Discurso durante a 101ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de uma política sanitarista eficaz para o combate às endemias e epidemias que assolam o país.

Autor
Marcos Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Marcos Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Necessidade de uma política sanitarista eficaz para o combate às endemias e epidemias que assolam o país.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/2004 - Página 23818
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, INCIDENCIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, TUBERCULOSE, MALARIA, DOENÇA, ORIGEM, AEDES AEGYPTI.
  • DEFESA, NECESSIDADE, EFICACIA, POLITICA SANITARIA, COMBATE, INCIDENCIA, ENDEMIA, EPIDEMIA, BRASIL.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, AMPLIAÇÃO, CAMPANHA, VACINAÇÃO, QUALIFICAÇÃO, GRUPO, TECNICO, INVESTIGAÇÃO, ESTABELECIMENTO, DIRETRIZ, COMBATE, DOENÇA TRANSMISSIVEL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, MEDIDA PREVENTIVA, IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, PROPAGAÇÃO, DOENÇA.

           O SR. MARCOS GUERRA (PSDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, será que o Brasil conhece “aquele tipo de uma raça que, entre as formadoras de nossa nacionalidade, se perpetua a vegetar de cócoras, incapaz de evolução e impenetrável ao progresso?”

           Essa pergunta foi feita por Rui Barbosa, em um discurso que se tornou célebre. Referia-se a Jeca Tatu, o personagem criado por Monteiro Lobato para caracterizar o caboclo brasileiro, o matuto - aquele indivíduo que parece ser indolente, preguiçoso, desinteressado de tudo o que o rodeia.

           Na verdade, Jeca Tatu - como o retratou Lobato, e Rui o imortalizou, representa o brasileiro sem instrução e sem cultura, subnutrido, atormentado por mil mazelas físicas e morais, ameaçado por endemias e epidemias, às vezes causadas pela própria ignorância: doença de Chagas, esquistossomose, tuberculose, lepra, opilação, malária, febre amarela, dengue, cólera, e tantas outras, que periodicamente retornam às manchetes dos noticiários e assustam a população.

           Depois de algum tempo, o número de mortos diminui, as notícias são esquecidas, e as pessoas continuam suas vidas, até que um novo surto se manifeste.

           Com a migração dos caboclos para as periferias urbanas, com toda a bagagem de poucos bens e muitas misérias, as doenças “da roça” passaram a ameaçar também as camadas socioeconômicas mais altas. Hoje em dia, estamos todos expostos às doenças contagiosas, Senhor Presidente, pois os agentes transmissores não fazem distinção entre as classes sociais e econômicas.

           Ao menos por isso, Srªs e Srs. Senadores, é preciso que as providências necessárias ao controle e, se possível, à erradicação desses males sejam tomadas. Para tanto, devemos identificar primeiro os responsáveis.

           Sr. Presidente, enquanto a sociedade brasileira esteve dominada por uma economia agroexportadora, com base na monocultura cafeeira, o que se exigia do sistema de saúde era, principalmente, uma política de saneamento, destinada aos espaços de circulação das mercadorias exportáveis e à erradicação ou controle das doenças.

           Por essa razão, desde o final do século XIX até o início da década de 60, no século passado, predominou a estratégia das campanhas sanitárias. Popularizou-se a figura do agente de saúde, logo apelidado de “mata-mosquito” pela população urbana.

           Gradualmente, após o controle das epidemias nas grandes cidades, o modelo campanhista deslocou sua ação para o campo, tendo como foco o combate às chamadas endemias rurais. Naquela época, a principal atividade econômica era a agricultura.

           Permitam-me, nobres Srªs e Srs. Senadores, uma breve síntese da questão. Desde a 2ª Guerra Mundial, foram criadas, no Brasil, três instituições bastante eficazes contra as endemias e pandemias que assolavam o nosso território: a Campanha Nacional da Malária, o Departamento Nacional de Endemias Rurais e o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP). Todas essas organizações buscaram desempenhar-se de suas tarefas, de forma satisfatória.

           Com o tempo, as duas primeiras foram reunidas na SUCAM (Superintendência das Campanhas de Saúde Pública), e o SESP, transformado na Fundação Nacional de Saúde Pública. Segundo as pesquisas que efetuei, estas duas novas organizações mantiveram o mesmo padrão de eficácia das anteriores, em benefício das populações interioranas. Finalmente, essas últimas entidades sanitárias foram integradas na Fundação Nacional de Saúde.

           O Jornal de Medicina, na edição de janeiro de 2000, sob o título “Epidemias - elas estão de volta”, informa que a Fundação Nacional de Saúde estava “fadada a ser o túmulo da saúde pública brasileira, já que foi submetida a um processo de sucateamento, degradação e desestímulo funcional. Posteriormente, as tarefas que lhe competiam foram repassadas aos municípios, ainda que esses se mostrassem incapazes de realizá-las”. Tudo isto, Srªs e Srs. Senadores, ocorreu no Governo Collor.

           Sr. Presidente, nobres Colegas, talvez V. Exªs estejam se perguntando por que motivo, em vez de discutir aspectos relacionados ao mundo do trabalho, estou abordando este tema de saúde pública.

           Assim que tomei posse nesta Casa, recebi um ofício do Presidente da Câmara Municipal de Colatina (ES), Genivaldo José Lievore, encaminhando-me um Requerimento, de autoria do Vereador Luiz Antônio Murad, aprovado em sessão ordinária, no qual eram solicitadas as necessárias gestões para a “reativação da SUCAM da Fundação Nacional de Saúde”.

           Naquele documento, o Vereador esclarece “que tal solicitação objetiva combater eficazmente as Endemias e Epidemias que estão sempre voltando, como Malária, Tifo, Dengue, Febre Amarela, pois a política de saúde de muitos pequenos e médios municípios deixa a desejar, e bem sabemos que os insetos desconhecem fronteiras de Estados e Municípios”.

           Na seqüência, Srªs e Srs. Senadores, enviei ofício ao Exmº Ministro da Saúde, Humberto Sérgio Costa Lima, encarecendo-lhe o obséquio de verificar a possibilidade de reativação daquela Superintendência, já que as políticas de saúde adotadas em municípios adjacentes diferem sobremaneira, necessitando, portanto, de uma coordenação atuante, para um combate efetivo a esses males que castigam a população.

           Fui informado, posteriormente, que o último documento foi encaminhado à Secretaria de Vigilância em Saúde - SUS, vinculada ao Ministério da Saúde, em cujo âmbito o assunto se insere.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa última tramitação do pedido me trouxe a quase certeza de que fechou-se o circuito, e nenhuma decisão será tomada.

           Recentemente, tive em minhas mãos o Relatório Final da Primeira Conferência Nacional de Vigilância Sanitária. Entre as deliberações, constam:

           “b) - incluir a participação do Município na formulação de políticas e na execução de ações de Vigilância Sanitária realizadas, em seu território, por outros níveis de governo, com atenção às prioridades e características locais, e a elaboração de projetos a partir de demandas da comunidade; e

           c) - a descentralização deve garantir que sejam realizadas ações de Vigilância Sanitária em todos os municípios, de forma compatível com o nível de gestão (...), efetivando a Vigilância Sanitária no contexto do SUS;”

           Srªs e Srs. Senadores, sem orientação técnica e com poucos recursos, como irão os pequenos municípios do interior enfrentar endemias e epidemias? Tuberculose, sarampo, dengue, malária, cólera, hanseníase, embora pareçam enfermidades do passado, têm feito milhares de vítimas a cada ano no Brasil.

           Nunca conseguimos erradicar totalmente a febre amarela. E mais, Srªs e Srs. Senadores, o mosquito transmissor da dengue - o Aedes Aegypti - é também o vetor responsável por transformar a febre amarela silvestre em urbana. Mas, enquanto a febre amarela é uma ameaça, a tuberculose já está disseminada pelo Brasil e pelo planeta. Havia um falso mito de que era uma doença do passado; na verdade, o mundo vive uma pandemia de tuberculose. 22 países concentram 80% dos casos de tuberculose; o Brasil, entre eles, ocupa o quinto lugar em número de casos notificados. Aqui, a tuberculose nunca chegou a ser controlada e continua sendo um problema de saúde pública.

           O mesmo ocorre com a hanseníase ou lepra, que está diretamente associada à pobreza e a falta de higiene, com a meningite e com o cólera. Entretanto, Sr. Presidente, por que as doenças voltam?

           Na opinião do Conselho Federal de Medicina, vários fatores contribuem para o reaparecimento das doenças, que é inversamente proporcional aos investimentos na área da Saúde. Dentre eles, destaca-se o abandono das medidas de prevenção e controle.

           Sabe-se que a Fundação Nacional de Saúde vem se organizando, há algum tempo, para enfrentar esses problemas, inclusive ampliando as campanhas de vacinação, montando uma coordenação específica para tratar de doenças antigas e novas, encaminhando técnicos ao exterior para treinamento. Essas providências devem resultar na criação de uma equipe de epidemiologistas em reais condições de investigar as doenças e estabelecer as diretrizes para combatê-las.

           Ocorre, no entanto, nobres Srªs e Srs. Senadores, que a saúde e a vida de milhões de brasileiros estão em perigo. E não são somente as populações pobres ou as do campo. Todos os brasileiros estão em risco! A humanidade está em risco, Sr. Presidente! Na última epidemia de sarampo, por exemplo, o vírus veio da Itália para São Paulo. A economia globalizada estimulou os movimentos migratórios. Com isso, aboliram-se as fronteiras também para as doenças.

           Segundo os especialistas, porém, a principal causa é o desequilíbrio da natureza, resultante da derrubada das matas e da invasão das áreas onde vivem animais e mosquitos.

           Em termos da competência do Poder Legislativo nesta questão, Sr. Presidente, é preciso discutir o financiamento da saúde. A Inglaterra, que tem uma população três vezes menor que a nossa, investe dez vezes mais nessa área. E em saúde, Srªs e Srs. Senadores, como em tudo na vida, é melhor prevenir que remediar.

           Para evitar o ressurgimento e o recrudescimento dessas doenças, são imprescindíveis as ações de prevenção, porque, quando uma doença encontra as condições sociais e se instala, fica muito mais difícil a sua erradicação. E infelizmente, em nosso País, existem as condições propícias a essas moléstias, em razão do baixo nível de qualidade de vida da maioria do povo brasileiro.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que o Congresso define os parâmetros para a elaboração do Orçamento, precisamos considerar que, como ouvi outro dia, de um prefeito capixaba, os brasileiros estão morrendo por descaso das autoridades da área de saúde pública.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/2004 - Página 23818