Discurso durante a 98ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com as irrisórias indenizações que a Funai paga aos produtores rurais em terras transformadas em reservas indígenas.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Preocupação com as irrisórias indenizações que a Funai paga aos produtores rurais em terras transformadas em reservas indígenas.
Aparteantes
Leonel Pavan, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2004 - Página 21358
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, PROCEDIMENTO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), FORMAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), AUSENCIA, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, PROPRIETARIO, TERRAS.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MANIPULAÇÃO, GRUPO INDIGENA, OCUPAÇÃO, PROPRIEDADE AGRICOLA, PREJUIZO, PRODUÇÃO, ARROZ, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • DEFESA, NECESSIDADE, SEPARAÇÃO, TERRAS, RESERVA INDIGENA, IMPEDIMENTO, CONFLITO, GRUPO INDIGENA.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou usando a palavra agora para conversar sobre alguns fatos que têm ocorrido no meu Estado e que, na semana passada, voltaram a ocorrer novamente.

Há vinte e cinco anos, a Funai vem expulsando das suas propriedades pequenos produtores rurais para formar as 32 áreas indígenas que já estão demarcadas no meu Estado. Desse contingente, mais de três mil pessoas, talvez nem meio por cento tenha recebido alguma indenização, mesmo que irrisória, mesmo que valendo a metade dos bens que estivessem no local, porque a Funai sempre alega que não tem dinheiro.

No meio da semana passada, saiu a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a manutenção da liminar em que o Juiz Helder Girão Barreto, de Boa Vista, era contra a decisão da Funai de formar uma área única, expulsando as sedes dos Municípios, acabando com toda a estrutura econômica do meu Estado, expulsando, inclusive, os arrozeiros que produzem cem mil toneladas de arroz no meu Estado. A Funai quer pegar a área Raposa/Serra do Sol, de quase dois milhões de hectares, e fazer uma área única, com cinco povos diferentes, cinco etnias indígenas diferentes. As próprias etnias, como a Macuxi, já formaram várias comunidades que já têm delimitada toda a sua região e o seu modo de existir.

Podemos dividir o povo entre o que vive em cima da serra e o que vive no campo. Uma parte do povo da serra é manobrada, dominada pelo Conselho Indígena de Roraima, a ONG que existe há mais tempo, que tem mais poder e que dizemos ser manobrada pelas ONGs estrangeiras. Na semana passada, essa ONG começou a mobilizar pessoas para a região do Contão, entre Contão e Raposa, que fica embaixo da serra. Levaram mais ou menos 100 pessoas e ocuparam uma propriedade no local. Os índios do Contão e da Raposa entendem que essa propriedade é deles. Vieram ocupar a terra para poder justamente conturbar a nossa área de produção de arroz. Quando ocuparam a área, os indígenas da região de baixo se mobilizaram, e houve quase um confronto que poderia evoluir para proporções indesejáveis e incontroláveis. Poderia ter havido outro episódio como o ocorrido na reserva do Roosevelt, de Rondônia, quando morreram 29 garimpeiros. Mas nesse confronto iriam morrer os indígenas.

Graças a Deus, o bom senso prevaleceu, a Polícia Federal interferiu, e entraram num acordo de pacificação, apesar de, após esse acordo, os indígenas do CIR terem cortado o arame da propriedade do Sr. Paulo César Quartieiro, um dos produtores de arroz da região.

O Senador Mozarildo Cavalcanti está solicitando um aparte, que concederei depois de terminar o meu raciocínio.

Nunca há dinheiro para indenizar os pobres, e os arrozeiros não são ricos, mas têm melhores condições sociais. Vi no jornal que o Sr. Mércio estava no meu Estado propondo comprar as propriedades próximas dos arrozeiros para conturbar, desrespeitando a lei. Se aquela área está sub judice, conforme decisão do Superior Tribunal, ela não pode ser mexida. Então, um funcionário público, representante do Ministério da Justiça, está afrontando a Justiça em meu Estado, propondo comprar as propriedades dos pequenos produtores rurais.

Graças a Deus, pelo que soube até hoje, ninguém cedeu à pressão, que é a seguinte: ameaça-se invadir a propriedade, uma pessoa vai ao local comprar, e cria-se uma instabilidade, uma insegurança no pequeno produtor. A pessoa vai ao local comprar por qualquer preço. Isso é uma falta de respeito com a pessoa humana. Não acredito que o Governo do Presidente Lula vai permitir que um representante seu fique fazendo uma molecagem dessas em meu Estado, desrespeitando os direitos dos cidadãos mais pobres.

Concedo o aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Augusto Botelho, V. Exª aborda um tema que vem sendo repetido nesta Casa, que é justamente a má condução da Funai - na verdade, há omissão, desrespeito para com a causa indígena. No caso da região Raposa/Serra do Sol, ontem o Ministro do Superior Tribunal de Justiça acabou de indeferir um pedido de suspensão de liminar. A Ministra Ellen Gracie também já concedeu a suspensão de liminar que a Funai vem solicitando. Portanto, essa questão está sub judice, e, ainda assim, a informação que tivemos é a de que o Presidente da Funai, um agente do Governo Federal, estava no local.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Trata-se de um representante do Ministério da Justiça. É bom que fique claro.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Ele está lá querendo indenizar donos de fazendas em que foram levantadas apenas as benfeitorias, mas que não podem ser indenizadas nem compradas porque estão sub judice. Portanto, um agente do Governo, a serviço não sei de quem, está tendo esse tipo de atitude. Nós que participamos da Comissão externa do Senado Federal - aliás, ainda estamos trabalhando, fomos a Rondônia e ainda vamos ao Mato Grosso do Sul, ao Rio Grande do Sul e ao Pará - estamos constatando algo muito claro: a Funai realmente presta um desserviço ao Brasil e aos índios e precisa urgentemente ser reestruturada e libertada da ação nefasta das chamadas ONGs, que atuam buscando realmente criar esse tumulto em Santa Catarina, em Mato Grosso do Sul, em Mato Grosso, em Rondônia, em Roraima. É uma verdadeira anarquia. O Governo precisa ter pulso e colocar ordem nisso. Seu Mércio está hoje em Roraima fazendo anarquia.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti.

Concedo um aparte ao Senador Leonel Pavan, representante de Santa Catarina, de Camboriú.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Quero primeiro cumprimentar o Senador Augusto Botelho não apenas pela sua visão relativa a esse problema que abala os nossos agricultores, nossos colonos, nossos produtores, em função do descaso da Funai para com as áreas indígenas, mas pela coragem de trazer esse tema para o debate. Na verdade, o Senador Mozarildo e outros Senadores já estiveram em Santa Catarina, tratando justamente do problema das áreas que a Funai diz pertencer aos índios. Outros Senadores também participaram de vários debates para tentar ajudar o Governo a encontrar uma solução que não prejudique os índios, mas que também não venha tirar colonos que já estão produzindo naquelas terras há muitas gerações, áreas que, segundo eles, foram adquiridas com suor e muito trabalho. Colaborando com o pronunciamento de V. Exª, quero dizer que o Governo Lula não está apresentando nenhuma solução para nós. A questão está entregue a apenas um órgão do Governo, a Funai, cuja visão é no sentido de proteger os índios, doa a quem doer. Lógico que a Funai representa esse segmento que é muito importante para a nossa cultura, para a nossa sociedade, para o mundo, mas tem de fazer justiça. Não pode olhar só um lado, tem de olhar os dois lados. É necessário que o Governo Federal proteja todo cidadão brasileiro, colonos e índios, e que faça justiça. Não pode apenas expulsar do campo homens que trabalham, famílias que há muitas gerações vivem da agricultura, tendo em vista apenas a visão da Funai. Precisamos proteger os índios, mas também precisamos proteger os agricultores. Tem-se que fazer justiça e não dar um veredicto final apenas olhando um lado. Infelizmente, a Funai não tem sido imparcial, tem sido parcial. Isso é ruim para a democracia do nosso País.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª.

Vou concluir, Sr. Presidente. O caso é assim: no Estado de V. Exª ocorreu o que acontece no meu Estado há vários anos, isto é, os direitos das pessoas não são respeitados. A Constituição fala de “terras que tradicionalmente habitam”. Se há três, quatro ou até cinco gerações uma família habita e trabalha naquele pedaço de terra, os indígenas não estão tradicionalmente habitando aquela área. Acontece, muitas vezes, que um antropólogo vai fazer uma tese de mestrado ou de doutorado, faz um estudo na região e acha um caco cerâmico a dez quilômetros de uma aldeia. Ele, então, alega que aquela área é tradicionalmente habitada por indígena. Ela foi ocupada, como o Brasil todo também foi ocupado por indígenas. Então, temos de retirar as pessoas de Niterói, de São Paulo, para transformar essas regiões em área indígena, tendo em vista essa visão antropológica. Penso que tem de ser respeitado o direito das pessoas, o que, no meu Estado, não está acontecendo.

Quero fazer mais um adendo. Sempre chamo a atenção do Ministério da Justiça, que defende essa tese insana de expulsar todas as pessoas e fazer só uma área para todos os indígenas, para todas as etnias, para todos os grupos. Temos de demarcar, de delimitar a área para todas as comunidades, separadamente: comunidade do Raposa, comunidade do Contão, comunidade do Xumina, comunidade do Flechal, porque todas as regiões têm que ter as suas áreas definidas. São única porque juntaram, e hoje estão todas emendadas. Mas têm de ser definidas por grupo de habitação, senão vai acontecer o que ocorreu em Rooselvelt. Na semana passada, quase houve um conflito. Já estavam se juntando duzentas pessoas de um lado, quatrocentas de outro; se não tivéssemos interferido, conversado, se a Polícia Federal não tivesse ido lá, se não tivesse havido diálogo, teria havido mortes. E, se a demarcação for feita da forma que as Ongs querem que a Funai faça, vai haver conflito e morte na região Raposa/Serra do Sol.

Agradeço a V. Exª a oportunidade de falar. E peço ao meu povo, aos indígenas de Roraima, que tenham paciência, tenham calma, porque a Justiça demora, mas chega.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2004 - Página 21358