Discurso durante a 116ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2004 - Página 27456
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, REGISTRO, BIOGRAFIA, LEITURA, TRECHO, TEXTO, AUTORIA, ALZIRA VARGAS DO AMARAL PEIXOTO, FILHA, EX PRESIDENTE, AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT, POETA.
  • REGISTRO, INAUGURAÇÃO, MUNICIPIO, SÃO BORJA (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), MONUMENTO, RESTOS MORTAIS, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROJETO ARQUITETONICO, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, ilustres convidados citados nominalmente pelo Presidente Paulo Paim, inicio minhas palavras trazendo uma notícia de São Borja, onde, neste exato momento, está sendo inaugurado, na praça central da terra natal de Getúlio Vargas, o memorial onde permanecerão, a partir de hoje, seus restos mortais - projeto assinado por Oscar Niemeyer.

Quero dizer também que, juntamente com os demais colegas, assinei a proposta do Senador Heráclito Fortes exatamente para preservar a memória de nossos ex-presidentes.

O meu pronunciamento tenta fazer uma análise do ser humano, do homem, de um brasileiro cuja trajetória existencial e história política interferiu no destino deste imenso país, despertando a nação brasileira para o futuro a partir de grandes transformações estruturais que começaram sob o comando de Vargas, o estadista inesquecível.

Seus feitos foram memoráveis, seu estilo de fazer política continua sendo admirado, sua capacidade de empreender continua sendo imitada, mas o ser humano Getúlio ainda continua um ilustre desconhecido para quase todos os brasileiros.

Eu gostaria de fazer uma retrospectiva sobre Getúlio Vargas a partir das lembranças de sua filha Alzira, que teve oportunidade de escrever um fantástico livro sobre o pai.

São lembranças que marcaram sua vida e foram registradas de forma original, criativa, analítica e emocional - sobretudo emocional, porque é o registro de uma filha que conseguiu, em um determinado momento de sua vida, parar e fazer uma reflexão de tamanha importância. Getúlio Vargas, meu pai é a obra a que me refiro.

Nas palavras de sua filha Alzira:

Era uma vez um homem só.

Era uma vez um menino chamado Getúlio Dornelles Vargas.

Era uma vez um jovem, tentando fugir do destino.

Era uma vez um homem, a quem o destino dominou.

Era uma vez...

Era assim que começavam as histórias para crianças, no meu tempo.

Mas esta não é história para crianças, somente.

É uma história para gente grande, gente muito grande mesmo.

Era uma vez...

Um menino nasceu a 19 de abril,

Dia do Santo dos Impossíveis, Santo Expedito.

Em que ano não importa,

Todos sabem.

Seu pai, um guerreiro, um fazendeiro, um lutador.

Sua mãe, filha de fazendeiros, mulher de lutador,

Lutadora ela própria.

Que mais?

Era o terceiro filho de uma família de cinco varões:

Viriato, Protásio, Getúlio, Spartacus e Benjamim.

E acrescenta Alzira:

Ele foi um homem excepcional (...)

Tenho lido e ouvido todas as lendas que são contadas, algumas verdadeiras, muitas inventadas, outras fantásticas, a respeito de um homem que todos discutem e poucos entenderam.

Nenhum de seus atos em toda sua vida pública é motivo de desdouro, de vergonha ou de humilhação para qualquer de seus descendentes (...)

Getúlio Vergas começou a trilhar o caminho da política em 1906, ao ser escolhido orador dos estudantes em homenagem ao presidente Afonso Pena. Em 1907 ingressou efetivamente na política partidária republicana juntamente com toda uma geração de estudantes gaúchos que se notabilizaria na política nacional. Neste momento, por suas características pessoais de dedicação à causa partidária e discernimento intelectual, o jovem Vargas passou a chamar a atenção de Borges de Medeiros, então à frente do Executivo gaúcho.

Em janeiro de 1908, recém-formado em Direito, é nomeado segundo promotor público da comarca de Porto Alegre.

Em uma de suas primeiras atuações marca seu estilo. Como promotor novato foi incumbido de acusar um operário preso por assassinato. Constava dos autos do processo que este, voltando para casa, vindo do trabalho, fora agredido por um desconhecido e ao se defender causara-lhe a morte.

O advogado de defesa, sabedor que seu adversário era um promotor inexperiente, tentou intimidá-lo, levando uma pilha de livros. Getúlio nada levou, calmamente resumiu o caso. O operário carregava, na ocasião, sob o braço, a marmita vazia e no bolso um formão. Agredido, usara para se defender a única arma que possuía, um formão, seu instrumento de trabalho. Não era, portanto, um criminoso. Agira em legítima defesa e o acusador pedia a absolvição do réu.”

Alguns meses mais tarde, seu nome é incluído na lista de candidatos do Partido Republicano Rio-Grandense à deputado estadual. Em 1909, estreante na sexta legislatura e reeleito nas duas seguintes, Getúlio desenvolve aprendizado formidável.

Não é um debatedor. Bom missioneiro, fraseia com economia. Seu tom conciliador penetra devagar, mas com subterrânea persuasão. Sua voz não sustenta o estilo dos tribunos emocionais. Reproduz, sim, a fértil contenção de Júlio de Castilhos. Falava pouco, mas via melhor e mais longe.

Prestigiado por Borges de Medeiros, começa a desempenhar na Assembléia as funções de líder do PRR, função que confirma a força dessa personalidade de aço. Severo com a precisão do discurso, pronuncia-se em tom seqüencial, que facilita o convencimento. É como uma chuva miúda que incessantemente bate sobre o telhado.

Em março de 1911, casa-se com Darci Lima Sarmanho e dessa união nascem os filhos Lutero, Jandira, Alzira, Manuel Antônio e Getúlio.

Ainda como deputado estadual, procurou congregar as forças políticas gaúchas, conclamando federalistas e republicanos a superarem divergências e unirem-se sob a mesma bandeira. Em 1917, manifesta apoio do Estado à declaração de guerra entre Brasil e Alemanha. Quando o armistício entre os dois países foi assinado um ano depois, Getúlio é prestigiado não só por seus correligionários, mas também pelos deputados federalistas.

Getúlio fora enviado à Câmara dos Deputados com a missão precípua de promover o restabelecimento das boas relações políticas entre o Governo do Rio Grande do Sul e a Presidência da República, estremecidas pela campanha sucessória: Nilo Peçanha versus Artur Bernardes.

Precisava agir com cautela.

Começou por fazer amizade com Herculano de Freitas, líder da bancada paulista. Homem de grande inteligência que iniciou Getúlio nos segredos e malícias do Congresso e da política nacional.

Reeleito deputado federal em 1924, Vargas assumiu a liderança da bancada republicana na Câmara Federal e em 1926 foi empossado Ministro da Fazenda por Washington Luís.

Sua gestão à frente daquela pasta resultou num dos períodos de maior êxito da política econômico-financeira da chamada República Velha, quando Vargas tratou de implementar a reforma monetária, aprovada pelo Congresso. A reforma instituiu o retorno do padrão-ouro e criou o fundo de estabilização cambial. Passaram a existir dois meios circulantes no país, um conversível e outro não, e a taxa de câmbio foi fixada acima dos índices de mercado com o objetivo de favorecer as exportações e proteger a moeda nacional.

Em 1927, Vargas foi indicado para disputar a Presidência do Rio Grande, tendo sido eleito no ano seguinte. Para a Secretaria do Interior e Justiça nomeou Osvaldo Aranha, o mais jovem representante da nova geração de republicanos gaúchos, famoso por sua combatividade durante a guerra civil de 1923, futuro ministro de Getúlio e amigo fiel até a última hora.

Na Presidência do Estado, o ambiente é ainda de dissipação do espírito beligerante da última guerra civil. A paz foi uma espécie de primeiro pacto regional com a “modernidade”, mas o grande desafio era romper de vez com o isolamento do Rio Grande em relação ao restante do país.

Getúlio reorientou a ação econômica e política do governo gaúcho, conseguindo resultados amplamente positivos. Em 1928 fundou o Banco do Estado do Rio Grande do Sul para facilitar o crédito dos produtores - o Banrisul é dos poucos bancos estaduais que até hoje continua público, resistindo à recente onda de privatizações no país. Conseguiu, no Congresso Nacional, a aprovação da Lei de Desnacionalização do Charque, para coibir o contrabando da mercadoria uruguaia que entrava no Brasil disfarçada de produto nacional.

Sob o seu governo, o Rio Grande ingressava em uma nova conjuntura. Getúlio também expandiu o sistema ferroviário sul-rio-grandense; subsidiou as exportações, estimulou a formação de sindicatos em nosso Estado; buscou acordos com a oposição política, pondo fim à quase 30 anos de violentas lutas interpartidárias no Estado.

A postura e as práticas de Getúlio no poder conferiram-lhe grande projeção, unificando a política rio-grandense e permitindo, assim, a primeira tentativa de um político gaúcho chegar à Presidência da República.

À época, o Brasil nada mais era do que uma grande fazenda. Na Amazônia, explorava-se a borracha; no Ceará, o algodão; e no restante do Nordeste, a cana-de-açúcar. Na Bahia do nosso querido Antonio Carlos Magalhães era o cacau; hoje é a Ford, graças ao aço da CSN. Em São Paulo, reinava o café. Minas escavava o ferro e o Rio Grande do Sul vivia do gado e da erva-mate.

Seu projeto de desenvolvimento buscava autonomia nacional em seu processo de modernização urbano-industrial, contrariando frontalmente as elites brasileiras, assim como os interesses internacionais, principalmente dos Estados Unidos da América.

Enquanto isso construiu uma legislação federal sólida, clara, marcante e definitiva, que beneficiou ampla e fundamentalmente a classe trabalhadora.

Seu modelo de governo trabalhista foi duramente criticado, taxado de populista e demagogo, porque se voltava constantemente, no discurso e na prática, para os excluídos e para os humildes. Hoje, rara e felizmente ouvem-se críticas nesse sentido. Hoje, finalmente, fala-se em responsabilidade social, políticas de inclusão, solidariedade e tudo isso e muito disso graças à origem e à enorme sensibilidade do nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Convidados, socorro-me de artigo do poeta Augusto Frederico Schmidt, transcrito na coluna de hoje da jornalista do meu Estado Ana Amélia Lemos, com o título “A última audiência”, que aconteceu no dia 23 de agosto de 1954, no Palácio do Catete:

Diz o poeta:

“Lembro-me de que encontrei o Palácio quase vazio, nessa tarde triste e incerta de agosto”. Aparentemente o temporal político não perturbara Getúlio Vargas “Ele estava a dois passos da morte e não lhe vi nenhum gesto de impaciência, de rancor, de indignação”, testemunhou o poeta, para também vaticinar: “A história o julgará, pesando tudo o que ele fez de bom e de mau, dando medida exata às acusações dos seus implacáveis inimigos, como também aos louvores dos seus apaixonados partidários”.

O autor encerra o artigo com tintas poéticas e dramáticas:

“Agora quero lembrar-me apenas do Presidente Getúlio Vargas, tal como o encontrei no seu posto na hora do naufrágio, e do aceno que me fez, quando, na hora de ir-me, eu já na porta do salão de despachos, voltei-me para vê-lo ainda uma vez. Sorriu-me, então, de longe. Parecia um capitão de navio a desaparecer nas águas revoltas”.

            Muito obrigado. (Palmas!)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2004 - Página 27456