONTROLE, DOENÇA ENDEMICA, RECOMENDAÇÃO, ARTICULAÇÃO, EDUCAÇÃO, SAUDE, CRIAÇÃO, MANUAL, ORIENTAÇÃO, ACESSO, INFORMAÇÕES, MUNICIPIOS.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fora dos meios especializados, poucos sabem que a malária é uma das duas doenças contagiosas que mais matam no mundo. Mais de um milhão de pessoas morrem anualmente por terem contraído a malária.

As razões para o relativo silêncio em torno de moléstia tão difundida são simples: ela só ocorre em países tropicais, sobretudo em áreas silvestres, e afeta principalmente as populações mais pobres.

Também por se concentrar em países de pequeno poder econômico, os laboratórios das multinacionais não têm investido grandes somas na pesquisa de novos medicamentos ou de vacinas contra os diferentes tipos de malária.

Apesar disso, vêm ocorrendo avanços na busca de novos medicamentos - e de métodos de controle das espécies do mosquito Anopheles que atuam como vetor da malária. Faz pouco que uma droga vegetal chinesa, conhecida por artemisina, foi adotada pelas agências internacionais de saúde para utilização maciça em países africanos especialmente afetados pela doença.

Esse fato é muito relevante pois, hoje em dia, parte da população dos protozoários causadores da malária desenvolveram resistência aos remédios tradicionais, como aqueles derivados do quinino.

De qualquer modo, os novos e importantes avanços não invalidam uma fórmula de comprovada eficácia no combate à malária, que se resume na prática do diagnóstico e do tratamento precoces. Isso é fundamental para diminuir a possibilidade de óbito e para deter a propagação da doença, já que uma pessoa contaminada permite a transmissão do agente patogênico pelo mosquito.

Seja como for, tem ficado cada vez mais claro para as autoridades sanitárias e especialistas que apenas uma combinação de ações, que considere as variáveis econômicas, sociais, ecológicas e culturais, pode mostrar-se eficiente, a longo prazo, para controlar e, por fim, erradicar a malária.

Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é um dos países onde a malária é endêmica, com algumas centenas de milhares de pessoas sendo contaminadas a cada ano.

Felizmente, a malária mais difundida no nosso País é causada pelo protozoário Plasmodium vivax, que quase não é letal, ao contrário da espécie mais difundida na África, mas também presente, em menor proporção, no Brasil, o Plasmodium falciparum.

Temos conseguido, de fato, diminuir substancialmente o número de mortes por malária no País. O mesmo não se pode dizer sobre a incidência da doença.

Na década de 1940, estima-se que ocorriam alguns milhões de contaminações por ano. Décadas de intensos esforços, sobretudo por meio da Campanha de Erradicação da Malária, melhoraram muitíssimo a situação. Em 1970, o Brasil esteve muito próximo de controlar o nível endêmico da malária, quando houve apenas 52 mil casos notificados.

Os anos e décadas seguintes, Sr. Presidente, assistiram ao recrudescimento da disseminação da doença, principalmente na região amazônica, em um nível tal que passou a ser considerada uma endemia fora de controle.

Em 1999, o número de novos registros da doença passou dos 630 mil. Uma redução considerável nos anos seguintes, entretanto, fez com que o número de casos voltasse, em 2002, ao patamar das três centenas de milhar ao ano.

Examinemos a situação atual, Sr. Presidente.

De acordo com o Ministério da Saúde, o número de novos casos no ano passado diminuiu em 3% em relação a 2002. Ainda assim, mais de 320 mil pessoas foram contaminadas. Vale ressaltar que, hoje, um índice superior a 99% dos casos de malária ocorrem na área da Amazônia Legal.

Lamentável é que a evolução poderia ter sido bem mais consistente não fosse a ocorrência de epidemias nas cidades de Manaus e Porto Velho.

Já tive a oportunidade de me manifestar neste Plenário, no início da pressente sessão legislativa, sobre a difícil situação que as capitais dos Estados de Rondônia e do Amazonas têm enfrentado, ante o aumento descontrolado da incidência de malária.

Em Porto Velho, houve, em 2003, um aumento de 24% dos casos de malária, com 27 mil novos registros. Note-se que o nível de incidência em 2002, com vinte e duas mil notificações, já era altíssimo para uma cidade de cerca de 340 mil habitantes.

Em Manaus, o crescimento foi ainda mais calamitoso, de 18 mil casos em 2002 para 71 mil casos no ano passado!

Não há dúvida de que uma série de fatores socioeconômicos contribuiu para a ocorrência dos surtos epidêmicos nas duas cidades. Citei, naquela ocasião, o crescimento da ocupação desordenada dos terrenos na periferia urbana, com desmatamento e formação de poças que possibilitaram a proliferação dos mosquitos vetores.

Mas também se fazia patente que havia falhas nas práticas de prevenção à malária pelos órgãos competentes.

Precisamos considerar, sobretudo, as ações do Programa Nacional de Controle da Malária, lançado no segundo semestre de 2002, com a finalidade de produzir resultados significativos no combate à disseminação da doença.

A Funasa (Fundação Nacional de Saúde), responsável pela criação do programa, elegia como uma de suas metas a redução da Incidência Parasitária Anual por malária em 25% no ano de 2003 e em 15% nos anos subseqüentes, em relação a cada ano anterior.

Outra meta definida, que vem bem a propósito lembrar, é a da eliminação da transmissão da malária nas áreas urbanas das capitais, o que deveria ser alcançado até 2006.

A ocorrência das epidemias de Manaus e Porto Velho estão comprometendo a possibilidade de realização dessas metas - no que se refere aos prazos posteriores a 2004, pois esses já estão perdidos -, a não ser que sejam revertidas rapidamente.

No presente ano, como acaba de ser divulgado, já se detectou um aumento de 26% dos casos notificados na Amazônia Legal, nos meses de janeiro a maio, como informa o próprio Coordenador-Geral do Programa Nacional de Controle da Malária (PNCM), Sr. José Ladislau.

É muito preocupante perceber, Sr. Presidente, que estamos perdendo a batalha contra a malária.

É necessário reverter, em profundidade, esse estado de coisas.

Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União pode nos ajudar a entender o que está acontecendo - o porquê, afinal, de um País que tem plenas condições de controlar e erradicar a malária deixar a sua população à mercê da perpetuação da doença e, até mesmo, de surtos epidêmicos.

Em suma, a auditoria constatou, conforme matéria publicada no Boletim Informativo TCU, que houve deficiência no acompanhamento dos recursos transferidos pela União para controle das endemias, desarticulação das ações de educação em saúde, falta de integração dos órgãos atuantes no controle da malária, risco de perda do conhecimento acumulado pelos agentes da Fundação Nacional de Saúde (...) e desmobilização das políticas municipais.

Não bastasse isso, foi ainda detectado "o sucateamento e desvio de finalidade no uso de veículos e microscópios cedidos pela Funasa".

Um dos pontos a serem destacados nos problemas indigitados pelo TCU é que, se a descentralização das ações é um ponto de suma importância, faz-se igualmente imprescindível o perfeito entrosamento entre as várias esferas e entes administrativos. Só assim podem ser evitados, não apenas a sobreposição de esforços, mas também o mau aproveitamento ou a malversação de recursos; ou, simplesmente, o não aproveitamento de recursos disponíveis por falta de engajamento na ponta do processo, isto é, por inação das administrações estaduais ou municipais.

Daí decorrem as recomendações do TCU de que sejam criadas estratégias de articulação das ações de educação em saúde; de que se possibilite aos Estados o acesso às informações de Estados vizinhos; de que se elabore uma cartilha para orientar os Municípios sobre a prestação de contas dos recursos de epidemiologia; e de que sejam efetuadas parcerias com o Incra e o Ibama.

Outra recomendação essencial consiste na promoção de ações que conscientizem os gestores do programa sobre a necessidade de um diagnóstico rápido nos casos suspeitos de malária em comunidades mais suscetíveis ou de difícil acesso.

A Secretaria de Vigilância em Saúde tem o prazo de 90 dias para enviar um plano de ação, contendo um cronograma das medidas necessárias para implementar as recomendações, além da determinação de que se criem mecanismos para impedir e punir o desvio de veículos destinados ao PNCM.

A auditoria do TCU ressaltou, também, alguns pontos bem sucedidos do programa, como o aumento da rede de diagnóstico de 1.182 para 2.203 laboratórios na região amazônica, a elaboração de um atualizado Manual de Terapêutica e a regularidade na distribuição de medicamentos e inseticidas para todos os Estados e Municípios.

Considero extremamente positivo que o Tribunal de Contas se detenha sobre um programa federal da relevância do Programa Nacional de Controle da Malária, considerando não apenas os aspectos estritos de observância legal, mas avaliando também a eficácia das suas ações.

Torna-se evidente, após a divulgação do relatório da auditoria, que é necessário corrigir diversas falhas e implementar aprimoramentos substanciais na execução do programa.

Não é possível negar, por outro lado, que o aumento dos recursos para a área se faz imprescindível, de modo que a malária deixe de contaminar centenas de milhares de brasileiros a cada ano.

Em particular, os habitantes de Porto Velho e de Manaus exigem que o combate aos respectivos surtos epidêmicos seja transformado efetivamente em prioridade, para as três esferas de governo. Ações empreendidas sobre os vários aspectos do problema, como já abordei neste pronunciamento, devem levar a um declínio rápido da incidência da malária.

Não é necessário, Sr. Presidente, mais do que articular os órgãos competentes, providos dos indispensáveis recursos, para a sua execução. Afinal, a garantia da saúde dos amazônidas não constitui um objetivo inatingível, uma miragem da floresta tropical, mas será facilmente obtida se for, de fato, priorizada.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/07/2004 - Página 21177