Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da recomposição gradual do salário mínimo.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • Defesa da recomposição gradual do salário mínimo.
Aparteantes
Maguito Vilela.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2004 - Página 22489
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • RETOMADA, DEBATE, VALORIZAÇÃO, SALARIO MINIMO, ANALISE, SITUAÇÃO, MISERIA, PERCENTAGEM, POPULAÇÃO, DEPENDENCIA, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL, BOLSA FAMILIA, NECESSIDADE, PRIORIDADE, GOVERNO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PARCELA, AUSENCIA, RECEBIMENTO, SALARIO.
  • ANALISE, FAIXA, POPULAÇÃO, APOSENTADO, TRABALHADOR, BENEFICIO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, MELHORIA, SALARIO MINIMO, DEFESA, POLITICA, RECUPERAÇÃO, LONGO PRAZO, JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PREVISÃO, REAJUSTE, AUSENCIA, MANIPULAÇÃO, POLITICA PARTIDARIA, ELEIÇÕES, DETALHAMENTO, CORREÇÃO MONETARIA, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, ECONOMIA NACIONAL, LIMITAÇÃO, PARCELA, REDISTRIBUIÇÃO, NATUREZA POLITICA.
  • REGISTRO, TRABALHO, COMISSÃO MISTA, ORÇAMENTO, PREVISÃO, RECUPERAÇÃO, SALARIO MINIMO, EXERCICIO FINANCEIRO SEGUINTE, PROTESTO, LOBBY, AUTORIDADE, FINANÇAS PUBLICAS, REVISÃO, PARECER, RELATOR.
  • DEFESA, COMPETENCIA, CONGRESSO NACIONAL, COLABORAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente quero agradecer ao Senador Maguito Vilela a compreensão e a gentileza de abrir mão temporariamente da sua inscrição para que eu possa usar da palavra.

Quero abordar um tema que tem sido objeto de discussões acaloradas neste Plenário e no Plenário da Câmara dos Deputados. Falo da questão do salário mínimo. É natural que esse tema suscite debates intensos nas duas Casas na medida em que é uma variável importantíssima e decisiva para a formação do quadro social e econômico do País e que tem por seu lado um forte conteúdo político.

O salário mínimo, além de ser uma variável econômica e social, é também uma importantíssima variável de natureza política.

É fato que a valorização do salário mínimo não melhora a vida dos 10% ou 15% dos brasileiros mais pobres, aqueles 20 milhões ou 30 milhões de brasileiros que estão na base da pirâmide de formação de renda, que são os verdadeiros excluídos dentro de nossa população, aqueles que, para melhorar um pouco a qualidade de suas vida, dependem de outras decisões, variáveis e programas de natureza social, como o Bolsa-Família, investimentos em saneamento, em educação, em educação fundamental. O Senador Cristovam Buarque tem insistido nisso com toda razão. A distribuição de renda, na sua dimensão mais profunda, tem que dar prioridade a esses 20 milhões ou 30 milhões de brasileiros que não são afetados diretamente pela melhoria do salário mínimo.

Entretanto, Sr. Presidente, não há também como deixar de reconhecer que o salário mínimo é fundamental e de enorme importância na alteração da distribuição de renda no Brasil, especialmente porque atinge os trabalhadores situados na posição mais baixa da pirâmide salarial e também os aposentados, que precisam da recomposição dos benefícios vinculados ao salário mínimo.

Então, é claro que esse debate tende a assumir uma politização por vezes até excessiva. Este ano a discussão sobre o salário mínimo chegou a dimensões quase ridículas, na medida em que os conservadores de ontem assumiam posições esquerdistas, distributivistas, e os esquerdistas de ontem assumiam posições conservadoras, trocando os pólos de debate, nesta Casa como na Câmara.

Exatamente essa situação paradoxal criou, nesta Casa, o consenso de que é preciso estabelecer uma política de recuperação do salário mínimo, mas de longo prazo, por meio de lei, entendendo, muito correta e adequadamente, que a recomposição do salário mínimo - como, aliás, qualquer tentativa de redistribuição da renda nacional - não é algo que se consiga em um, dois ou três anos. Trata-se de um objetivo, de uma meta para a qual se deve estabelecer um prazo longo, no mínimo de dez anos. É absolutamente inviável tentar recuperar o valor básico do salário mínimo - valor que propicia a quem o recebe a chamada vida digna -, defasado como está por políticas que ocorreram em décadas, de um ano para outro, ou mesmo em um prazo de dois anos.

Formou-se então esse consenso. E é salutar, muito bom e muito auspicioso que o Congresso tenha tomado o sentido dessa necessidade e que haja até proposta de criação de Comissão Mista de Deputados e Senadores para elaborar um projeto de lei. Essa política tem que estar consubstanciada em uma lei, porque essa discussão não se deve repetir anualmente, com toda a exacerbação política que já apontei. Em um ano eleitoral, então, no ano das eleições gerais do País, essa discussão atinge um clímax, no debate político, que acabaria resultando em decisões que não são as mais adequadas, que não são as mais propícias até para o objetivo da redistribuição de renda e da recuperação do valor justo do salário para o trabalhador.

Precisamente dentro dessa idéia e segundo esse consenso que se formou, estou apresentando hoje, Sr. Presidente, no último dia útil de funcionamento desta Casa no primeiro semestre do ano, uma colaboração, uma sugestão, um projeto de lei de recuperação do valor efetivo e digno do salário mínimo em um prazo de 10 anos.

Por esse projeto estou propondo que a revisão anual do salário mínimo continue a ser em maio - mas talvez fosse até melhor que passasse a ser em 1º de março, independentemente das comemorações do Dia do Trabalho em 1º de maio, que continua sendo uma efeméride fundamental, importantíssima para o trabalhador no mundo inteiro. Não há razão maior para que, na revisão do salário, se espere até maio, se já há elementos necessários a essa revisão a partir do final do mês de janeiro ou do mês de fevereiro. Então, essa revisão, a rigor, poderia ser feita a partir de 1º de março. Mas estou deixando, em minha proposição, a data de 1º de maio, porque é uma tradição deste País.

Estou propondo que essa revisão anual do salário mínimo seja composta de três parcelas. A primeira é simplesmente a recomposição do valor real dos salários, ou seja, uma correção monetária. É a correção correspondente à inflação verificada nos 12 meses anteriores e que não tem, por conseguinte, nenhuma característica de aumento, mas simplesmente de recomposição do valor real na sua expressão monetária.

A segunda parcela seria correspondente ao aumento da produtividade geral que a economia nacional alcançou no ano anterior. Como se mede essa produtividade? Trata-se de um índice que se pode medir setorialmente. No entanto, como a política de salário mínimo é genérica - não é uma política setorial, é global -, o índice capaz de traduzir o valor médio do aumento da produtividade da economia, ou seja, da produtividade por trabalhador da economia no ano anterior é o aumento da renda per capita. Assim, o aumento da renda dividido pelo número de habitantes dá o aumento de produtividade. E esse aumento de produtividade seria incorporado, em percentual, também, à recuperação do salário mínimo.

Até esse ponto, Sr. Presidente, não estaria ocorrendo redistribuição de renda, ou seja, nenhum efeito redistributivo, tão somente se estaria recuperando o valor monetário do salário mínimo, pela correção monetária, somada ao aumento de produtividade, que obviamente deve ser aplicado a todos os brasileiros, incluindo os que ganham salário mínimo. Por conseguinte, estaria havendo o reconhecimento da contribuição daqueles brasileiros que ganham salário mínimo ao aumento de produtividade geral da economia.

A esse valor se acrescentaria, então, uma terceira parcela, que seria a parcela política, a parcela redistributiva, ou seja, aquela que se acresce à recuperação do valor real mais o aumento da produtividade média da economia. E essa parcela seria determinada por uma banda de variação que a lei poderia fixar - ultimamente se tem usado muito essa expressão, “banda”, para definir uma margem, os limites de uma variação.

A lei deve definir essa margem de variação, para a qual estou propondo um mínimo de 1% e um máximo de 6%, porque as variações não devem ser muito maiores do que isso. Pode-se chegar até a 8%, a um máximo de 10%, mas é claro que uma variação excessiva, uma tentativa de redistribuição excessiva, além do razoável, acaba produzindo um impacto inflacionário, que tende a corroer os ganhos reais e a prejudicar o próprio trabalhador.

Portanto, estamos pensando em uma política de 10 anos, que pode ser prorrogada por igual período, sendo justo e aconselhável que essa variação não tenha uma amplitude muito grande. Estou propondo que a margem fique entre 1% e 6%, conforme as perspectivas da economia, as perspectivas futuras da economia, o dinamismo que se vai revelando na produção do País, conforme evidentemente a natureza política do Governo, do Partido ou da corrente política que exerce o poder no momento, conforme a prioridade maior ou menor que atribui à meta redistributiva, favorecendo os trabalhadores de ganho mais baixo.

Então, essa variável, sim, seria o componente político que se poderia discutir, mas ela estaria balizada por dois limites de variação: um limite mínimo, para garantir que todo ano, no prazo de 10 anos, haveria uma parcela redistributiva - mínima que fosse - de 1%; e um limite máximo, que não poderia exceder muito o percentual proposto, de 6%, para não afetar a estabilidade, que acaba atingindo os interesses do próprio trabalhador.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Senador Roberto Saturnino, permita-me um aparte?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Já concederei o aparte a V. Exª, com prazer.

Sr. Presidente, a título de colaboração, para não deixar que desapareça essa vontade política do Congresso Nacional de decidir sobre uma lei de recuperação do salário mínimo em longo prazo, estou apresentando essa proposta em que uma lei determinaria que a recuperação do salário se daria em três parcelas, como acabei de descrever.

Ouço, com muito interesse, o aparte do Senador Maguito Vilela.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Senador Roberto Saturnino, quero cumprimentá-lo. Realmente, precisamos acabar com esta discussão histérica: quem está na situação defende salários compatíveis com a realidade do País, e quem está na Oposição, às vezes eleitoralmente, defende salários que o País não suporta pagar. É uma discussão histérica que se repete há anos. Se não houver uma política como a que prega V. Exª, vamos continuar com essa discussão, que, infelizmente, só faz desgastar a classe política. O meu Partido, o PMDB, também está preocupado. O Líder Renan Calheiros já manifestou interesse em apoiar uma política de médio e longo prazo, como V. Exª, objetivamente, está propondo. E quero cumprimentá-lo por isso, porque temos, realmente, que encontrar um caminho, uma saída para essa questão que todos os anos é objeto de discussões que não levam a nada. É lógico que temos que considerar que algumas regiões muito pobres também devem ter uma política diferente. Por exemplo, em algumas Prefeituras de Goiás, como a de Niquelândia - e cito o nome -, o salário mínimo é de R$360,00. Um gari lá ganha R$360,00, não ganha o salário mínimo oficial do País. Mas há outras Prefeituras que têm uma dificuldade muito grande para pagar o salário mínimo. Então, o que V. Exª está propondo é o correto. O Senado tem que abraçar esta idéia: uma política de recuperação do salário mínimo a médio e longo prazo. Parabéns a V. Exª pela iniciativa!

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, Senador Maguito Vilela. V. Exª disse muito bem que essa discussão acaba atingindo o conceito, a imagem de seriedade do Congresso, na medida em que essa politização excessiva, principalmente essa troca de posições, em que os conservadores de ontem são os proponentes mais avançados de hoje e vice-versa, acaba tirando a credibilidade da instituição, e temos que zelar por ela. O caminho é este: discutir e aprovar uma lei de recuperação do salário mínimo a longo prazo, que é a maneira viável de se obter essa recuperação efetiva, e aí, então, deixar uma pequena margem para a decisão anual, mas balizada dentro de máximos e mínimos.

Sr. Presidente, como membro da Comissão Mista de Orçamento, acompanhei a elaboração do parecer do Senador Garibaldi Alves sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias, um parecer no qual S. Exª fixava uma recuperação do salário mínimo para o ano próximo com um valor no mínimo igual à recuperação monetária, acrescida do valor do crescimento do PIB no ano anterior. É claro que o crescimento do PIB é maior que o crescimento da renda per capita, o que, por conseguinte, garantiria a recuperação monetária, garantiria a segunda parcela, referente à produtividade, à distribuição da produtividade média, e garantiria uma parcela de cunho distributivista, que seria a diferença entre o crescimento do PIB e o da renda per capita. Ocorre que acabou havendo a revisão por pressão das autoridades fazendárias do País, e houve um recuo, que quero lamentar. Quero expressar minha inconformidade com essa política que o Governo vem praticando, que, a meu juízo, é excessivamente conservadora.

O Congresso pode e deve dar uma contribuição mais efetiva à execução, à elaboração da política econômica. Com relação à política econômica, há um reconhecimento geral de que essa deve ser uma prerrogativa do Governo, do Poder Executivo, na medida em que a responsabilidade maior pelos resultados e pela estabilidade econômica e financeira do País é do Poder Executivo. Portanto, deve ser do Poder Executivo a prerrogativa da fixação das diretrizes de política econômica.

Entretanto, sem alterar o rumo das diretrizes, pode haver variações de maior ou menor flexibilização a essa política estabelecida, que é papel da Casa Política, da representação política, do Congresso Nacional. E o Congresso não o vem exercendo na medida em que o Poder Executivo consegue impor suas metas, excessivamente rígidas, a meu juízo, no tocante ao estabelecimento do superávit primário; no tocante, por exemplo, a essa variável do salário mínimo, que foi mantida numa base extremamente conservadora, sem nenhuma melhoria redistributiva; no tocante às próprias metas de inflação, que o Conselho Monetário fixou, há poucos dias, para 2005 e 2006, num patamar de 4,5%. É claro que isso produz um enrijecimento da política monetária e fiscal que impede a retomada do crescimento ao nível de que o País necessita, que a Nação demanda, que a população exige, para que possa haver uma melhoria efetiva do quadro social do País.

Encerrando este discurso, ao apresentar minha sugestão, ao dar minha colaboração para a política de longo prazo do salário mínimo, quero fazer uma referência ao fato de que o Congresso pode e deve ter uma interferência maior na fixação dos parâmetros da política econômica, mesmo mantendo as diretrizes essenciais fixadas pelo Poder Executivo, mas incluindo aquela flexibilização política que é característica da representação política que ausculta os interesses, as aspirações e os desejos da população.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2004 - Página 22489