Discurso durante a 98ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Passividade do governo brasileiro nas suas relações com a Argentina.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Passividade do governo brasileiro nas suas relações com a Argentina.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2004 - Página 21471
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, EDITORIAL, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO BRASILEIRO, COMBATE, DECISÃO, PROTECIONISMO, GOVERNO ESTRANGEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, AUMENTO, IMPOSTOS, IMPORTAÇÃO, PRODUTO NACIONAL, PREJUIZO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) -

A Passividade do Governo Brasileiro Estimula

o Protecionismo Argentino.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, desta tribuna, manifestei minha inconformidade diante das barreiras opostas pelo Governo da Argentina na importação de produtos brasileiros, incluindo televisores da Zona Franca de Manaus.

O Governo argentino suspendeu a aplicação do ato, mas manteve as barreiras, para posterior aplicação, dando tempo a negociações bilaterais.

Pedi exatamente mais ação das nossas autoridades. E hoje o jornal O Estado de S. Paulo diz, em seu principal editorial que a passividade do governo brasileiro estimula o protecionismo argentino.

Estou anexando a este pronunciamento a íntegra do editorial do Estadão, que tem o seguinte título: Novo atentado contra o Mercosul.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

“O governo argentino acaba de demonstrar, mais uma vez, que não tem interesse em preservar um comércio aberto e leal entre o seu país e o Brasil ao anunciar novas medidas unilaterais de caráter protecionista, enquanto o governo brasileiro, inebriado pelas fantasias diplomáticas do presidente Lula, ainda não deu sinais de que pretende reagir. Dois dias antes de uma reunião de cúpula do Mercosul, o presidente Néstor Kirchner ampliou as barreiras à importação de fogões, geladeiras, máquinas de lavar roupas e televisores brasileiros. Seu ministro da Economia, Roberto Lavagna, andou beirando o terreno do escárnio, ao afirmar que a medida tinha "o objetivo de proteger um projeto de caráter estratégico como é o Mercosul".

Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu totalmente a noção da realidade, deverá estar perguntando-se - e não a seus assessores para assuntos internacionais - se ainda tem algum sentido esse arremedo de integração comercial em que regras têm tão pouco valor.

A decisão foi tão escandalosa que o chanceler brasileiro Celso Amorim, já em Puerto Iguazú para a reunião do Mercosul, telefonou ao ministro Lavagna para conversar sobre as novas barreiras argentinas. É difícil imaginar que o ministro de Relações Exteriores do Brasil esperasse ouvir algo que modificasse a sua opinião sobre o que já ouvira antes. O ministro da Economia na Argentina já havia exposto suas alegações: seu governo havia decidido proteger a indústria local contra o aumento que considera excessivo das importações de produtos brasileiros. Por isso, foi decidido que as compras de equipamentos da chamada linha branca, como geladeiras, passam a depender de licença. Resolveu também adotar um imposto de 21% sobre os televisores provenientes da Zona Franca de Manaus.

São, na essência, os mesmos argumentos utilizados para a imposição de obstáculos a importações de têxteis e de calçados. E, em todos esses casos, empresários brasileiros negociaram com os argentinos a adoção de limitações "voluntárias". Para os brasileiros, a opção foi sempre muito estreita: ou aceitavam limitar suas vendas ou o governo argentino adotaria barreiras.

O governo brasileiro manteve-se a distância, como se houvesse apenas uma livre negociação entre empresários. Mas qualquer pessoa informada sempre soube que nesses encontros não houve negociações, mas sim imposição argentina.

Tudo isso tem sido possibilitado pela passividade do governo brasileiro, que só falta pedir desculpas pelo esforço modernizador dos empresários de seu país.

Mesmo com vantagens competitivas, o Brasil acumulou déficits no comércio com a Argentina durante a maior parte dos últimos dez anos, porque se manteve como fiel comprador de trigo e de petróleo e, além disso, procurou sempre o caminho da acomodação. Aceitou, por exemplo, rever o regime automotivo segundo as conveniências da indústria argentina, que agora, mais uma vez, exige a mudança de regras.

Em poucas ocasiões o governo brasileiro se dispôs a conter os abusos. Há quatro anos, o Brasil suspendeu um processo na Organização Mundial do Comércio (OMC), quando a Argentina concordou em remover barreiras contra têxteis. No ano passado, a OMC deu razão ao Brasil numa ação contra medidas antidumping adotadas pela Argentina contra exportadores brasileiros de frango. Já não será tempo de retomar o caminho da OMC para pôr um pouco de ordem no comércio bilateral?

Mas é pouco provável que o governo brasileiro se disponha a isso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantém a ilusão, alimentada por assessores perdidos no tempo, de mudar a geografia comercial por meio de uma grande aliança terceiro-mundista. Parte dessa política é uma integração, por enquanto imaginária, da América Latina. Dia 1.º de julho deveria ter entrado em vigor um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (CAN). Mas o acordo anunciado em abril é outra fantasia, como já foi mostrado por especialistas. É pouco mais que uma confusa coleção de acordos bilaterais. As indefinições são tantas que o início do acordo foi adiado. Nenhuma surpresa para quem tem os pés no chão. Até um governo que encara a política internacional como a encarava o governo Geisel, na época do terceiro-mundismo, acabou percebendo que nada havia de concreto para ser posto em vigor. Falta esse governo mostrar a mesma percepção diante dos impasses do Mercosul. O Estado de S. Paulo, 7/7/04” 

Também junto a este discurso, para análise do historiador do futuro, outra matéria editorial, também do jornal O Estado de S. Paulo, sob o título O aniversário eleitoreiro do governo. O texto dá bem uma idéia dos desacertos do Governo petista do Presidente Lula.

“A campanha para as eleições municipais de outubro começou oficialmente ontem - menos para os operadores da máquina de propaganda do Planalto, que se anteciparam à data em 24 horas. Pois foi essencialmente eleitoreiro o motivo da esdrúxula celebração palaciana de um ano e meio de gestão, com uma prestação de contas triunfalista, porém soporífera, do ministro da Casa Civil, José Dirceu, seguida de uma homilia do presidente Lula para animar os seus a irem à luta. O mote do evento foi "O Brasil está mudando", título da publicação de 66 páginas e 100 mil exemplares de tiragem, concebida para dar argumentos aparentemente robustos aos candidatos petistas e aliados nos embates que os esperam.

Da parte do governo, a grande mudança, pelo visto, foi inventar um aniversário de 18 meses - uma proeza sem precedentes no Brasil e decerto no mundo. O invento, de um artificialismo impossível de maquiar, nasceu de uma evidência e de um temor. A evidência é a desidratação da popularidade do presidente e da aprovação ao desempenho da sua equipe. A rigor, Lula e o seu governo vêm perdendo pontos sistematicamente desde as primeiras medições, em março de 2003. Mas o ritmo do desgaste se acelerou perigosamente no semestre recém-terminado. O temor, naturalmente, é que, mesmo sendo municipais os pleitos, o PT pague pela frustração nacional que as pesquisas exprimem com absoluta nitidez.

Esse receio ficou patente em dado momento da exposição de 80 minutos de Dirceu - escalado para fazê-la, por sinal, a fim de sinalizar o seu ressurgimento depois da agonia do Waldogate e do fracasso da sua tentativa de remover da Articulação Política o ministro Aldo Rebelo. Em meio à chorumela de números e afirmações que misturavam com assombrosa desenvoltura verdades, meias-verdades e inverdades, o titular da Casa Civil pinçou do inventário dos alegados feitos do governo no campo da saúde a redução dos casos de dengue no ano passado. É o que a prefeita paulistana Marta Suplicy não perde ocasião de fazer para fustigar o ex-ministro tucano José Serra, uma dezena de pontos à sua frente nas sondagens.

Já não seria pouco se o uso da máquina - a expressão serve como uma luva ao comício encenado no Salão Leste do Palácio do Planalto - se resumisse ao desfilar de transparências que ilustravam as "realizações" proclamadas por Dirceu e a sessão de aconselhamento psicológico em grupo improvisada por Lula. Aliás, os jornais de ontem glosaram o idealizado balanço do que teriam sido os melhores 18 meses da história dos governos brasileiros: reformas inacabadas foram listadas como fatos consumados; projetos à espera de votação foram exibidos como se já fossem leis; avanços na economia (exportações e agronegócio) foram saudados como conquistas atuais, convenientemente esquecido o papel do governo anterior.

Ocorre que o governo faz coisas mais graves do que fabricar ou inflar êxitos administrativos para as necessidades do PT. Muniu-se de um incrível parecer da Advocacia-Geral da União para, ao arrepio da legislação, repassar verbas a municípios nos três meses anteriores ao pleito. Liberou quase a metade (46%) dos valores pedidos por 73 deputados e senadores da base aliada candidatos a prefeitos e nem 2% dos recursos solicitados pelos 21 congressistas-candidatos da oposição, noticiou a Folha de S.Paulo. Na última semana de junho, informou o Estado, jorraram das torneiras federais R$750 milhões para irrigar, prioritariamente, prefeituras petistas de capitais e grandes cidades de Norte a Sul do País.

A manchete do Globo de ontem dizia que Aracaju, Sobral e São Paulo receberam muito mais recursos do que o Rio, do pefelista César Maia. Aracaju e São Paulo são prefeituras petistas - Sobral tem como prefeito um irmão do ministro Ciro Gomes.

"Quando somos cobrados", advertiu o presidente a certa altura, "temos de ter clareza de que as pessoas estão cobrando de nós da mesma forma que sempre cobramos dos outros." E pensar que eles, que tanto cobravam ética na política, hoje nada ficam a dever ao que os outros poderiam ter de pior em matéria de despudor político. Lula também deu um conselho a essa nova elite dirigente que não vacilou em incorporar os velhos hábitos contra os quais arremetia nos seus tempos de estilingue. Como quem cunha um aforismo, ensinou: "A arte de governar é a arte de ter paciência." Não se deu conta, evidentemente, de que ao louvar a virtude da paciência deixava escapar uma admissão tácita da pobreza dos resultados desses 18 meses.

O ESTADO DE S. PAULO, 7/7/04

            Muito obrigado. Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2004 - Página 21471