Discurso durante a 111ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o Programa de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Considerações sobre o Programa de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2004 - Página 26519
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, DIVULGAÇÃO, INFORMAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ABERTURA, VAGA, CREDITO EDUCATIVO, FINANCIAMENTO, CURSO SUPERIOR, RECLAMAÇÃO, LIMITAÇÃO, ACESSO, INSCRIÇÃO, PROGRAMA, UTILIZAÇÃO, INTERNET, DISCRIMINAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, REGIÃO NORTE, CRITICA, SUPERIORIDADE, EXIGENCIA, FIADOR, SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO.
  • ANALISE, CONTINUAÇÃO, CONCENTRAÇÃO, POPULAÇÃO, LITORAL, BRASIL, EFEITO, DESIGUALDADE REGIONAL, COMENTARIO, ORIGEM, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), MINISTRO DE ESTADO, IMPORTANCIA, ATENÇÃO, INTERIOR, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ACESSO, ENSINO SUPERIOR.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Senador José Sarney, meus nobres Pares, caros telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado FM e Ondas Curtas, que atinge a Amazônia Legal e, portanto, o meu querido Tocantins, quero comemorar, em parte, a notícia, hoje disponível no site do MEC e do Fies - Programa de Financiamento do Ensino Superior, da abertura de 50 mil novas vagas para financiamento de estudantes de curso superior.

Sr. Presidente, por ter sido relator de medida provisória relativa ao Proeducar e ter feito inúmeros pronunciamentos sobre o tema, tenho algum conhecimento do assunto. Além disso, essa é a minha área; sou formado em Pedagogia e participei, como Secretário do Governo do Estado do Tocantins, de um programa do Estado que concedia milhares de bolsas a estudantes da rede privada.

Aquilo que, a princípio, deveria ser uma comemoração, por estarmos reabrindo um sistema de financiamento estudantil, reaparece com tudo que procurei retirar no meu relatório, aprovado por unanimidade por esta Casa, mas, infelizmente, derrubado pela Câmara dos Deputado. Quem abre o site do Fies para buscar a sua habilitação, Senador Papaléo Paes, descobre que permanece o método de exclusão contra o qual me bati tanto, qual seja, o único instrumento de acesso ao processo de seleção do Fies é a Internet, como se, no Brasil, vivêssemos a inclusão digital, como se a Internet estivesse disponível em todos as localidades da Amazônia, de Rondônia, de Roraima, do Acre, do Amapá, de Tocantins.

Em Palmas, temos uma bela planta,com fibra óptica na cidade inteira, todas as escolas informatizadas, mas, ainda assim, o número de terminais disponíveis para a população é absolutamente inviável. Portanto, esses financiamentos acabam dando certo para o Sudeste litorâneo brasileiro, e a grande massa dos estudantes pobres, que trabalha o dia inteiro, que não ganha um carro zero quando passa no vestibular, que vai, à noite, de ônibus para a escola depois de um dia inteiro de trabalho, essa continua sem um mecanismo de financiamento. As famílias passam pela alegria de ver o filho passar no vestibular e ficam tristes, logo em seguida, quando chega a primeira mensalidade, porque simplesmente não tem como pagá-la. Este é o primeiro ponto.

O segundo ponto está nas explicações que o próprio Ministério coloca à disposição, quando se refere à garantia exigida. Diz ele:

(...)é exigida a apresentação de um fiador com idoneidade cadastral e renda comprovada de, no mínimo, o dobro da mensalidade integral do curso financiado. Se a renda bruta do grupo familiar do estudante for menor que 60% da mensalidade escolar, é exigido um fiador adicional com idoneidade cadastral e renda comprovada de, no mínimo, o dobro da mensalidade integral do curso a ser financiado e que para cada um dos casos acima, admite-se o acréscimo de um fiador com idoneidade cadastral para compor uma renda exigida, limitado a quatro fiadores por contrato.

Sr. Presidente, nem as “Casas Bahia”, para financiar a venda de um liquidificador, tem coragem de exigir quatro fiadores de um cidadão que um cidadão que vai até lá para adquirir um bem simples. Agora, o jovem estudante brasileiro, que está buscando junto ao Governo Federal uma forma de financiar o seu curso, esse tem que apresentar fiadores. E essa opinião não é apenas minha, que tenho me batido sobre esse assunto, mas da Justiça Federal que, por meio de um desembargador federal, decretou a ilegalidade de o Governo cobrar fiador do estudante brasileiro.

Nós ainda não oferecemos acesso à faculdade à grande maioria dos trabalhadores, dos estudantes. O que está ocorrendo ainda hoje nas universidades federais? Nobres Senadores Papaléo Paes, Paulo Octávio, Eduardo Azeredo, João Ribeiro, V. Exªs têm conhecimento de que só consegue ter acesso à UnB quem freqüentou cursos particulares - estou citando a UnB porque tenho uma profunda admiração por aquele centro universitário. É comum se ver, no dia da comemoração pela aprovação no vestibular da UnB, o aluno dizer que está ganhando um carro zero do pai porque foi aprovado. Então, quem está conseguindo acesso à universidade federal? Quem tem dinheiro, quem certamente poderia pagar alguma coisa e não vai pagar nada. Sou contra? Não. Sou a favor do ensino público e gratuito aberto em larga escala, democratizado. E aí os números são auto-explicativos, Senador Eduardo Azeredo. Existem cerca de 400 mil, 500 mil ou até 800 mil estudantes em universidades públicas federais e 2 milhões estudando no período da noite em cursos privados; esses é que vão atrás do Fies.

Hoje, sabemos que são 50 mil vagas para o Fies. Ora, 50 mil vagas para um número perto de 2 milhões de estudantes, sabemos que vai atender a uma parcela muito pequena. Eu diria, pelo meu Tocantins, pelas cidades de Gurupi, de Arraias, de Guaraí, de Miranorte, de Colinas, de Araguaína, de Palmas, de Tocantinópolis, principalmente nos grandes centros universitários privados de Palmas, que os estudantes vão ao desespero, porque quando conseguem acesso ao terminal, quando conseguem ser aprovados no processo seletivo, vem a história do tal fiador. E isso passa a ser uma grande humilhação para o estudante brasileiro. E essas pessoas, Senador Eduardo Azeredo, pedem na Prefeitura, no Governo do Estado, passe de ônibus, porque não têm dinheiro para ir à faculdade, não têm dinheiro para o lanche, não têm dinheiro para o livro e não têm dinheiro para a mensalidade.

E o Governo, além de ter muito pouco a oferecer, pois são 50 mil vagas apenas, pede a tal figura do fiador, embora esteja proibido por uma liminar da Justiça Federal. E isso está no site do MEC, do Fies e da Caixa.

Sr. Presidente, apelo para a sensibilidade do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do Ministro Tarso Genro.

Ora, Sr. Presidente, algumas medidas muito saudáveis têm sido tomadas. Tenho realmente visto que o Brasil vive um bom momento, que o Governo tem procurado adotar medidas de microcréditos, baixar alíquotas, incentivar a exportação. Este Governo que me entusiasma, com Ministros como o Ministro Furlan... Estive ontem, Senador José Sarney, por delegação de V. Exª, participando da posse da Abimaq, o maior sindicato patronal do País, um setor que está exportando 30% a mais do que exportava. Há um clima de euforia, há um momento nacional positivo. Então, Senhor Presidente Luiz Inácio, Sr. Ministro Tarso Genro, vamos incluir, vamos agregar esta massa de estudantes.

Senador Papaléo Paes, são quatrocentos mil jovens que chegam ao mercado de trabalho anualmente. E qual é a chance desse jovem se não tiver um curso técnico, um curso superior, uma qualificação?

É tão sofrida a vida do estudante. Recebo esses estudantes no meu Tocantins, discuto, converso com eles, pois esse é um dos temas principais da minha luta, da minha atuação parlamentar. Comemorei neste plenário o dia em que derrubamos a exigência de fiador para o crédito estudantil. No meu relatório, aprovado por V. Exª, Senador Papaléo Paes, o que eu disse? O que propus? Que não exigíssemos fiador, que credenciássemos o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, os Correios para receber as inscrições, porque em qualquer canto deste País existe uma agência dos Correios, do Banco do Brasil, da Caixa. Isso é democratizar o acesso.

O que mais eu pedi? O empresário desejoso de construir um prédio de ensino privado consegue financiamento junto ao BNDES. Por que não justificar o “S” do Banco do Desenvolvimento Econômico e Social abrindo uma linha que desse aporte de recursos para o Fundo? Mas os técnicos dizem que não, que é absolutamente impossível. O BNDES pode financiar a construção de infra-estrutura fora do Brasil para aumentar as exportações, pode apoiar a Venezuela, a Bolívia e até perdoar a dívida do Gabão. Isso tudo pode ser feito, mas o estudante brasileiro, esse não. Esse tem que ter fiador, esse vai de ônibus, esse não paga matrícula porque não tem dinheiro, e o Brasil fica assim.

Há uma lacuna muito grande, Senador Papaléo Paes. Estamos perdendo quarenta mil jovens entre 18 e 24 anos de idade nas grandes cidades, afro-descendentes, por violência, assassinato, extermínio, droga. É isso o que está acontecendo com a juventude brasileira.

Então, Sr. Presidente, eu, que procuro ter uma postura construtiva nesta Casa em relação ao Governo, quero realmente sensibilizar o coração talvez dos mais sofridos dos brasileiros que chegou à Presidência da República. O Presidente Lula tem um currículo extraordinário, tem a admiração do povo brasileiro. Ele tem tomado medidas, cria programas. Se o Programa não dá certo, ele o reformula. Nós vimos aqui que o Programa Primeiro Emprego foi reformulado. Ninguém pode duvidar da boa vontade do Presidente da República. Então, de uma forma muito amena, se estiver sendo considerado como uma crítica, por favor, considerem como uma crítica construtiva, como um alerta de alguém que vive na Amazônia Legal, como uma alternativa de quem tem filha na faculdade. Eu tenho uma filha que cursa o 4º ano de Medicina e que me diz que várias colegas vão parar de estudar neste semestre. E nós não temos absolutamente o que fazer, a não ser o Fies.

O Governo brasileiro vem procurando tomar medidas como a do Microcrédito, da Agricultura Familiar, do Programa Luz no Campo, além de outras interessantes que estão sendo tomadas. Eu quero incluir, quem sabe abrir no coração do Presidente Lula e do grande Ministro Tasso Genro, uma lembrança para esses dois milhões de brasileiros que estão buscando formação de ensino superior em entidades privadas.

Senador Papaléo Paes, cito muito V. Exª porque sei que Tocantins guarda uma semelhança muito grande com o seu Amapá e do nosso Presidente José Sarney. Vejam que 85% dos que conseguem acesso ao Fies são do Sudeste litorâneo brasileiro. Eu sempre digo que dois terço da nossa população continua vivendo em um terço do nosso território, ou seja, o Brasil, esta grande casa, abriga sua população em um terço do seu território. E onde estão as riquezas? Onde estão os 30% da biodiversidade? Onde estão quase 20% da água doce? Onde estão os minérios e as riquezas? Alguns dizem que estão no lugar errado porque a população brasileira mora no Sul, e essas riquezas estão no Norte.

Eu poderia dizer diferente: eu poderia dizer que a nossa população está mal distribuída no território nacional. O que há realmente é uma concentração de renda e investimento; 90% dos investimentos públicos, Senador José Sarney, estão sendo executados no sudeste litorâneo. Esse é um dado. Então, se há concentração de renda, vai continuar havendo renda concentrada, produção concentrada e desigualdades regionais.

Por tudo isso, sou entusiasta da Ferrovia Norte-Sul, criada por V. Exª, Presidente Sarney. Por isso tudo, Brasília deu uma grande contribuição para mudar o mapa deste Brasil das Tordesilhas, que foi dividido antes do seu descobrimento e permanece desocupado, com taxas de ocupação demográfica como a do Tocantins, de quatro habitantes por quilômetro quadrado, como se ali houvesse alguma tragédia natural que impedisse a sobrevivência do ser humano. Se estendermos à Amazônia, não à Amazônia Legal, vamos cair para um habitante. Temos distorções ainda a serem resolvidas, mas estamos lá, nós, tocantinenses e maranhenses, esperando pela licença ambiental para construir a Usina de Serra Quebrada. Parece-me que existem lá 11 índios, em uma grande reserva, que se tornam empecilho para o início daquela obra. Este Brasil precisa de uma visão.

Sr. Presidente, não quero dizer isso sem deixar de lembrar que, embora tocantinense de coração, nasci no Estado de São Paulo. Uma constatação temos que fazer: o nosso Presidente da República, embora nordestino, fez a sua carreira, a sua vida em São Paulo; o Ministro da Fazenda é de São Paulo; o Ministro do Planejamento é de São Paulo; o Líder do Governo nesta Casa é de São Paulo; o Presidente da Câmara é de São Paulo; o Líder do Governo na Câmara também é de São Paulo. Dizia-se que, no Governo Fernando Henrique, havia um “paulistério”. Não quero fazer essa comparação, mas diria que nós, brasileiros, temos que conhecer melhor este País, temos que abrir o coração para os investimentos e para a infra-estrutura em que o Brasil pode e está dando certo. É o Brasil do agronegócio que está impulsionando as nossas exportações, é a explosão de Mato Grosso, é a explosão do Tocantins, de Goiás, do Maranhão. Temos muitos recursos minerais, e não podemos exportá-los como matéria-prima apenas; temos de agregar valores a eles.

O melhor valor, para não fugir tanto ao tema que me trouxe a esta tribuna, seria dar a chance ao jovem universitário brasileiro de ter o seu financiamento sem pelo menos a figura do fiador - já derrubada pelo Justiça, mas que o MEC insiste em exigir. Temos o papel e a obrigação de dizer que acreditamos neste País. Independentemente da sigla partidária, todos temos que ajudar. Sinto-me no dever e na obrigação de ajudar este Governo, porque ele foi eleito democraticamente pelo povo; mas sinto-me também na obrigação de lembrar aos responsáveis pela área da educação que o estudante universitário que vai para as universidades particulares mereceria um carinho maior e uma atenção maior do Governo Federal.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2004 - Página 26519