Discurso durante a 108ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Justificativas a projeto de lei de sua autoria sobre anencefalia fetal.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Justificativas a projeto de lei de sua autoria sobre anencefalia fetal.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/2004 - Página 25705
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REGULAMENTAÇÃO, ABORTO, EMBRIÃO, DOENÇA GRAVE, MOTIVO, INEXISTENCIA, TRATAMENTO, PROVOCAÇÃO, MORTE, PERIODO, GRAVIDEZ, RECEM NASCIDO, REGISTRO, OCORRENCIA, DEBATE, LIMINAR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SOLICITAÇÃO, ANEXAÇÃO, ESTUDO TECNICO, CONSULTORIA, SENADO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero hoje abordar um tema que, como médico, já me confrontei várias vezes: a anencefalia de fetos, que faz parte da discussão nacional, inclusive por decisão do Ministro Marco Aurélio.

Estou apresentando hoje um projeto que regulamenta essa questão, dando uma dimensão jurídica e científica ao problema, de maneira que possamos sair do debate filosófico e religioso para entrarmos na questão científica e jurídica.

O debate sobre a interrupção da gestação de fetos anencefálicos instalou-se no País provocado pela recente decisão liminar do ilustre Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, que autoriza a interrupção da gestação quando detectada anencefalia no feto. A decisão atendeu à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).

A anencefalia é uma das alterações na formação do sistema nervoso central resultante da falha, em etapas precoces do desenvolvimento embrionário, do mecanismo de fechamento do tubo neural conhecido como indução dorsal. A mais grave das enfermidades produzido por essa falha, a craniorraquisquise total, resulta invariavelmente na morte fetal precoce, nos primeiros meses da gestação.

A próxima etapa em termos de gravidade da lesão é a anencefalia, que se caracteriza pela ausência dos hemisférios cerebrais e de ossos cranianos (frontal, occipital e parietais). O tronco cerebral e a medula espinhal estão preservados, exceto nos casos em que a anencefalia se acompanha de defeitos no fechamento da coluna vertebral (mielomeningocele).

Nos Estados Unidos, essa doença tem incidência de aproximadamente 0,5 em cada mil nascimentos, com variações regionais significativas. Para o Brasil, a incidência estimada é de 2 por mil nascimentos, segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Há que se ressaltar, contudo, que esses números tendem a cair com a prática da fortificação de determinados alimentos com ácido fólico.

Estudos indicam que aproximadamente três quartos dos fetos acometidos têm morte intra-uterina e um quarto deles nascem vivos. Destes, a imensa maioria morre dentro de 24 horas e o resto, no decorrer da primeira semana. Portanto, estão invariavelmente condenados à morte intra ou extra-uterina precoce, ou logo em seguida.

Atualmente, graças ao uso cada vez mais disseminado da ultra-sonografia obstétrica, é possível diagnosticar a anormalidade ainda no início da gravidez. O desfecho final da gestação - morte do concepto ainda no útero ou logo após o nascimento - já passa a ser conhecido desde o seu início.

Dessa forma, por força da inexistência de qualquer tratamento que possa curar ou, pelo menos, amenizar o problema, as futuras mães são submetidas a um profundo sofrimento psicológico por todo o período gestacional, pois têm a consciência de carregar, em seus ventres, fetos sem qualquer possibilidade de vida extra-uterina.

Além do trauma psíquico, a anencefalia fetal enseja sérios prejuízos à saúde materna, tais como o aumento da incidência de eclâmpsia e de anormalidades placentárias.

Com efeito, a justificativa da interrupção da gravidez em casos de anencefalia fetal decorre da conjunção dos fatores materno e fetal - o risco imposto à saúde física e psicológica da mãe somado à completa impossibilidade de o nascituro prosperar na vida extra-uterina.

Quando a gravidez implica risco moderado à saúde da gestante, os obstetras aguardam até que o feto seja considerado viável para induzir o parto - de uma criança que vai nascer morta ou morrer logo em seguida. No caso do anencéfalo, todavia, essa viabilidade nunca é atingida, mesmo que se espere até o termo. Ele tem, por definição, viabilidade igual a zero, independentemente da idade gestacional.

Dessa forma, não faz sentido forçar a mulher a esperar até o final da gravidez para que ela tenha o desfecho há muito prognosticado, a morte do nascituro.

De modo geral, o Poder Judiciário brasileiro tem concordado com os argumentos aqui apresentados e tem concedido liminares favoráveis à interrupção de gestações de fetos com anencefalia. Não raro, contudo, as decisões judiciais são proferidas tardiamente, depois que o parto já ocorreu de modo espontâneo e a mãe passou por sofrimento longo e desnecessário.

Por isso é fundamental que a legislação brasileira contemple a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos com anencefalia, caso seja esse o desejo da gestante e o ato seja praticado por médico habilitado.

Esses são os motivos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por que submetemos à elevada apreciação do Congresso Nacional o presente projeto de lei. Estamos certos do apoio de nossos pares, em razão da relevância que a matéria possui para a mulher e para a família brasileira.

Portanto, Sr. Presidente, muito mais como médico do que como Senador, cumpro um dever para com a minha consciência e faço uma homenagem à mulher brasileira ao apresentar este projeto, que espero ver debatido e aprovado.

            Peço a V. Exª, Sr. Presidente, que considere como parte de meu pronunciamento não só a leitura que fiz da justificação do projeto, como também o estudo elaborado pela Consultoria Legislativa do Senado, que é um estudo brilhante e que contempla todos os aspectos dessa questão.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Estudo nº 440, de 2004”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/2004 - Página 25705