Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de maiores investimentos na educação pública do País, clamando pela volta do programa Primeira Leitura. Necessidade da regulamentação da Lei 10.753/03, que institui a Política Nacional do Livro.

Autor
Marco Maciel (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Defesa de maiores investimentos na educação pública do País, clamando pela volta do programa Primeira Leitura. Necessidade da regulamentação da Lei 10.753/03, que institui a Política Nacional do Livro.
Aparteantes
Eduardo Azeredo, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/2004 - Página 23797
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, IMPORTANCIA, RETORNO, PROGRAMA, INCENTIVO, LEITURA, CRIANÇA, JUVENTUDE, BRASIL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRIAÇÃO, POLITICA NACIONAL, LIVRO.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), REVISÃO, DECISÃO, SUSPENSÃO, PROGRAMA, DISTRIBUIÇÃO, LIVRO DIDATICO, LIVRO, LITERATURA, CRIANÇA, MELHORIA, ENSINO, PAIS.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romeu Tuma, Srªs e Srs. Senadores, estamos vivendo a época do imobilismo perfeccionista, na qual, sob o pretexto de se avaliar um determinado programa em andamento, o Governo interrompe sua execução sem algo melhor para substituí-lo.

No setor da Educação, vimos o caso recente do Programa Nacional de Biblioteca da Escola, criado em 1998. A licitação para a compra dos livros, que deveria ocorrer em maio passado para distribuição no ano letivo de 2005, foi suspensa, alegando o Governo que, apesar de ter o controle da distribuição dos livros, não tem informações sobre se estão sendo adequadamente utilizados. A conseqüência prática foi a paralisação do programa.

Vem-me à memória o Programa Nacional do Livro Didático, felizmente sem solução de continuidade. Devo, a propósito, dizer que esse programa, chamado Prodeli, foi iniciado ao tempo em que eu era Ministro da Educação, na administração do Presidente José Sarney. Na ocasião, em 1986, chegamos a distribuir 30 milhões de livros didáticos e o programa não parou de crescer de 1985 até os nossos dias

É lógico que enfrentávamos problemas sérios, inclusive logísticos, para a distribuição de grande quantidade de livros a um elevado número de escolas. Para falar em números mais atuais, que, de 1995 a 2001, foram distribuídos quase 620 milhões de livros, 110 milhões somente no ano de 2001. O mais importante, no entanto, é que a partir de 1996 todas as crianças iniciaram o ano escolar com os livros em suas mochilas. Não se parou de melhorar.

            Faz parte do Programa Nacional Biblioteca da Escola, cuja suspensão estou a criticar, o Projeto Literatura em Minha Casa, pelo qual as crianças que concluíam a 4ª série do Ensino Fundamental nas escolas públicas recebiam de presente uma coleção de livros de literatura. O projeto estava em execução há quatro anos e, no ano passado, fora estendido aos alunos da 8ª série e aos estudantes do sistema de educação de jovens e adultos. Cerca de 60 milhões de exemplares eram distribuídos anualmente. Esse projeto também parou. Por que parou?

      Em artigo intitulado Esteira, cama e livro, publicado na edição de 5 de maio último, do Jornal do Brasil, a escritora Ana Maria Machado critica, com seu talento e conhecimento do assunto, a decisão do Governo, suas conseqüências educacionais e culturais.

De acordo com informações da acatada escritora, o Ministério da Educação “não questionou a qualidade dos livros nem a eficácia de sua distribuição” e sim “que o Ministério não tem controle sobre sua utilização, não sabe se as crianças estão lendo bem”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dos maiores problemas educacionais na administração da educação no País diz respeito à descontinuidade dos programas. Na medida em que os programas não têm continuidade faz com que o alfabetizando e o educando sejam duramente prejudicados. É o que se passa com relação ao programa que foi agora suspenso.

As crianças levarem para casa os livros comprados pelo Governo, longe de ser um provável desperdício é a oportunidade para que os adultos também os leiam, mesmo que tenham sido escritos para o público infantil. O adulto será motivado a ler para poder explicar para o filho, para o sobrinho, para o neto, para o afilhado, ou para o filho do vizinho, amigo do próprio filho. 

Sr. Presidente, todos conhecemos a grande vitória da Coréia do Sul, que conseguiu extraordinário feito na educação, nas últimas décadas. Entre as muitas conquistas cito o esforço em prol da educação continuada, realizado quando foi percebido, com acerto, que a educação formal atendia apenas a 25% da população. O ensino passou a ser para toda a nação, 75% atendida pela educação continuada, do Ensino Fundamental ao Superior.

Uma das preocupações do governo coreano, para recuperar o tempo perdido sem novas perdas desse valiosíssimo insumo, foi fazer e refazer, sem paradas, avaliando uma fase enquanto implementava outra, arrumando a carga com o trem em pleno movimento. Quando o bem é perecível, o excesso de zelo pode levar à perda de toda a carga. E nada é mais perecível do que o tempo. Temos apenas 500 anos de idade. O País não é somente uma Nação dos jovens, mas também é uma Nação jovem. Temos, portanto, muito a aprender com povos de cultura multimilenar.

Sr. Presidente, minha perplexidade não se esgota no que falei até agora. No setor educativo e, especificamente, no aspecto do livro, ainda há algo a mais a comentar. Temos visto o grande número de pessoas, principalmente crianças, nas feiras de livros. É um fenômeno que deve ser potencializado pelo Governo como um fator a mais para a solução da grave questão da educação em nosso País.

Passo importante, a meu ver, para que continuemos a melhorar e desenvolver o hábito da leitura foi dado com a aprovação da Lei nº 10.753, de 31 de outubro de 2003, que institui a Política Nacional do Livro, iniciativa, aliás, do Senado Federal, por intermédio de projeto apresentado pelo hoje Presidente, Senador José Sarney. O artigo 1º da referida Lei lista doze diretrizes, sendo a primeira “assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito de acesso e uso do livro”. Ora, para a consecução dessa e da maioria das demais diretrizes, a participação da indústria editorial privada brasileira é essencial, bem como a regulamentação da lei que está a cargo do Poder Executivo Federal. Não regulamentada, a lei não terá plena eficácia.

Informações de pessoas e entidades, que aguardam a regulamentação da Lei nº 10.153 e que já procuraram os órgãos do Governo envolvidos com a questão, não são nada encorajadoras. Enquanto pleiteiam medidas complementares práticas e tecnicamente exeqüíveis que permitam a implementação dos objetivos estabelecidos pela nova legislação, têm encontrado apenas iniciativas voltadas para burocratizar procedimentos e introduzir praxes cartoriais que, longe de ajudar a cumprir os objetivos da lei, servirão apenas para torná-la inexeqüível. É o Governo colocando a referida proposição na pasta daquelas leis que não “pegaram”.

Essas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são algumas de minhas preocupações - não todas - com relação a esse grave problema da educação brasileira.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Marco Maciel, quando possível, V. Exª pode me conceder um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouço, com prazer, o nobre Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Eu e a Senadora Heloísa Helena estávamos prestando muita atenção no discurso de V. Exª, na reabertura dos nossos trabalhos, pois é importante chamar às falas aqueles que são responsáveis pela educação. Outro dia eu estava amargurado. Não sei se V. Exª diz algo a respeito em seu discurso, quando fala do hábito da leitura: em São Paulo há um desenvolvimento muito forte desse hábito, implementado pela Secretaria da Cultura. Assustei-me quando o Ministro Tarso Genro proibiu a distribuição de livros não didáticos.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Exatamente a isso estou me referindo.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Foi algo tão deprimente para mim, que até peço perdão pelo exemplo. Eu amo a minha sogra, mas acredito que o Ministro Tarso Genro pensou que a educação era a sogra dele. Ele retirou a possibilidade de a criança aprender o hábito da leitura, que é o que realmente faz a educação. Quando, numa prova, a criança não sabe interpretar um texto, o que lhe falta? A leitura. Aqui no Senado, temos desenvolvido um trabalho direcionado para os cegos, a impressão em braile. Por onde tenho passado, Senador Marco Maciel, pedem-me, encarecidamente, que desenvolvamos um trabalho voltado para o livro didático, pois o Governo não distribui livro didático para o deficiente visual. A Senadora Heloísa Helena é uma liderança nisso, e tem nos acompanhado na distribuição. É algo tão impressionante e o Estado não se preocupa. Senador Marco Maciel, desculpe-me falar isso no seu discurso, mas é algo que nos revolta, que nos intranqüiliza e nos dá desesperança. Um futuro com um cultura mais correta está longe de ser alcançado pelas nossas crianças. Muito obrigado pelo aparte.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Senador Romeu Tuma, eu que tomo a iniciativa de agradecer o aparte de V. Exª, pois foi ao fulcro da questão quanto se reportou ao cancelamento do projeto Literatura em Minha Casa. Era um projeto que ajudava muito a melhorar o processo de alfabetização da criança, sobretudo por incentivar o hábito da leitura, o qual, adquirido muito cedo, permanecerá para sempre e ela estará sempre se enriquecendo. Com esse projeto, ganhava não apenas o aluno, de um modo geral, mas também toda a família, que começava a tomar conhecimento de livros da literatura brasileira, contribuindo para conhecer melhor o País, aperfeiçoando, portanto, o desempenho cultural de toda a família.

O que me surpreende é que esse programa foi, como V. Exª já constatou concretamente em São Paulo, de uma hora para outra, suspenso para avaliação, o que significou praticamente o seu cancelamento. Naturalmente, isso trará conseqüências nocivas aos esforços feitos para melhorar a prestação educacional por parte do setor público. A suspensão é grave. Penso até que os programas devem estar sempre sendo avaliados e reavaliados. Acho isso muito positivo. Agora, o que não se concebe é que se cancele um programa sob o argumento de que ele precisa ser avaliado. Nesse sentido, creio que essa medida foi extremamente prejudicial à educação brasileira.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Marco Maciel, V. Exª me permite um aparte?

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouço o nobre Senador Eduardo Azeredo, com prazer.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Marco Maciel, como o Senador Romeu Tuma, quero também trazer os meus cumprimentos pela oportunidade de seu pronunciamento, que deve servir de alerta ao Governo. Essa não deve ser apenas uma revisão. O Governo deve retomar o programa em poucos dias. É evidente que a leitura de livros que não sejam apenas didáticos é fundamental para a formação do brasileiro. No futuro, quando houver pessoas com menos cultura, dirão que falta prioridade à educação. Isso ocorrerá, porque não se deu essa prioridade no passado. Então, essa é a importância de se olhar a origem. Aproveito este momento, porque V. Exª também é uma pessoa muito ligada à questão da informatização, da inclusão digital no Brasil.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - É verdade.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Nesse período de recesso do Congresso, vimos o Presidente da República se referir, finalmente, à inclusão social. Já estamos caminhando para o segundo ano. Já estamos há um ano e meio de Governo. A questão da inclusão digital ainda não avançou nada nesse Governo. Ela foi, felizmente, objeto de discurso do Presidente. Mas aí também poderia haver um avanço significativo na questão da informação dada aos brasileiros, à juventude, em especial. Mais uma vez, aproveitando o discurso de V. Exª, quero alertar para a questão do Fust. Um dos objetivos do Fust é a colocação de computadores em escolas, para que os alunos, não somente os de melhor capacidade financeira, possam aprender o que é a utilização da moderna tecnologia da informação. Cumprimento V. Exª pelo pronunciamento que faz. Espero que o Governo não fique apenas na retórica em relação ao programa de tecnologia da informação para a juventude brasileira.

O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Senador Eduardo Azeredo, acolho com muito prazer o substancioso aparte de V. Exª. A exemplo do que afirmou o Senador Romeu Tuma, devo dizer que V. Exª tem razão ao insistir na importância desses chamados livros paradidáticos. Ainda temos uma parcela da população constituída de autodidatas. Essas pessoas geralmente começaram a se enriquecer culturalmente não com a leitura de livros meramente didáticos, mas compulsando livros de literatura. Assim, conseguiram desenvolver o gosto pela leitura e, conseqüentemente, passaram a ter um papel mais ativo na vida nacional. Fiquei satisfeito ao ouvir o aparte de V. Exª, que demonstra preocupação com essa decisão do Governo.

V. Exª conhece bem os problemas da educação e, de modo especial, com essas novas tecnologias digitais, pois é um dos chamados papas no assunto. Como conhecedor desse território, das modernas tecnologias que marcam o século XXI, V. Exª sabe o quanto é importante que continuemos a investir em conhecimento.

Sempre cito uma frase de Norberto Bobbio, que considero muito atual. Quando lançou um de seus últimos livros - O Tempo da Memória -, em uma entrevista que deu na Universidade de Turim, disse que o mundo já se dividiu entre nações ricas e pobres, fortes e fracas. Agora irá se dividir entre as que sabem e as que não sabem. Com isso, Bobbio queria dizer - insisto em afirmar - que a grande questão do Século XXI é educação, ciência e tecnologia.

Se o Brasil quer ser uma Nação com destacado um papel neste século, deixando de ser o País do futuro para ser o País do presente, deverá investir cada vez mais em educação e na inclusão digital, a fim de, mais uma vez, não procrastinar nossos sonhos.

Na educação, não está embutido apenas o acesso ao conhecimento, mas, de forma muito saliente, o acesso à participação cívica e à participação política. Somente uma pessoa que tenha conhecimento no campo da cultura letrada e da cultura digital, é capaz de participar ativamente da vida pública de seu País. Somente assim, será um cidadão na verdadeira acepção da palavra.

Portanto, a cidadania passa - o que digo é óbvio, mas é importante repetir, porque o óbvio nem sempre se executa - pela educação. Se não investirmos cada vez mais em educação, a plena cidadania brasileira será sempre uma quimera.

Sr. Presidente, encerro as minhas palavras, fazendo um apelo ao Governo Federal, de modo especial ao Ministro Tarso Genro, para que reveja a decisão de suspender esse programa, que permite a distribuição de livros didáticos e paradidáticos às crianças, oferecendo, assim, condições para melhorar o ensino em nosso País.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/2004 - Página 23797