Discurso durante a 100ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem póstuma ao historiador amazonense Mário Ipiranga Monteiro.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem póstuma ao historiador amazonense Mário Ipiranga Monteiro.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2004 - Página 23322
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MARIO IPIRANGA MONTEIRO, HISTORIADOR, JORNALISTA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), ELOGIO, VIDA PUBLICA.
  • COMENTARIO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, VALORIZAÇÃO, CARREIRA, DIPLOMACIA, AFRICA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faleceu, em Manaus, o historiador e intelectual de efetivo peso Mário Ypiranga Monteiro; aos 95 anos, perto de completar 96 anos de idade.

Perdi uma aposta comigo mesmo e com o bem-estar do meu povo. Eu apostava que Mário Ypiranga viveria até o centenário. Ele chegou bem perto disso e ultrapassou esse umbral por ser, de fato, um imortal. Certamente, ele foi o maior historiador do meu Estado, alguém que honrava a Academia Amazonense de Letras, de que foi fundador; alguém que escreveu mais de 200 obras, havendo 16 inéditas, inclusive, uma autobiografia inconclusa. Era um intelectual irreverente, um homem de muita fé, de muita beleza na sua vida.

Foi casado por 66 anos com sua eterna paixão. Quando Manaus enfrentou o problema de racionamento de energia elétrica em 1997, Mário Ypiranga brincava, dizendo que foi ele que havia provocado o primeiro “apagão” em Manaus. Ele tinha combinado fugir de casa com a noiva, pois o pai dela não queria que se consumasse aquele casamento. Afinal de contas, o noivo era apenas um intelectual numa sociedade pragmática que exigia uma função pública definida. Ele conseguiu que um amigo apagasse as luzes da parte da cidade, onde residia a sua amada, e fugiu com ela. Ele e ela aproveitaram a escuridão para fugir. Viveram felizes pela vida inteira, como se fosse mesmo um conto de fadas.

Recebeu muitos prêmios.

Somente sobre o Teatro Amazonas ele escreveu doze livros. Alguém que queira consultar, da construção às motivações sociais e ao quadro econômico, em torno dessa que é a maior prova do fausto do período da borracha no Amazonas tem que, obrigatoriamente, consultar Mário Ypiranga.

Aliás, Mário Ypiranga, Senador Heráclito Fortes, ia além. Ele não via o Teatro Amazonas como uma mera expressão do período áureo da borracha. Ele o via como demonstração já de sofisticação intelectual de certa parte da elite do meu Estado. Àquela época, o Amazonas representava 70% das exportações brasileiras, com a borracha. Corria tanto dinheiro pelo Estado que eram comuns as notícias sobre os coronéis da borracha, que acendiam charutos caríssimos com notas de não sei quantos mil réis. Era certo que o primeiro porto para as grandes óperas do mundo inteiro era Manaus, depois Rio de Janeiro e São Paulo. Essa é uma época muito bem descrita pela pena acurada e inteligente daquele que está para o Amazonas - Mário Ypiranga Monteiro - como Gilberto Freyre, o imortal autor de tantas obras sobre a sociologia do povo brasileiro, está para Pernambuco. “Casa Grande & Senzala” o imortalizou.

Mário Ypiranga foi repórter, tendo exercido a atividade jornalística intensa desde 1927, quanto tinha 17 anos. Portanto, por 70 anos seguidos. Essa é a vantagem de uma vida longa, de uma vida bonita. Admirador do carnaval e estudioso das manifestações folclóricas da minha terra. Um dos prêmios, das centenas que recebeu e que o orgulhava, foi o prêmio, a homenagem que lhe foi concedida, num desfile, pelo Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade Independente de Aparecida, um bairro em Manaus que insiste em se manter com a personalidade de bairro, embora, com o crescimento da cidade, seja centro da cidade. Há três bairros muito específicos - Matinha, Aparecida e Praça 14 de Janeiro -, que representam o centro da cidade, mas não aceitam isso e se auto-intitulam bairros, por toda uma personalidade, por toda uma tradição cultural, por serem berços de poetas, de líderes sindicais, de heróis do povo do meu Estado. E Mário Ypiranga tinha muito orgulho de ter nascido no Bairro de Aparecida. Essa homenagem da Escola de Samba de Aparecida se deu em 1999, no carnaval, e o enredo era “Sobre o Signo do Cometa: Mário Ypiranga Monteiro”. Foi homenageado também pela Universidade do Estado do Amazonas, que batizou com seu nome o edifício da Escola Superior Normal.

Ypiranga deixou viúva Dona Ana dos Anjos Monteiro; quatro filhos - Marita Socorro Monteiro, advogada; Azemilkos Trajano Monteiro, médico; Maurílio Galba Monteiro, médico; Mário Ypiranga Monteiro Filho, médico -; seis netos - o talentoso promotor de Justiça Mário Ypiranga Monteiro Neto; Bianca Ypiranga Monteiro,desenhista industrial; Patrícia Monteiro Ribeiro, estudante de Direito; Samanta Monteiro Menezes, médica; Giuliana Ypiranga Monteiro, administradora de empresas; Isabella Ypiranga Monteiro, jornalista -; e três bisnetos.

Foi também membro - já me referi à Academia de Letras - da Ordem dos Advogados do Brasil, secção do Amazonas; membro de honra do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Foi figura proeminente na maçonaria do meu Estado. Trabalhou auxiliando as pesquisas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - Inpa. E era membro honorário do Instituto na França, na Itália, na Inglaterra, no México, na Argentina, no Uruguai, em Santo Domingo, no Peru, na Holanda, na Suíça, na Espanha, em Cuba, além de ter sido sócio da National Geografic Society, dos Estados Unidos da América.

Como dissera, Mário Ypiranga produziu mais de duzentos livros, Srª Presidente. Mas quero deixar consignado nos Anais os nomes de alguns: Carros e Carroças de Boi; Dalila (Mimo); Cultos de Santos e Festas Profano-Religiosas; O Espião do Rei; História do Monumento à Província; História do Monumento da Praça de São Sebastião; Roteiro Histórico de Manaus; Teatro Amazonas; A Capitania de São José do Rio Negro; História da Cultura Amazonense; Elogio do Lixo; Cobra Grande Lenda-mito; Mocidade Viril, 1930 - O Motim Ginasiando.

Não há como escapar do lugar comum, ele deixa uma grande lacuna na sociedade que me motiva a atuar na vida pública, na sociedade do meu Estado, na sociedade amazonense.

Ele hoje é fonte de pesquisas para teses de doutorado, inclusive do exterior. Compareci ao seu enterro e fiquei muito triste com a ausência de autoridades oficiais do Governo de Estado e Prefeitura. Não tenho como deixar de parabenizar o Governador do meu Estado, Dr. Eduardo Braga, por ter mostrado sensibilidade diante da grandeza desse homem, instituindo o Prêmio Mario Ypiranga Monteiro, destinado a estimular jovens cientistas da área social.

Mário Ypiranga, portanto, é mais um exemplo de quem obtém a imortalidade na morte; de uma vida que realmente valeu a pena, uma vida que foi boa de ter sido vivida do jeito que ele fez: com dignidade, com respeito ao seus semelhantes, com muito amor pela sua terra, passando por cargos públicos e se portando como deve se portar quem sabe do respeito que por todos nós é devido ao Erário, à coisa pública. Um homem de bem.

Hoje, da minha idade, consigo projetar Mário Ypiranga; consigo entender como é boa uma vida longa; consigo entender que, quando se supera aquela prepotência que às vezes ocorre aos jovens, aquela sensação de imortalidade e de que o tempo não passa para eles, mas passa para todos nós. Hoje, consigo imaginar que deve ser uma inspiração, do ser sensato, procurar chegar à velhice, pois, longe de ser um castigo, deveria ser um prêmio. Ela é entendida como um prêmio. Sem sorte e sem sensatez, não se chega à velhice. Estão aí as drogas e os acidentes no caminho.

Hoje, consigo valorizar a idéia de que alguém tenha vivido por tanto tempo, quase um século, prestando bons serviços ao seu Estado, ao seu País, à sua cidade. Quando estudava Sociologia e Política na Pontifícia Universidade Católica, no Rio de Janeiro, eu me lembro que tomei contato com Web Du Bois. Ele foi o grande autor intelectual da ideologia pan-africana. Lembro-me que Dubois casou-se aos 73 ou 75 anos pela última vez. Àquela altura, eu, um jovem, dizia: “Meu Deus, o que uma pessoa com 73 anos faz ao se casar de novo?” Pois, ele ficou casado ainda vinte e poucos anos. Viveu até os 95 anos. Logo, era uma vida que procurava se estender no tempo e no espaço, sempre fazendo coisas muito boas. Afinal de contas, o pan-africanismo significou a estrutura ideológica que derrotou o colonialismo no continente africano, propiciando o surgimento das grandes lideranças anticoloniais, como Patrício Lumumba, no antigo Congo Belga, como Sekou Touré, como os irmãos Cabral, sobretudo Amílcar Cabral, que foi um líder muito original no processo de descolonização da Guiné Bissau. E poderíamos passar por Moçambique, por Angola, de Agostinho Neto, poderíamos passar por todo País que revelou os seus líderes, alguns marxistas, outros nem tanto, mas todos partindo de um fundamento essencial, que era a Teoria do Pan-Africanismo, que foi gestada ao longo da profícua vida intelectual de Web Du Bois. E me esquecia de Samora Machel, em Moçambique.

Mas vejo que, guardadas as proporções, a vida de Mário Ypiranga Monteiro é bonita como essa, é parecida com essa, seja porque durou muito, como a de Barbosa Lima Sobrinho, seja porque foi lúcida até o final.

Meu filho, quando era Vereador, fez uma homenagem a Ypiranga. E agora, também, já como Deputado Estadual. Mário Ypiranga tinha um carinho muito especial pelo Deputado Arthur Virgílio Bisneto. Conversava com o meu filho e dizia coisas engraçadas, como, por exemplo, que teve que fugir com a esposa porque os pais dela, com razão, não queriam que ela se casasse com ele. E era uma ironia que fazia consigo próprio, até porque demonstrou, ao longo do casamento, que era da maior dignidade no comportamento com sua companheira. Enfim, alguém que começa agora a projetar sua sombra benéfica sobre as futuras gerações de amazonenses.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador Arthur Virgílio?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Pois não, nobre Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Nobre Senador Arthur Virgílio, eu me associo ao pronunciamento de V. Exª, exaltando a figura do recém-falecido amazonense Mário Ypiranga Monteiro. Na semana passada, V. Exª também registrou a perda de outro brasileiro ilustre, outro amazônida. É assim que o Brasil vai perdendo seus valores. E, pelo que percebemos, não há peças de reposição. A cultura brasileira empobrece, principalmente a cultura regionalista, que faz com que a Amazônia seja tão admirada e cantada mundo afora. Mas gostaria também de me associar ao pronunciamento de V. Exª, quando cita o pan-africanismo, em que dois ex-colegas de carreira de V. Exª, dois ex-embaixadores, que são Ítalo Zappa e Alberto da Costa e Silva, marcaram posição na atuação diplomática tendo a integração do continente africano como bandeira de luta. Alberto da Costa e Silva e Ítalo Zappa são dois expoentes nessa luta e, tenho certeza, muito colaboraram para que a África fosse vista pelo mundo de maneira mais rápida, com mais clareza, e, acima de tudo, mais evidenciada. Assim sendo, parabenizo V. Exª pelo pronunciamento em que faz a abordagem dos dois aspectos: a solidariedade aos familiares do ilustre amazonense morto e essa exaltação do pan-africanismo que tanto defendemos e que é tão necessário para a integração dos povos. Muito obrigado.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Agradeço a V. Exª, Senador Heráclito Fortes, pelo aparte oportuno que - de fato, vou cair no lugar comum outra vez - enriquece este pronunciamento modesto, porque traz à baila, em se falando de emancipação da África, dois grandes brasileiros: Alberto Costa e Silva, vivo, e Ítalo Zappa, falecido. V. Exª acabou de lembrar que esta Casa pranteou, semana passada, um grande intelectual brasileiro nascido no meu Estado Leandro Tocantins, homem de obra que o credencia a ser um dos maiores amazonólogos de todos os tempos. Segundo Gilberto Freire, ele seria um “amazonófilo”, ou seja, amigo da Amazônia além de, ele próprio, ser um amazônida. Ítalo Zappa e Alberto Costa e Silva, de fato, são dois grandes intelectuais que a diplomacia brasileira projetou na direção do continente africano. Quando alguém me pergunta quais são os lugares importantes para o diplomata servir, digo que ocorre a todos, de início e de maneira apressada, o chamado circuito Elizabeth Arden: Nova Iorque, Paris e Londres. Nova Iorque é importante, sim, por ser Nova Iorque; Londres é importante por ser Londres. Mas nenhum posto é mais importante, depois de Washington, do que Argentina, e quase nenhum é mais importante do que Paraguai, embora não seja um país tão disputado do ponto de vista dos serviços que oferece, não seja tão disputado pelos diplomatas à primeira vista. Valorizo muito os que querem ir para o Paraguai. Como também para o Brasil.

Sempre foi muito importante o País ter um pé na África; afinal de contas, é uma região de memória ancestral para nós, uma região de ligação avoenga conosco, temos o nosso lado africano, o nosso lado indígena e temos o nosso lado europeu. O Brasil é isso, o Brasil é essa mistura de raça, de credos. É um País que tem tudo para ser tornar uma grande democracia mesmo. Além de uma democracia grande, pela extensão de seu território e pelo número de habitantes, 180 milhões, tem tudo para se tornar uma grande democracia até pela sua origem, pela miscigenação de seu povo, pela mistura de raças que o compõem, um País que sabe banir qualquer sentimento de racismo. Não cabe no Brasil ser racista, até porque não tem neste País quem não se orgulhe de ter o sangue negro correndo nas suas veias, ou o sangue indígena e, claro, o sangue europeu também. Não há como procurarmos embranquecer de maneira tola, estúpida. Ítalo Zappa sempre compreendeu isto, assim como Costa e Silva: o valor de servir em postos que eram de sacrifício pessoal mas de grande significado político e histórico para o nosso País.

Srª Presidente, gostaria de emendar esta fala com uma comunicação de Liderança de Partido, e já abordaria tema de política nacional. Logo em seguida.

No encerramento deste discurso, gostaria de deixar claro, Senador Heráclito Fortes, que a perda de Mário Ypiranga é muito sentida, e o Brasil de fato perde seus grandes valores com a marcha inexorável do tempo. Mas acredito muito na cultura do exemplo, acredito muito naquilo que fica, na imortalidade que vem quando a sua vida é boa. A imortalidade não é ficar aqui para sempre; a imortalidade é deixar uma obra. E essa imortalidade pode ser para todos: Mário Ypiranga Monteiro, Leandro Tocantins, Jorge Amado, pessoas que escreveram, que legaram um patrimônio cultural para ser manuseado por todos os que vierem depois deles; e há aquele que se imortaliza para os seus amigos, para a sua família: é o pai de família honrado, é a mãe de família decente, ambos trabalhando e construindo com lisura e com limpeza uma estrutura familiar, procurando contribuir para o seu país; não precisa estar nas páginas dos jornais para merecer a admiração de quem os conhece. Então, vejo que há várias formas de nos imortalizarmos. Quem perdeu o seu pai ou a sua mãe sabe disso. Eu perdi o meu pai, sei o que digo. Meu pai, para mim, é imortal menos pelo grande político que foi e mais por se tratar daquela figura que só passou exemplos bons e decentes para todos nós.

Portanto, Srª Presidente, encerro e peço a palavra como Líder do PSDB por cinco minutos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2004 - Página 23322