Discurso durante a 116ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2004 - Página 27445
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, REFORMULAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL.
  • REGISTRO, HISTORIA, VISITA, ESTADO DE RONDONIA (RO), EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. convidados, familiares do nosso grande Líder, neste momento, estamos aqui para homenagear a memória deste grande brasileiro que foi Getúlio Vargas, cuja história se confunde com a do nosso País.

De conhecimento histórico, poucas são as nações que ainda cultuam a memória dos seus heróis e seus feitos com tanto envolvimento cívico e senso patriótico. Mais raro, em nossos dias, é ainda poder identificar a existência de algum povo que tenha elegido um ex-presidente, que opta pelo suicídio, como seu mártir mais expressivo, mais carismático. Isso tem sido, para satisfação nossa, o caso do Brasil, em cujo itinerário político a presença do Presidente Getúlio Vargas ocupa lugar de incontestável destaque e supremacia.

Terra das contradições sábias, nosso País inverte, por vezes, a escala dos valores políticos tradicionalmente vigentes e adota parâmetros de conduta, ainda que questionáveis, os mais revolucionários possíveis. Duas vezes a exercer a Presidência da República, Vargas experienciou, em sua trajetória política, os altos e baixos do poder, angariando a simpatia de muitos, mas inspirando, na contrapartida, a antipatia de outros tantos. Conciliando momentos de ditadura com instantes democráticos, imprimiu uma marca, excepcionalmente, de líder popular progressista, modernizando as relações do Estado com a elite e com os trabalhadores.

Nesse sentido, sem incorrer nos atropelos institucionais de um Brasil atrelado a uma cultura política retrógrada, promoveu uma verdadeira reforma econômica no País, inaugurando uma modernidade de pensamento nacional calcado no desenvolvimentismo. Homem público com raízes presas ao positivismo filosófico, o Vargas do primeiro mandato foi o responsável pelo tripé da expansão econômica brasileira, a saber, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Motores e, por fim, a Companhia Vale do Rio Doce - além de tantas outras já citadas pelo nobre Senador Paulo Paim.

Sob o amparo do nacionalismo econômico, retomou, no segundo mandato, seu projeto desenvolvimentista anterior, instituindo o gigantismo da Petrobras, acompanhada do estabelecimento do monopólio estatal na prospecção do petróleo. Mais que isso, antes do trágico dia, chegou a enviar mensagem ao Congresso Nacional propondo a criação da Eletrobras e garantindo, por assim dizer, controle absoluto sobre dois setores estratégicos para o progresso do Brasil.

Filiado à UDN, Vargas veio a conquistar o apoio da nascente classe média brasileira e do empresariado com a adoção de medidas mais identificadas com os anseios de consumo e de tecnologia das camadas médias. Incentivador do denominado “processo de humanização do capitalismo brasileiro”, instaurou as bases políticas para a instalação da Consolidação das Leis do Trabalho, definindo direitos trabalhistas numa sociedade estruturalmente desigual e repleta de vícios sociais herdados da escravidão. Sem dúvida, percebeu os ventos furtivos das mudanças sistêmicas em operação no mundo, implementando adaptações inteligentes ao modelo social brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como bem observaram Bolívar Lamounier e Boris Fausto, Getúlio Vargas enceta a era das presidências carismáticas no Brasil. Em vez de contar exclusivamente com os conchavos da elite, aproveitou o abundante carisma para absorver o acolhimento dos trabalhadores urbanos, em fase de plena expansão e de representação política. Na verdade, há quem sustente que o carisma de Vargas se prende, evidentemente, menos à sua origem aristocrática, e muito mais à aura paternalista que carregava. Alcunhado de “pai dos pobres”, cumpriu à risca a tarefa de atender aos anseios da massa desvalida, mediante a utilização de uma forma discursiva muito atraente para os ouvidos ideológicos da época.

Não tive o privilégio de conhecer os feitos, em vida, de Getúlio Vargas, pois nasci exatamente um ano depois de sua morte.

Com o episódio do suicídio, em agosto de 1954, o carisma do Presidente se consolidou de vez, transformando-o, aos olhos do povo, no maior estadista do País. Para além da avaliação popular, Vargas, aos olhos de uma porção emblemática de nossa elite, igualmente bem percebeu a relevância histórica de seu papel público. Quem assim o afirmou foi o Embaixador Walter Moreira Salles, de cuja biografia emerge uma referência explícita a Getúlio, na condição “de maior brasileiro que jamais conhecera”. No entanto, tamanho apoio não lhe foi suficiente. Acossado pelos inimigos políticos, condensados, no imaginário popular, na figura de Carlos Lacerda, Vargas reverteu um inevitável ciclo de desgaste, radicalizando uma proposta de liderança eterna via entronização da tragédia como selo de seu carisma.

Ora, num País onde a idéia de heroísmo mais nos remete às histórias de Macunaíma e de Pedro Malazarte, a preferência da morte por um líder político passa a adquirir um significado extremamente desorientador, invertendo o imaginário comum, segundo o qual a política se define, antes de tudo, por um espaço comprometido com a esperteza, com a corrupção, com a covardia e com o interesse particular. Nesse contexto, a elevação da história de Vargas para algo mais familiar à narrativa dos mitos ganha nitidez e legitimação, conferindo-lhe mesmo as características de um Salvador Allende, para quem o suicídio equivaleria, no plano da disputa ideológica, à vitória mais sublime da verdade e da justiça. Não por acaso, na carta-testamento, assim disserta: “Sinto que só o sacrifício da vida poderá resgatar o erro de um fracasso.” Como citado pelo Senador Hélio Costa, também disse ele, numa frase histórica: “Eu vos dei a minha vida; agora, ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente, dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”

Como gesto político extremo, o suicídio sacudiu significativamente o alicerce da cultura política nacional, mobilizando uma consciência popular mais afeita aos interesses do Brasil. Nada coincidente, a eleição de Juscelino Kubitschek no ano seguinte à tragédia se deu, em grande medida, graças ao forte apelo à continuidade dos lemas desenvolvimentistas legados por Vargas. Dito e feito, o Presidente mineiro empreendeu um conjunto maciço de políticas em prol da industrialização nacional, culminando, simbolicamente, com a inauguração de Brasília, signo maior da modernidade brasileira.

Em que pesem as inúmeras tentativas partidárias de apropriação do legado simbólico do Presidente Getúlio Vargas, o fato é que sua imagem carismática parece estar revestida de um verniz único, imutável e intransferível. Mesmo em se tratando da absorção dos frutos do trabalhismo, não há qualquer partido político que se tenha, na íntegra, apropriado desse inegável capital político com resultados minimamente satisfatórios. Desse modo, permanece a convicção de que qualquer gesto político de associação direta à imagem do ex-Presidente se contamina de um mal partidário e eleitoral sempre fadado ao fracasso, como se fosse uma tentativa frustrada de cópia sem a autorização e a chancela de seu autor.

Para finalizar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de fazer menção a uma singela lembrança que, embora aparentemente irrelevante, suscita, no Estado de Rondônia, enorme apreço pela memória de Getúlio Vargas. Trata-se, afinal de contas, da viagem histórica que o ex-Presidente empreendeu ao meu Estado, imbuído da missão de inaugurar o Palácio Getúlio Vargas - que tive o privilégio de ocupar -, sede do Governo de Rondônia. Mais que sua presença, o que de mais marcante restou de sua visita foi, indiscutivelmente, a decisão de Vargas de chegar à capital por meio de uma simples embarcação, atravessando corajosamente a abundante rede fluvial da Amazônia.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2004 - Página 27445