Discurso durante a 99ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa do aperfeiçoamento, pelo Senado Federal, dos projetos oriundos da Câmara dos Deputados.

Autor
Ramez Tebet (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MS)
Nome completo: Ramez Tebet
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL.:
  • Defesa do aperfeiçoamento, pelo Senado Federal, dos projetos oriundos da Câmara dos Deputados.
Aparteantes
Edison Lobão, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2004 - Página 22501
Assunto
Outros > CONGRESSO NACIONAL.
Indexação
  • ELOGIO, ESFORÇO CONCENTRADO, SENADO, REMESSA, CAMARA DOS DEPUTADOS, SUBSTITUTIVO, LEGISLAÇÃO, FALENCIA, PARTE, REFORMA JUDICIARIA.
  • REPUDIO, DECLARAÇÃO, DEPUTADO FEDERAL, TENTATIVA, LIMITAÇÃO, ATUAÇÃO, SENADO, ALTERAÇÃO, PROPOSIÇÃO, ORIGEM, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), LOBBY, DEPUTADO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), EXTINÇÃO, SENADO, DEFESA, ORADOR, DEMOCRACIA.
  • ANALISE, POLITICA PARTIDARIA, AMBITO, VOTAÇÃO, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos no apagar das luzes dos nossos trabalhos nesse primeiro semestre de 2004. Estamos num período de esforço concentrado.

O Senado, nesta semana, votou o substitutivo da Lei de Recuperação das Empresas, que teve como base o projeto de lei aprovado na Câmara. E, ao votar de forma esmagadora - foram sessenta e quatro votos contra dois -, devolve o projeto à consideração daquela Casa. Votamos, ontem, uma parte da reforma do Poder Judiciário, e a outra também retorna à Câmara, para a análise dos Srs. Deputados Federais. Essa é a regra da democracia.

O Poder Legislativo no Brasil, desde a Constituição de 1824, funciona bicameralmente, pois, na esfera federal, é representado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado da República. As duas Casas têm suas funções delimitadas constitucionalmente e trabalham, como sempre, com o mesmo objetivo. As funções principais inerentes às duas Casas são: fiscalização dos atos do Poder Executivo e elaboração das leis.

Penso que ambas as Casas cumprem seu dever, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Por isso, causam-me estranheza, vez por outra - e ultimamente isso vem se acentuando -, algumas considerações por parte de alguns Parlamentares. Quero crer que sejam considerações feitas por alguns Srs. Deputados pertencentes a algum Partido que se intitula dono da verdade. Querem que suas votações sejam absolutas. Querem que as matérias votadas pela Câmara dos Deputados, que vêm à consideração dos Srs. Senadores, sejam simplesmente homologadas, como se o Senado fosse um cartório homologatório e batesse carimbo nas decisões emanadas pela maioria da Câmara dos Deputados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fazer um discurso como este a essa altura, no ano 2004, quando está perfeitamente consolidado no País o bicameralismo, parece estranho, mas ele deve ser feito sim, para uma melhor compreensão da realidade política em que estamos vivendo.

Em verdade, chegam a ser inacreditáveis declarações como a publicada, por exemplo, pelo jornal O Globo, hoje, ao se afirmar que petistas na Câmara estão a cada dia mais irritados com o Senado da República, porque esta Casa faz modificações aos projetos votados pela Câmara. Há Deputados que saem exaltados e irritados de alguns encontros e ficam a pregar o unicameralismo, isto é, o fim do Senado da República, como a bater no peito e dizer que a verdade está com a Câmara, com os Deputados, com o grupo que sustenta o Governo.

Sr. Presidente, a Nação não pode viver com exemplos dessa natureza. O interessante é que a Nação viva com o exemplo que estamos dando, tanto a Câmara como o Senado, no geral.

Acabei de mencionar projetos que foram votados aqui nesta semana, como a Lei de Recuperação das Empresas. Será que eu, como Relator, vou ficar ofendido se o projeto, ao retornar à Câmara, que dará a última palavra, for modificado pelos Srs. Deputados?

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Será que vão ficar irritados com a reforma que votamos do Poder Judiciário, quando devolvemos uma parte à consideração dos Srs. Deputados? Não são eles que estão com a última palavra no exemplo que acabei de dar?

Positivamente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há que se abortar isso de imediato, há que haver compreensão por parte dos Deputados de que, numa democracia, ninguém é dono da verdade; de que a democracia é o entrechoque das idéias e dos debates; de que as duas Casas existem para o aprimoramento dos projetos de lei. As Casas devem coexistir harmônica e pacificamente, com o objetivo de aprimorar as leis e as suas atribuições em benefício da coletividade, do no nosso povo.

Isso não é possível no mundo de hoje. Se antes não cabiam, muito menos hoje cabem esses enlevos de caprichos pessoais de quem quer que seja. Há de se atender aos interesses da Nação.

E me orgulho, como Senador, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando esta Casa cumpre com o seu dever. Se um projeto de lei deve ser modificado pela maioria desta Casa, que o seja, e retorne para a Câmara dos Deputados. Se um projeto tem início no Senado da República e a Câmara o modifica, que o aceitemos. Aquela Casa faz a modificação e o projeto retorna ao Senado. É essa a regra do jogo democrático.

E, se essa é a regra desde o Império, causam espécie agora - quando o País precisa fazer reformas que ainda não fez, e precisa fazê-las bem, verdadeiras reformas, verdadeiras transformações - alguns comentários, alguns discursos ou artigos de jornal, como estamos a presenciar aqui. O Senado não pode ouvi-los calado, porque estamos cumprindo com o nosso dever. Neste esforço concentrado e neste primeiro semestre, as matérias votadas pelo Senado da República estão a demonstrar que os Senadores procederam à altura das suas responsabilidades.

Senador Edison Lobão, V. Exª me honra com seu aparte.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Ramez Tebet, essas obscuras e anêmicas tentativas de extinção do Senado, que de tempos em tempos são editadas ou reeditadas, não nos devem preocupar profundamente, mas é lastimável que ocorram. Afinal, cumprimos aqui o nosso papel. Não estamos aqui para homologar tudo quanto a Câmara faz, e até temos feito isso com mais freqüência do que devíamos. Não são raras as críticas que ouvimos - até mesmo de Senadores - declarando-nos Casa homologatória daquilo que se faz na Câmara. Muitos projetos nos chegam com o prazo já praticamente esgotado, impedindo-nos de aperfeiçoá-los. Temos sido os mais cordiais possíveis com a Câmara. E há projetos nossos que a Câmara também altera, sem que estejamos a reclamar, a entender que a Câmara deve ser extinta. Isso seria apenas uma violência democrática que a Nação brasileira não aceitaria e que nem nós aceitaremos. Não proporemos a extinção da Câmara. Não perderíamos o juízo para chegar a esse ponto, mas também não aceitamos que daquela Casa venha tal proposta. Cumprimento V. Exª pela iniciativa de fazer hoje esse discurso, com a sua autoridade de Senador da República, de Parlamentar de muitos mandatos, de ex-Presidente desta Casa, que honra o quadro de Senadores da República. Cumprimento-o pela coragem que V. Exª tem de dizer o que está dizendo. Muito obrigado.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Nobre Senador Edison Lobão, permita-me que lhe diga que o aparte de V. Exª valeu mais do que o meu próprio discurso, de tão lúcido, a ponto de esclarecer o assunto e de me sugerir algo.

É tão absurdo o que essas pessoas propõem - ou melhor, pensam e falam, porque não há nem como se propor uma coisa dessa - que uma idéia dessa não pode nem entrar em votação, porque significaria praticamente extinguir o Poder Legislativo. Como se faria isso? Será que vale uma resolução, uma decisão do Senado ou um projeto iniciado aqui, como V. Exª falou, para extinguir a Câmara?

Isso é tão absurdo! É tão pueril! Mas venho a esta tribuna porque o Senado não pode ficar assistindo a esses discursos de forma impassível. O que a opinião pública vai ficar pensando do Senado da República se não respondermos a esses absurdos? Sei que é absurdo, mas isso é publicado pela imprensa e chega aos estudantes, à nossa juventude.

Esta Casa, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, através da sua história, tem a lhe perlustrarem os quadros as figuras que mais contribuíram para o aprimoramento e o aperfeiçoamento da democracia no Brasil, ou não estaria ali encimada a figura deste grande baiano, Rui Barbosa, que honrou as tradições desta Casa, para não citar outros.

Temos feito a nossa obrigação, temos contribuído na medida do possível. E creio que o discurso que a Câmara e o Senado devem fazer é para pedir ao Poder Executivo que nos permita legislar; que não tire essa prerrogativa nem do Senado nem da Câmara, por meio de sucessivas, abusivas e, agora, absurdas medidas provisórias que são submetidas ao Congresso Nacional, atravancando a nossa pauta e prejudicando o nosso trabalho.

Esta Casa vem trabalhando com afinco, com dedicação, haja vista que, em tempo recorde, quando se trata de atender aos interesses da Nação, reúnem-se as Comissões. Ontem, por exemplo, reunimos a Comissão de Assuntos Econômicos para aprovar, em poucas horas - permitindo que seja submetida a este Plenário ainda hoje, porque veio para cá em regime de urgência -, dotação de R$100 milhões para que o Governo Federal contrate esses recursos no exterior a fim de serem aplicados em obras de infra-estrutura, mais precisamente em saneamento básico, na Nação.

Em suma, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se não nos devem preocupar, devem merecer a nossa repulsa aqueles que, querendo consertar a democracia, falam em exterminar um dos seus mais importantes órgãos, que, sem dúvida alguma, é o Senado da República. Isso, sim, não pode ficar em vão.

Ouço o aparte do Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Ramez Tebet, um quadro vale por dez mil palavras. V. Exª é o quadro que revive a grandeza de Rui Barbosa. Nesses 181 anos de Senado, bastaria aquele outro quadro, de D. Pedro I, que, ao entrar aqui, deixou o cetro e a coroa. Bastaria abrir o Livro de Deus, na passagem em que Moisés, querendo desistir de sua missão, ouviu a voz dos céus para procurar os setenta mais experimentados, mais sábios, que esses lhe ajudariam a carregar o fardo do povo. Daí nasceu a idéia de Senado. Além disso, segundo nossa filosofia, a inveja e a mágoa corrompem os corações. E citaria, ainda, um trecho do livro O Dia em que Getúlio matou Allende, do extraordinário gaúcho Flávio Tavares, líder estudantil e hoje consagrado escritor, fazendo minhas as palavras dele, professor Cristovam Buarque, representante da cultura do PT. Considero este um texto muito oportuno - Deus escreve certo por linhas tortas - ao Deputado que fez essa crítica ao Senado. Atentai bem, Senador Romero Jucá, capítulo 12, “Getúlio: Rio, Mar e Lama”:

A nossa Câmara dos Deputados, em Brasília, é a única no planeta cujos integrantes não se sentam no plenário a debater ou discutir, analisar ou ponderar, expor e replicar. Ao contrário, os poucos deputados presentes parecem estar a passeio ou de passagem rápida, sempre de pé pelo corredor, num tumulto permanente que leva a perguntar: é possível legislar ou pensar sobre os destinos do país num ambiente assim? Não se parlamenta: se conversa ou se grita. Não há “parlamento”, mas simples aglomeração. Nenhum outro parlamento do mundo é assim. De onde vem essa prática insólita e absurda? Será outro legado dos tempos da ditadura implantada em 1964, dessa sui generis ditadura com deputados e senadores, em que o Congresso era apenas uma formalidade no jogo de faz-de-conta para simular democracia?

     É o quadro que a Câmara dos Deputados está representando no consenso.

O SR. RAMEZ TEBET (PMDB - MS) - Senador Mão Santa, V. Exª sabe o quanto me alegra quando estou na tribuna e sou aparteado por V. Exª, porque sempre vêm luzes ao meu pronunciamento. Por isso, o aparte de V. Exª está incorporado a meu pronunciamento.

Digo, Sr. Presidente - ainda tenho dois minutos -, que percebemos o que está acontecendo. O que aconteceu? Por que se voltou este ano a esta fala? Penso eu que, se fizermos um retrospecto, vamos verificar que, quando o Presidente da República, acompanhado dos Governadores, trouxe o projeto de reforma tributária, Sua Excelência o entregou para ser analisado primeiramente pela Câmara. Como a Câmara analisou e aprovou o projeto de reforma tributária e o Senado o modificou, ele retornou à Câmara. Então, os Srs. Deputados começaram a dizer o seguinte: “Nós arcamos com os ônus de sermos Governo. Chegando lá, o Senado muda, faz o que quer e fica às boas com a opinião pública. Isto é, votamos aqui as medidas antipáticas e, quando a matéria chega ao Senado, o Governo negocia. Essa é a verdade”. Isso aconteceu na votação do salário mínimo. A matéria retornou porque a mensagem do Poder Executivo foi aceita na Câmara e foi aprovado o salário mínimo de R$260,00. Quando a matéria foi apreciada no Senado, aprovamos o salário mínimo de R$275,00. A matéria retornou à Câmara dos Deputados, que, como era seu direito, derrubou - o que lamento - o valor aprovado por esta Casa e manteve os R$ 260,00. Como a tramitação do projeto começou lá, a última palavra caberia à Câmara dos Deputados.

Vamos acusar a Câmara dos Deputados por isso? Não. Mesmo assim aquela Casa ficou insatisfeita com o Senado. Alguns Parlamentares que ainda não compreendem a realidade democrática - vamos falar a verdade - entenderam que passaram eles por maus por apoiarem o Governo e que o Senado passou por bonzinho por aprovar o salário mínimo de R$275,00.

Ora, positivamente, isso não convém à democracia no Brasil e nem é próprio daqueles que têm vontade efetiva de ajudar o Brasil. Deve-se compreender como funciona o Poder Legislativo no bicameralismo e deixar as coisas pessoais de lado, fazendo sobre elas prevalecer o elevado espírito público.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que o assunto não comporta mais tempo de discurso da minha parte. Creio que minhas palavras são suficientes para manifestar o meu ponto de vista com relação a esses poucos Parlamentares da Câmara Federal que, creio, ainda não conseguem entender o valor do Senado da República.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2004 - Página 22501