Discurso durante a 111ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a Cúpula do Milênio, realizada em setembro de 2000, em Nova York, EUA.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Considerações sobre a Cúpula do Milênio, realizada em setembro de 2000, em Nova York, EUA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2004 - Página 26565
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, CHEFE DE ESTADO, COMPROMISSO, REDUÇÃO, POBREZA, MUNDO, REGISTRO, DADOS, POPULAÇÃO, ANALISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, CRESCIMENTO ECONOMICO, CONTINENTE, ASIA, AUMENTO, MISERIA, AFRICA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ANALISE, CIENTISTA, PROCESSO, COMBATE, POBREZA, CONTRIBUIÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO, NECESSIDADE, PRIORIDADE, EXPANSÃO, CONHECIMENTO, TECNOLOGIA, AMBITO, GLOBALIZAÇÃO, DEBATE, DIREITOS, PROPRIEDADE INTELECTUAL.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente Srªs e Srs. Senadores, em setembro do ano 2000, houve, em Nova Iorque, a maior reunião de chefes de Estado e de governo da história. Essa reunião, conhecida como Cúpula do Milênio, deu origem a uma declaração, na qual os líderes mundiais reunidos afirmaram uma série de metas a serem atingidas neste milênio.

Essas metas, Sr. Presidente, em conjunto, dizem respeito à redução da pobreza no mundo. Na primeira delas, os líderes mundiais se comprometeram a agir no sentido de reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas que vivem com uma renda diária de menos de 1 dólar PPC (“paridade do poder de compra”, ou seja, eliminando-se a diferença de preços entre os países).

Em 2001, segundo dados do Banco Mundial, cerca de 1 bilhão e 100 milhões de pessoas viviam com menos de 1 dólar PPC por dia. Quase metade da população mundial, 2,7 bilhões de pessoas, viviam com menos de US$2.00 PPC. É um quadro desalentador de pobreza. Se a meta fixada na Cúpula do Milênio for efetivamente atingida, ainda assim mais de 1 bilhão de pessoas continuariam a viver com o equivalente a menos de US$2.00 de poder de compra.

Segundo o Banco Mundial, essa meta pode ser efetivamente alcançada em 2015, caso a situação econômica mundial, e, em especial, as economias da Índia e da China, continuem caminhando na direção em que estão, sem maiores crises. No entanto, não só as disparidades regionais são grandes, como também outros indicativos de pobreza não estão recuando com a mesma eficiência. Se a pobreza, de fato, tem diminuído nos países asiáticos, vem aumentando, por exemplo, na África sub-saariana. E não se tem obtido o mesmo sucesso, por exemplo, em diminuir a mortalidade infantil e materna, em universalizar o acesso ao ensino primário e em eliminar a desigualdade entre os sexos.

O mundo tem uma idéia clara da dimensão do problema, como mostra a declaração da Cúpula do Milênio. Todos estão convencidos de que, entre as metas prioritárias para o desenvolvimento social e econômico do mundo, deve estar a eliminação da pobreza. No entanto, o que fazer, diante da enormidade do problema? Como fazer para que essa metade da população do planeta que vive em situação de penúria venha a participar mais eqüitativamente da prosperidade mundial? Eis aí, Srªs e Srs. Senadores, nossa quadratura do círculo.

Pensando nesse tema, lembrei-me de um artigo publicado em fevereiro deste ano pelo jornal O Estado de S. Paulo, de autoria de Alvin e Heidi Toffler, renomados “futurólogos” americanos, co-autores de livros como O choque do futuro e A terceira onda. Permitam-me, Srªs e Srs. Senadores, resgatar aqui algumas das idéias que defendem nesse artigo.

Os autores iniciam seus argumentos lembrando um aparente paradoxo. Por um lado, todos parecem convencidos de que a pobreza deve ser combatida e eliminada. Além disso, nos últimos 50 anos, os países ricos deram mais de US$1 trilhão, na forma de ajuda ou assistência ao desenvolvimento dos países mais pobres. No entanto, por outro lado, a pobreza continua, pois, como já disse, quase metade da população mundial vive com menos de US$2.00 por dia.

De certa forma, lembram os autores, mesmo isso é uma relativa vitória, se pensarmos em prazos mais longos. Se quase metade da população mundial vive abaixo da linha de pobreza, mais da metade vive acima. Se compararmos essa situação com a de alguns séculos atrás, houve um avanço considerável. No início da chamada revolução industrial, que os autores identificam como a segunda grande “onda” de mudanças na evolução econômica, social e cultural da humanidade, o número de pobres e miseráveis era esmagadoramente maior.

Essa “segunda onda”, no entanto, atingiu desigualmente os vários países. Alguns, que são hoje os mais pobres, não completaram o ciclo de industrialização que caracterizou essa “onda”. Outros, que são hoje os mais ricos, já começaram a fazer a transição de uma economia baseada no industrialismo para uma baseada no conhecimento. Já se beneficiam de uma “terceira onda” de mudanças.

A tese que os autores querem defender em seu artigo é que o combate à pobreza, hoje, não pode deixar de levar em conta o fato dessa “terceira onda” de transformações, que há décadas já espalha suas mudanças nos países mais ricos. Para os países pobres, em especial, as escolhas que terão de fazer no futuro são estratégicas.

Por um lado, não têm como evitar a necessidade de aprofundar ainda as transformações da segunda onda. Buscar seguir o caminho do desenvolvimento, da modernização, da industrialização é ainda um objetivo válido. Mas a eliminação da pobreza, por esse caminho, será cada vez mais lenta, à medida que as mudanças trazidas pela terceira onda se multiplicarem na economia global.

Por outro lado, os países pobres terão de se esforçar para não perder o impulso da terceira onda. Caso o percam, sua distância para os países mais ricos não só interromperá sua diminuição, como poderá agravar-se. Se os países pobres vierem a perder a terceira onda, isso significará mais atraso para os já lentos progressos que fazemos no combate à pobreza no mundo.

Seja como for, é inevitável que o desdobramento dessa terceira onda nos países ricos tenha efeitos sobre os países pobres. Na medida que os países ricos fazem a transição para uma economia baseada no conhecimento, muitas indústrias de baixa tecnologia migram para países mais pobres, onde, via de regra, os salários são mais baixos. Isso, em muitos casos, representa um benefício para os países que receberam essas indústrias. Mesmo sendo baixos, muitas vezes os salários significam um aumento real de renda para uma parte da população que vivia miseravelmente. Além do mais, essa migração de fábricas ajuda a fazer avançar a industrialização dos países que as receberam.

Mas hoje a interação cada vez mais intensa das economias já permite a “exportação”, pelos países ricos, também de empregos ligados à terceira onda. Hoje, programadores de computador na Índia trabalham para corporações americanas, analistas financeiros no Brasil trabalham para bancos europeus. Esse fenômeno não pode ser negligenciado pelos responsáveis pelas políticas públicas nos países mais pobres. Assim como a migração de fábricas faz avançar o setor da segunda onda, a “exportação” desse tipo de empregos pode impulsionar a terceira onda nos países mais pobres, encurtando alguns caminhos.

A questão é complexa e delicada. Nos momentos de transformação profunda, somos chamados a deixar de lado preconceitos e maneiras esclerosadas de pensar, a mudar nossos paradigmas, e isso nem sempre é fácil.

Um exemplo dado pelos autores ilustra bem isso. Trata-se da questão de como redefinir a propriedade nesse contexto de transição. Essa é, certamente, uma questão central para o combate à pobreza. Por um lado, é preciso estender o direito à propriedade aos mais pobres, formalizando sua posse dos meios necessários para superar sua situação de pobreza. Por outro lado, é cada vez mais difícil proteger e garantir os direitos de propriedade intelectual, cuja importância para uma economia baseada no conhecimento é óbvio.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que à medida que a humanidade progride, progridem também os instrumentos que temos à nossa disposição para tornar a vida melhor. Dispomos, hoje, de mais meios para lidar com o flagelo da pobreza do que tinham aqueles que viveram as primeiras fases da revolução industrial, nos séculos dezoito e dezenove.

O que é preciso, sobretudo para os países que, como o Brasil, não pertencem ao grupo dos países mais avançados social e economicamente, é não perder de vista as mudanças que há muito já se anunciam na economia mundial. Para esses países, o desafio é sempre maior. Ao mesmo tempo em que têm de se esforçar para recuperar o tempo perdido, seguindo, de certa forma, o mesmo percurso feito pelos países mais avançados no processo, precisam estar atentos para não perder as novas oportunidades abertas pelas transformações, com a possibilidade, inclusive, de encurtar alguns caminhos. Precisamos estar prontos para responder à altura a esse desafio.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2004 - Página 26565