Discurso durante a 104ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogios ao filme sobre a vida de Olga Benário Prestes, do diretor Jaime Monjardim.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL. HOMENAGEM.:
  • Elogios ao filme sobre a vida de Olga Benário Prestes, do diretor Jaime Monjardim.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2004 - Página 25000
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • ELOGIO, IMPORTANCIA, FILME NACIONAL, DESCRIÇÃO, HISTORIA, VIDA, MULHER, LUIS CARLOS PRESTES, VULTO HISTORICO, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB).
  • ELOGIO, TRABALHO, DIRETOR, FILME NACIONAL.
  • PROPOSIÇÃO, SENADOR, ANALISE, POSSIBILIDADE, ALTERAÇÃO, DENOMINAÇÃO, SETOR, SENADO, HOMENAGEM, FILINTO MULLER, EX PRESIDENTE.
  • SAUDAÇÃO, GERSON CAMATA, SENADOR, RETORNO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, SENADO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador João Ribeiro, Srªs e Srs. Senadores, ainda na semana passada, falei do filme brasileiro “Pelé Eterno”, que tanto me comoveu. Que bom que o cinema brasileiro esteja produzindo filmes de tão boa qualidade!

Sr. Presidente, tive ontem a oportunidade de assistir à estréia do filme “Olga”, do diretor Jaime Monjardim, baseado na obra do escritor e jornalista Fernando Morais e que apresenta a história verdadeira da judia-alemã Olga Benário Prestes, que nasceu em 1908, na Alemanha, e faleceu em 1942, sofrendo barbaridades em diversos campos de concentração do regime nazista de Adolf Hitler.

Olga tornou-se militante do Partido Comunista ainda jovem. Foi perseguida pela polícia na Alemanha e fugiu para Moscou de trem, onde passou por treinamento militar. Foi encarregada pelos dirigentes do Partido Comunista da União Soviética de acompanhar Luiz Carlos Prestes, Secretário-Geral do Partido Comunista no Brasil, que voltava ao País secretamente após o movimento político-militar denominado Coluna Prestes.

Enquanto estudava, Olga Benário fazia seu treinamento militar. Certo dia, ouviu a história desse brasileiro que havia seguido com uma coluna de oficiais militares jovens, percorrendo enorme parte do território brasileiro, quase 25.000 quilômetros. Ela disse que esse percurso significava ir e voltar de Berlim a Moscou dez vezes a pé. Considerou extraordinário o feito desse homem. Dada a fibra, a determinação, a disciplina de Olga Benário, os dirigentes do Partido Comunista da União Soviética resolveram atribuir-lhe a missão de acompanhar Luiz Carlos Prestes ao Brasil, onde ela proveria a segurança dele.

Ao voltar ao Brasil, para não serem notados, eles passaram por diversos lugares, inclusive pelos Estados Unidos. Comportavam-se como se fossem um casal de milionários, viajando de navio e de avião. Não sendo casados, mas viajando juntos, eles acabaram se conhecendo melhor durante a viagem e passaram a ter uma tal afinidade que se apaixonaram um pelo outro.

Luiz Carlos Prestes voltava ao Brasil justamente com o intuito de liderar uma revolução de caráter marxista pelo Partido Comunista. Todavia, em decorrência de diversos atropelos por ocasião da Revolta do Forte de Copacabana, seguida da revolta que ocorrera em Natal, no Rio Grande do Norte, Olga Benário foi presa juntamente com Luiz Carlos Prestes. Nessa ocasião, Olga estava grávida de sete meses. Foi deportada pelo Governo Vargas para a Alemanha nazista, e a sua filha, Anita Leocádia, nasceu na prisão. Os nazistas, muito rigorosos com Olga, disseram que não poderiam permitir que ela ficasse junto com a filha no campo de concentração, a não ser durante o período de amamentação. Terminado o tempo em que Olga tinha leite -- Anita Leocádia já estava quase que com dois anos --, ela foi separada da filha, que foi entregue à mãe de Luiz Carlos Prestes.

Quero, primeiro, dizer quão importante é podermos assistir a esse filme, apreciá-lo, porque retrata um momento extremamente importante da História brasileira.

Quero elogiar o trabalho fantástico de Fernando Morais, que teve a capacidade de contar essa história de maneira maravilhosa. O livro dele tem sido um grande sucesso desde a publicação. Agora, com o filme Olga, haverá um número muito grande de pessoas que terão interesse em ler esse livro.

            Quero também elogiar o trabalho do diretor Jayme Monjardim, filho de Maísa Monjardim e André Matarazzo, meu tio. Portanto, Jayme Monjardim é meu primo irmão, mas não se trata simplesmente de um pronunciamento para elogiar uma pessoa da família. Jayme Monjardim tem qualidades fantásticas e tem feito novelas belíssimas na TV Manchete, na TV Globo e em outras emissoras. Ele está preparando uma nova novela, que será exibida às 20 horas na TV Globo. Refiro-me à novela América, tema muito importante, porque fala da migração dos povos das Américas, baseado numa novela de autoria de Glória Peres.

Nesse filme, Jayme Monjardim mostra o seu talento, a sua delicadeza, contando de maneira tão bela a história de Olga Benário, apresentada pela belíssima Camila Morgado. Luiz Carlos Prestes, é muito bem apresentado por Caco Ciocler. Leocádia Prestes, mãe de Luiz Carlos Prestes, é apresentada de maneira simplesmente brilhante pela maior atriz brasileira do teatro e do cinema, que é Fernanda Montenegro. Sarah, amiga de Olga na prisão, no campo de concentração Ravensbrück, apresentada por Jandira Martini. Elise Ewert, que tem o apelido de Sabo, outra amiga de Olga Benário, é apresentada por Renata Jesion. Hannah, outra companheira de Olga, é apresentada por Milena Toscano. Arthur Ewert, um líder do Partido Comunista Alemão, é apresentado por Werner Schünemann. Otto Braun é apresentado por Guilherme Weber. Getúlio Vargas, muito bem apresentado pelo ator Osmar Prado, e Filinto Müller é apresentado por Floriano Peixoto.

Ora, Filinto Müller foi justamente o chefe da polícia do Distrito Federal, o mais poderoso de todos os Ministros de Getúlio Vargas, e teve um desempenho pessoal na captura de Luiz Carlos Prestes, de quem havia sido companheiro na chamada Coluna Prestes e com quem tinha uma diferença muito grande. Todavia, saiu de lá, segundo a história, abandonando-a, levando armas e dinheiro. O diretor de fotografia é Ricardo della Rosa. A roteirista e produtora é Rita Buzzar.

Quero aqui cumprimentar todo o elenco desse maravilhoso filme, certamente um dos melhores. Acredito que participará nos principais festivais de cinema no Brasil, na Europa, nos Estados Unidos.

Uma coisa me impressionou, além da bonita história de Olga e de Luiz Carlos Prestes. Nunca avaliei que fosse adequado tomar um caminho semelhante ao que tomou Luiz Carlos Prestes ou Olga Benário, ou seja, promover uma revolução com uso de armas, porque firmemente acredito na possibilidade de transformar a injusta realidade brasileira por meios democráticos e aprofundar a democracia para que todas as pessoas no Brasil venham a ter direitos plenos à cidadania. Então não será necessário chegarmos a uma situação como aquela em que ambos se envolveram. Porém, é preciso ressaltar que eles tiveram uma vontade firme de construir a paz neste mundo com base na realização de justiça, o que é algo formidável. Senadores Mozarildo Cavalcanti e Álvaro Dias, recomendo que assistam ao filme -- estávamos lá três Senadores, eu, Arthur Virgílio e Heráclito Fortes. Por que ele mexe tanto com quem o assiste? É porque ali está muito bem retratado o personagem Filinto Müller. E sabem o que aconteceu ao longo do filme, a partir dos momentos em que ele comanda a operação da prisão de Luiz Carlos Prestes e de Olga? Tem início um processo em que ele pessoalmente conduz o procedimento de tortura dos membros do Partido Comunista, incluindo Olga, para saber onde estava Luiz Carlos Prestes e, depois, sua companheira Olga.

O SR. PRESIDENTE (João Ribeiro - PFL - TO) - Senador Eduardo Suplicy, permita-me interrompê-lo por trinta segundos para cumprimentar o Senador Gerson Camata...

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT- SP) - É o que eu ia fazer.

O SR. PRESIDENTE (João Ribeiro. PFL - TO) -...que retorna hoje à Casa, após uma licença para tratar de interesses particulares. S. Exª, com certeza, com sua experiência, faz muita falta ao Senado Federal, embora seu suplente tenha sido um excelente Senador nesse período.

Portanto, damos as boas-vindas ao Senador Gerson Camata.

O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES) - Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (João Ribeiro. PFL - TO) - Retorno a palavra ao Senador Suplicy.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT- SP) - Sr. Presidente, também quero dar as boas-vindas ao Senador Gerson Camata e convidá-lo a fazer a seguinte reflexão: no Senado Federal, existe a Ala Filinto Müller. Será que não deveria haver uma mudança no nome dessa ala? Conversei a respeito disso com os Senadores Arthur Virgílio e Heráclito Fortes. Será que não seria mais adequado homenagearmos, se for o caso de homenagearmos ex-Senadores... Estou consciente de que o Senador Filinto Müller, eleito pelo povo do Mato Grosso, foi Presidente desta Casa de 1973 a 1975 e acabou falecendo num desastre de avião.

Faço uma reflexão, com o maior respeito por todos os descendentes e parentes de Filinto Muller, se, depois de ser relembrado nessas cenas de “Olga” - se é que o livro de Fernando Morais e o filme de Jaime Monjardim realmente expressaram toda a verdade -, será que o Senado Federal deveria homenageá-lo com uma ala? É essa a pergunta que faço. Pensei, inclusive, na hipótese de apresentar um projeto de resolução, propondo uma mudança. Todavia, quando estava considerando fazê-lo, observei que, em 18 de setembro de 2003, por iniciativa do Senador Sérgio Cabral, foi apresentado um projeto de resolução justamente para alterar a denominação da Ala Filinto Müller para Ala Nelson Carneiro.

Diz o projeto:

Nos inúmeros mandatos que exerceu como representante do então Estado de Mato Grosso, Filinto Müller conquistou a amizade e a admiração de senadores e deputados de todas as bancadas, inclusive das que se opunham ao seu partido. Exercendo uma liderança incontestada, presidiu o Senado com reconhecida correção, quer política quer administrativamente.

Quanto ao seu passado nos acontecimentos que ingressaram na história de nosso País, o Senador Filinto Müller muitas vezes confidenciou a amigos e colegas que as versões predominantes não correspondiam aos fatos acontecidos. No correr da longa convivência com o Senador Filinto Müller, os senadores seus colegas deram crédito às suas palavras, avalizadas pela correção, lealdade e cavalheirismo das suas atitudes pessoais. Por isto mesmo, sua trágica morte foi sinceramente sentida no Senado e na Câmara, em cujos plenários e salões ainda paira a lembrança saudosa de um político (...)

Por causa disso, o Senador Heráclito Fortes acabou dando um parecer contrário, enquanto que o Senador Sérgio Cabral, na sua proposta, dizia:

O Senado da República, que constitui uma das Casas do Congresso Nacional, é o templo da democracia e das liberdades públicas. Como órgão máximo do exercício da democracia, não pode ter uma de suas mais importantes Alas denominada “Ala Filinto Muller”, um inimigo histórico das práticas democráticas.

Enumerou, então, uma série de atitudes e posições atribuídas ao falecido Senador Filinto Müller, que, tendo todo esse caráter desabonador de sua presença da vida pública brasileira, não estaria credenciado a continuar sendo objeto de tal homenagem.

Ora, aqui estão algumas reflexões. Os membros da Mesa, levando em conta o relatório do Senador Edison Lobão, deram parecer contrário ao projeto do Senador Sérgio Cabral na Comissão de Educação e na Mesa.

Faço aqui uma proposição: que os Senadores assistam ao filme “Olga” e, depois, estudem bem se aquilo que está retratado foi de fato ou não verdade. O sentimento das inúmeras pessoas que estavam no cinema é o que me veio à mente. Como pode o Senado Federal homenagear, ainda que tenha sido Presidente do Senado, o Senador Filinto Müller, tendo em vista o que estava ali retratado?

Certamente, o projeto de resolução do Senador Heráclito Fortes ainda deverá ser apreciado por esta Casa. Apenas solicito a todos os Senadores que se informem muito bem antes da decisão que irão tomar.

Para concluir o meu pronunciamento, Sr. Presidente, gostaria de ler a carta tão bela de Olga, a última carta que escreveu a Luís Carlos Prestes e à filha, ainda em Ravensbrück, na noite da viagem de ônibus para Bernburg, onde ela acabou sendo morta na câmara de gás pelo regime nazista.

Diz Olga na sua última carta:

Queridos:

Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte.

Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ia, mesmo se não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?

Querida Anita, meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão por que se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã.

Beijos pela última vez,

Olga.

Meus caros Senadores, gostaria que a memória dessa mulher pudesse ser pensada e sentida no Senado Federal. Será que deveria mesmo esta Casa continuar homenageando a pessoa responsável pela prisão, pela perseguição e, em conseqüência, pelo sacrifício final de uma mulher que acreditava com tanta força e sinceridade? Ela pode ter até cometido erros, mas na construção de um mundo mais justo.

Avalio que o Projeto de Resolução do Senador Sérgio Cabral deve ser, pelo menos, seriamente - e muito seriamente - considerado.

Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (João Ribeiro. PFL - TO) - Senador Eduardo Suplicy, apenas para registro nos Anais desta Casa, o ex-Senador Filinto Müller faleceu na França, no Aeroporto de Orly, no dia 11 de julho de 1973, exatamente no recesso parlamentar.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço a V. Exª pela informação.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2004 - Página 25000