Discurso durante a 105ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Vazamento de informações que dizem respeito ao Governo Federal. Necessidade de alterações na proposta da nova lei geral do audiovisual.

Autor
Heráclito Fortes (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. TELECOMUNICAÇÃO. POLITICA CULTURAL.:
  • Vazamento de informações que dizem respeito ao Governo Federal. Necessidade de alterações na proposta da nova lei geral do audiovisual.
Aparteantes
Antero Paes de Barros.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/2004 - Página 25066
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. TELECOMUNICAÇÃO. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, PLENARIO, BANCADA, APOIO, GOVERNO.
  • COMENTARIO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), REMESSA DE VALORES, EXTERIOR, DIVULGAÇÃO, DECLARAÇÃO, IMPOSTO DE RENDA, ACUSAÇÃO, INICIATIVA, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, GOVERNO.
  • SUGESTÃO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), INVESTIGAÇÃO, QUEBRA DE SIGILO, SUSPEIÇÃO, ORADOR, CONFLITO, DIVISÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • CRITICA, AUTORITARISMO, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, AGENCIA NACIONAL, CINEMA, AUDIOVISUAL, FRUSTRAÇÃO, CLASSE, ARTISTA, INTELECTUAL, CENSURA, DESRESPEITO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, COMENTARIO, DECLARAÇÃO, SETOR, CULTURA.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a tranqüilidade desta sexta-feira, que mais parece um sábado, causa-nos constrangimento em abordar determinados temas - já que se tornou praxe o Governo não estar aqui representado, inclusive para ajudar na elucidação de alguns fatos -, mas o País, principalmente o Congresso, que é a caixa de ressonância da Nação, não pode parar pela omissão dos que têm responsabilidade com o Governo do País.

Trago à tribuna alguns temas e pretendo fazê-lo rapidamente. O primeiro deles diz respeito ao envolvimento do Dr. Henrique Meirelles nessa questão da remessa de recursos pessoais por intermédio de doleiros ou de bancos e à tentativa do Governo de querer colocar a carga dessa denúncia nas costas da Oposição. Essa é a maneira mais cômoda, Sr. Presidente.

Lamento que o Presidente Lula não tenha acordado ainda para o fato de que o fogo inimigo - amigo em um caso, inimigo no outro - nasce dentro do Palácio. Por exemplo, quanto ao fato relativo ao Dr. Meirelles, o Presidente da CPI do Banestado, Senador Antero Paes de Barros, levantou ontem uma questão fundamental: a declaração de Imposto de Renda do Dr. Meirelles não está na Comissão, nem teria razão para estar. Em momento algum, foi requisitada por alguém. E o Governo precisa se conscientizar de que não interessa à Oposição a saída ou a subida do Dr. Meirelles, porque temos a certeza de que a substituição será para pior, e não somos como a Oposição de recentemente, que pregava o “quanto pior, melhor”.

É preciso que o Governo - que recentemente nomeou para o cargo de Diretor-Geral da Abin um homem moderno, cheio de bossa, que fala bem e é muito experiente - coloque os seus serviços para descobrir a origem dos vazamentos de informação. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa brincadeira começou naquele passeio inocente do cachorrinho da Primeira-Dama do Palácio da Alvorada para a Granja do Torto. Quem viu o cachorro sair do Alvorada? Foi a Oposição? A Oposição tem acesso? Não. Quando o carro chegou às proximidades da Granja do Torto, os fotógrafos já estavam prevenidos de que chegaria uma kombi trazendo o cachorro de estimação da Primeira-Dama, que foi punido, mandado para o exílio em São Paulo, porque não podia mais criar constrangimento ao Presidente da República.

Houve também o episódio da famosa estrela no jardim do Palácio - uma estrela inocente, colocada no jardim talvez por algum puxa-saco que tivesse acesso à arte da jardinagem -, e a Oposição foi colocada como suspeita. Somente via satélite, Senador Antero Barros, alguém teria condições de ver a estrela naquele local. Aquela estrela só foi vista pelos que têm acesso ao Palácio. É muito fácil colocar a culpa na Oposição.

Agora, foi apresentada a justificativa do Dr. Meirelles, mas é bom lembrar que o Governo - o Governo puro do PT, que não admite mistura -, desde o começo, olhou enviesado para o Dr. Meirelles e vem sistematicamente criando crises para o Presidente do Banco Central. Aliás, o Dr. Casseb deu uma declaração e reconheceu que os queimadores do seu nome eram exatamente do núcleo do Partido. Trata-se de uma divergência interna.

O Governo tem várias divisões: os que foram da Previ, os que têm acesso à Previ, os que são amigos da Previ, os que são amigos de Lula, os exilados... Há guetos que se digladiam entre si. Não vamos longe: a própria denúncia do caso Waldomiro nasceu do Governo, de gabinetes próximos que não se cheiravam bem.

Daí, Sr. Presidente, a grande frustração da Oposição brasileira. Estamos nesta Casa há um ano e sete ou oito meses, e não tivemos ainda o prazer mórbido da Oposição de criar uma crise para o Governo, porque o próprio Governo cria todas as crises. Basta enumerar, por meio dos jornais brasileiros, as crises que o Governo enfrentou ao longo deste tempo e examinar se alguma delas se originou da cabeça privilegiada de algum líder oposicionista.

Sr. Presidente, o Governo vem mostrando, pouco a pouco, para o que veio e o que quer. Jornais ontem trouxeram, com estardalhaço, mais um vazamento de informações provindo de dentro do Governo, acerca do que se propunha com relação à famosa Ancinav - uma agência mais parecida com uma Gestapo cultural, que frustrou todo o meio artístico brasileiro, os intelectuais, por ser, acima de tudo, um órgão de censura, de cerceamento das liberdades culturais.

Assistimos, por exemplo, à indignação de uma das pessoas mais respeitáveis deste País, a historiadora Lúcia Hippólito, que se diz assustada com o teor do anteprojeto da lei geral do audiovisual:

Isso faz parte de um projeto político. Começa com as regras para patrocínio cultural, depois a tentativa de expulsar o jornalista americano, depois passa pelo banco estatal contribuindo para a construção da nova sede do PT, em seguida tem o processo de aparelhamento do Estado, com gente do PT e dos sindicatos. Agora, você tem esse projeto de controle do pensamento, das atividades culturais. Isso tem nome, é stalinismo, é delírio stalinista. O que me espanta é a cerimônia que os atuais donos do Poder têm com a democracia. Parece que eles conhecem a democracia vista, eles não foram apresentados direito para ela. Esta é uma proposta totalitária.

Há declarações oriundas dos mais diversos setores da cultura brasileira. No jornal de hoje, o caso continua repercutindo, e há inclusive um artigo de Cacá Diegues, intitulado “Um desastre conceitual e técnico”.

Sr. Presidente, um Partido com a origem do PT, que combateu a Lei da Mordaça, que pregou a liberdade e defendeu-a, até com brilhantismo, durante 20 anos, tinha o dever e a obrigação de tomar providências enérgicas pelo simples fato de alguém ter pensado e feito um esboço de um anteprojeto com esse teor, com essa natureza. No meu entender, a grande vítima disso tudo é o Ministro Gilberto Gil, que não participou da reunião. Pela sua pureza, pelas intenções demonstradas ao longo da vida, S. Exª deve ter sido pego de surpresa tanto quanto nós, que tivemos acesso pela imprensa. E não para aí: ontem mesmo anunciou, Senador Antero Paes, um projeto para a regulamentação da carreira de jornalista, o que tanto combateu num passado recente. Aonde querem chegar?

É lamentável que esses fatos aconteçam no justo momento em que o Brasil vai começar a assistir, no meu modo de ver, ao melhor filme já produzido em toda a história do cinema brasileiro, que é esse filme que tem como fundo a vida da então jovem Olga Benário, dirigido por Jayme Monjardim. Esse filme tem sua história construída exatamente nas atrocidades de uma ditadura. Pois no justo momento da sua apresentação Brasil afora é que se propõe essa lei da mordaça à cultura brasileira.

Com muito prazer, concedo um aparte ao Senador Antero Paes de Barros.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Senador Heráclito Fortes, quero cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento. V. Exª, como eu, membro e assíduo freqüentador da CPMI do Banestado, sabe que, desde o início da CPMI, foram mais de 1.300 requerimentos e que em nenhum deles há o pedido de convocação do Sr. Henrique Meirelles ou de quebra de seu sigilo fiscal. Já tive oportunidade de dizer isso ontem aqui. Embora tenha uma posição consolidada, ainda que possa ser uma opinião minoritária, mas é a minha convicção pessoal, independentemente desse de ontem, os fatos anteriormente divulgados são graves para alguém que ostenta a condição de Presidente do Banco Central. Mas quero cumprimentá-lo porque V. Exª traz à tona hoje um assunto importante, que mostra o viés autoritário deste Governo. O Governo quer criar um conselho de jornalistas. Na verdade, o que o Governo quer é criar um conselho de petistas para punir jornalistas, é a reintrodução da censura, é a violência ao art. 220 e seus parágrafos da Constituição. A Constituição que ajudamos a escrever não admite o retorno da censura. Então, isso tudo vem num mesmo dia. Ora, se o Governo não concorda com uma obra, que dê condições para que se publiquem outras, para que se façam outros filmes, mas não deve vetar aquele filme que é proposto por um determinado segmento, por um determinado pensamento da sociedade. Não tem porque o grupo que está no poder tentar estabelecer a sua ideologia da dominação, para impor o modus comportamental à sociedade brasileira. O Governo do PT quer fazer o dirigismo cultural, quer acabar com o Ministério Público, dirigir o Ministério Público, que o Ministério Público seja um apêndice do Poder Executivo - e uma das maiores conquistas da sociedade foi a independência e a autonomia do Ministério Público -, e quer, agora, ameaçar a imprensa livre. Isso não faz bem para o Governo do PT. Está fácil verificar e constatar o diagnóstico do Governo do PT. Diminuindo as atribuições do Ministério Público, fazendo um dirigismo cultural para controlar as mentes, estabelecendo uma forma de o Governo controlar os jornalistas e descaracterizando a Oposição, não terá defeito o Governo do PT. Já vimos essa democracia com os militares. O Presidente Lula, pela sua história e pela sua biografia, podia parar de imitar os militares. Uma comparação seria injustiça para com Stalin, pois Stalin fez o que fez acreditando numa causa, mas este Governo não tem causa. Então, essas coisas, na minha avaliação, são um retrocesso enorme do Governo brasileiro. Parabéns a V. Exª por trazer esses temas tão caros à democracia brasileira. O Governo precisa entender definitivamente - e sei que os governantes lêem - o ensinamento de Rosa Luxemburgo: os problemas da democracia só se resolvem com mais democracia; jamais serão resolvidos com menos democracia. Parabéns a V. Exª.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI) - Agradeço o aparte. V. Exª abordou um tema, com relação à CPMI de que participamos e tão brilhantemente presidida por V. Exª, que demonstra um pouco da intenção maldosa de setores do Governo de jogar uns contra os outros. Já não se pratica isso mais somente dentro do âmbito do Executivo, mas quer-se fazer isso também no Legislativo, Sr. Presidente, quando se passa para a imprensa a informação de que a CPMI elaborou um documento de 50 páginas sobre a questão do Presidente do Banco Central. Confesso que em nenhum momento ouvi, a não ser em referências passageiras, nenhuma citação ao Presidente do Banco Central do Brasil naquela Comissão de Inquérito.

Ora, a partir do momento em que se pinça essa informação, está-se tentando fazer um jogo de intrigas dentro da Comissão, porque quem faz relatório é o Relator, que é o Deputado José Mentor, que em momento algum leu esse relatório na Comissão. Cuidadoso como é, tenho certeza de que S. Exª não permitiria que um fato dessa natureza ganhasse esse corpo sem dividir a responsabilidade com a Comissão.

Não sei a quem interessa envolver esse episódio do Meirelles e a Comissão. Não tem nada a ver. Acho até que a partir de agora, Sr. Presidente, a Comissão passa a ter motivos que justifiquem a convocação do Presidente do Banco Central, pois até então ela não tinha. Ele nunca foi objeto de preocupação daquela Comissão. É bom que isso fique bem claro e que o Governo, de uma maneira serena, examine quem são os autores do “vazódromo” que acontece hoje dentro do Governo. É um duto de vazamentos de uns disputando com outros em véspera de eleição.

Se eu não conhecesse a história do PT e não continuasse a julgá-lo um partido ético, eu diria que as intenções eram bem outras, muito parecidas, Senador Antero, com as do Governo Collor. A “futricalhada” começou exatamente assim. É só pegar os jornais da época para ver que o pano de fundo era o falecido PC Farias. Mas não quero dizer isso. Estamos em vésperas de eleições e é preciso se ter muito cuidado com o que está acontecendo.

Senador Antero Paes de Barros, essa questão do cerceamento da liberdade cultural, feita através desses conselhos, é uma iniciativa intervencionista que se assemelha à censura que se fez durante a revolução de 64, quando se obrigava os jornais tradicionais a trocarem matérias por hinos, por receitas de bolo. Aprovando a proposta como está aqui, não faltará um cumpridor de ordem não dada que extrapole nas suas decisões. Imaginem os senhores toda a atividade cultural brasileira ficar limitada a esse tipo de aprovação, e só Deus sabe como.

V. Exª citou um fato que nos remete a um passado não tão distante. Acho que o Presidente Geisel foi bem mais democrático naquele famoso episódio do filme “Pra Frente Brasil”, na época em que a Embrafilme era presidida pelo hoje Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. Houve muita confusão, foi demitido o Sr. Celso Amorim, mas a obra foi preservada.

Como está posto aqui, jamais um filme daquela natureza seria rodado. Daí para se rever a censura livre é um passo. Para que isso? Trata-se de uma decisão exatamente de um Partido que, em determinado momento, se voltou contra a lei da mordaça.

Sei do que se trata, Senador Antero. Ontem, numa dessas conversas informais, ouvi de um importante líder do PT na Câmara que era preciso colocar um freio nas televisões. A preocupação aqui - atentem bem - é exatamente com relação às televisões. Nas entrelinhas, disseram-me - e não somos burros; esta Casa tem tudo menos burros - que por causa de uma televisão o Lula perdeu a eleição para o Collor e que se deveria colocar um freio nesse poderio absoluto.

Esse é um projeto que tem endereço certo. O que falta é coragem para o Governo assumir as suas diferenças e não vir pelas beiradas para atingir esse objetivo. É muito fácil: é só ver quem produz cinema no Brasil e onde se quer chegar. É preciso que se enfrente.

Recentemente, Senador Antero Paes de Barros, houve um processo muito parecido, demonstrando a vocação absolutista do Governo. Chamaram os proprietários de televisão no Brasil para abrir uma linha de crédito para resolver algumas questões pendentes envolvendo as emissoras de televisão. Passou-se mais de um ano, houve mais de vinte reuniões com o primeiro escalão e mais de setenta com o segundo. Os próprios donos de televisão, mais enfraquecidos que estavam no começo, desistiram porque viram que era um engodo e que nada ocorreria.

Trago esse assunto nesta sexta-feira para reflexão de todos. O simples fato da iniciativa, do esboço é estarrecedor. Amanhã aparecerão os desmentidos, o disse-não-disse. Dirão que a culpa é de um funcionário, mas não interessa. O Governo reuniu-se em duas oportunidades para discutir esse fato. Na primeira vez, quando não era do conhecimento público, a reunião ocorreu tranqüilamente. A segunda, quando já do misterioso vazamento - segundo eles próprios -, foi a fase do desmentido. É lamentável que isso ocorra.

Este é o momento em que todos devemos ter o cuidado de não concordar com isso. O PT pode conseguir um poder absoluto agora, mas esse poder não será eterno. Esse modelo não serve hoje, amanhã e nunca, porque lutamos muito - inclusive com o PT comandando, nas praças brasileiras - pelo reencontro com o caminho da democracia. Não será com o nosso apoio que essa volta ao poder absoluto se fará. Ela virá exatamente na mão do PT!

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/2004 - Página 25066