Discurso durante a 116ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2004 - Página 27470
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, RENOVAÇÃO, REPUBLICA, MODERNIZAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, INDUSTRIALIZAÇÃO.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. convidados, há cinqüenta anos um tiro no peito tirava a vida de um Presidente, revolvia por completo a política brasileira e fazia o País mergulhar em profunda e comovida depressão. Pela primeira e única vez em nossa história, um Chefe de Estado e de Governo tomava a atitude drástica de colocar fim à própria vida. Como deixou registrado em sua carta-testamento, serenamente ele dava o passo que o tirava da vida e lhe entregava o passaporte definitivo para a História.

Ninguém, absolutamente ninguém, entrou tão funda e plenamente na história do Brasil quanto Getúlio Vargas.

Sabem os historiadores, por dever de ofício, e sabemos nós, por intuição ou experiência de atentos observadores da vida, que os fatos históricos mais marcantes, assim como seus grandes personagens, sempre encerram extrema complexidade. Assim, nada é tão simples como possa parecer à primeira vista, e uma análise isenta exige de quem se dispuser a fazê-la atenção a dois princípios essenciais: o libertar-se de idéias preconcebidas e a honesta disposição de ampliar os horizontes da subjetividade. No exame dos diversos momentos da história republicana brasileira, nenhum deles requer maior obediência a esses princípios que os referentes a Getúlio Vargas.

Com efeito, esse homem nascido no século XIX se fez político na primeira metade do século seguinte, ao tempo da República Velha, sepultada pelo movimento que ele mesmo liderou em 1930. Entretanto, foi ele quem abriu as portas do País à modernidade que o século XX então representava. Acentue-se que, no século XX, o Brasil ficou em segundo lugar entre os países que mais cresceram - o primeiro foi o Japão, o segundo foi o Brasil.

Os ideais positivistas, tão arraigados na cultura política gaúcha, possivelmente acompanharam o velho caudilho até o fim da sua existência. Homem de uma fronteira historicamente conquistada, Getúlio parece ter forjado uma espécie de têmpera de aço, alguém que se acostumara a enfrentar e a vencer desafios, sentindo e fazendo sentir a força do poder e o peso da autoridade.

Ao longo da República Velha, tão caracteristicamente fundada no domínio das oligarquias rurais e de tudo o que disso decorria, como o clientelismo, o voto de cabresto e a reduzida taxa de respeito à cidadania, Vargas construiu vitoriosa carreira política. Foi Deputado Estadual e Federal, Secretário de Estado e Ministro da Fazenda, além de ter chegado ao posto de Governador de seu Estado. Ficasse nisso e não teria sido muito diferente de tantos e tantos outros homens públicos, a eles se igualando.

Contudo, o esgotamento do modelo político nacional, com o esgarçamento do regime republicano oligárquico, tão bem assinalado pelas crises que se avolumaram ao longo da década de 1920 - que explicam, por exemplo, o quadriênio de Artur Bernardes, de 1922 a 1926, todo ele transcorrido sob estado de sítio - e que culminaram na dramática e contestada eleição de 1930, deu a Getúlio Vargas a possibilidade de projetar-se como líder nacional, a quem as circunstâncias conferiam a oportunidade ímpar de transformar radicalmente a fisionomia do Brasil - o Brasil de então era apenas um território, não passava muito disso.

Foi o que ele fez, Sr. Presidente. Ao chegar ao poder, em novembro de 1930, exatos trinta dias depois de iniciado o movimento militar que depôs Washington Luís, o político gaúcho dava início a um novo tempo para o País. Começa a Era Vargas. Em quinze anos de enorme turbulência em escala mundial, Getúlio moldava o Brasil moderno, lançando as bases de sua efetiva industrialização, de que foram exemplos emblemáticos a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Vale do Rio Doce -instrumentos extraordinários de elevação da economia do Brasil de que aqui tanto já se falou.

Dono de uma impressionante capacidade de intuir a direção e a força dos ventos, qualidade que só a estadistas é dado ter, o estancieiro gaúcho, acostumado a um mundo de pecuaristas e exportadores de bens primários, compreendia perfeitamente a nova dimensão adquirida pela economia moderna. E, por compreendê-la, empurrava o País nessa direção. Hoje o Brasil é um país de indústria sofisticada e de agricultura em franco progresso e cheia de triunfos.

Getúlio começava a governar o Brasil quando o impacto da Crise de 1929 apresenta suas primeiras manifestações, algo que nos anos seguintes assumirá dimensão de tragédia. O caos que se instala na economia mundial, sentido com maior ou menor intensidade por todos os países, desorganiza as finanças e as relações comerciais, ampliando consideravelmente o grau de desconfiança entre os Estados e a busca de saídas autoritárias e expansionistas para a crise. Preparava-se, assim, o cenário macabro da Segunda Guerra Mundial, finalmente deflagrada em setembro de 1939. Ao mesmo tempo, esboroava-se quase que por completo a crença na democracia e nas instituições liberais como instrumentos capazes de debelar a Grande Depressão.

Esse é o contexto histórico em que Vargas afinal opera. Ao contrário dos que o consideravam provinciano, foi o todo-poderoso Chefe de Estado e de Governo que conduziu seu País em meio a uma difícil e intrincada realidade internacional, na qual explodiam radicalismos ideológicos de naturezas opostas. Teve percepção suficiente para entender um complexo jogo de poder mundial e nele atuar com sagacidade, frieza e inteligência. Afinal, esse era o tempo de estadistas - para o bem e para o mal, não importa - da dimensão de Roosevelt, Churchill, Stalin, Hitler, Mussolini e muitos outros.

Sob o ponto de vista político-ideológico, Getúlio Vargas também foi um homem de seu tempo. O centralismo, marca registrada de sua passagem pelo poder ainda antes do golpe autoritário de novembro de 1937, reflete o que, de maneira geral, se pensava em termos de instrumentos de poder para debelar a crise extraordinária, cujos efeitos praticamente todos os países sofriam.

À esquerda, o totalitarismo stalinista dava o tom na União Soviética. À direita, uma forma inovadora de pensar e de agir politicamente, o fascismo, avançava celeremente. Seu primeiro passo fora dado na Itália, com a chegada de Benito Mussolini ao poder, em 1922. Na Ásia, os militares, rápida e crescentemente, configuravam o Japão como potência fascista. Todavia, foi a partir de 1933, com a ascensão de Adolf Hitler à chefia do governo alemão, que o fascismo atingia sua expressão mais bem elaborada e poderosa - o regime nazista.

Mesmo ao centro do espectro ideológico, não se pode dizer que nada de novo acontecia. Ao tomar posse na Presidência dos Estados Unidos, em 1933, no mais dramático contexto histórico vivido pela sociedade norte-americana, Franklin Delano Roosevelt pronunciou o célebre discurso em que, entre outras questões cruciais, deixava claro que o remédio para a crise seria amargo, que o Legislativo teria que ser mais ágil e menos propenso a discussões estéreis e intermináveis e que o Judiciário teria que se libertar do formalismo das leis. Sem isso, dizia ele, a Nação soçobraria. Ou seja, também na América do Norte, vencida estava a etapa do liberalismo absoluto, que fizera naufragar instituições e sonhos, e um Executivo mais poderoso vinha ocupar seu espaço.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, devo ser obediente aos ditames regimentais, notadamente no que diz respeito ao tempo destinado aos oradores. Fui Presidente desta Casa e também exigia que aqui se cumprisse o tempo regimental. Gostaria de continuar falando por longo tempo - mas não o farei - sobre essa figura extraordinária da vida pública brasileira que Flávio Tavares, meu colega da imprensa que vejo ali, tão bem retratou em um livro recente que está fazendo merecido sucesso no sistema literário de nosso País. Getúlio Vargas era essa figura de dimensões mínimas, mas notável em seu saber político e em sua visão de estadista.

Sr. Presidente, peço a V. Exª que considere como lido o restante de meu discurso.

Muito obrigado. (Palmas.)

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDISON LOBÃO.

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O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há cinqüenta anos, um tiro no peito tirava a vida de um Presidente da República, revolvia por completo a política brasileira e fazia o País mergulhar em profunda e comovida depressão. Pela primeira e única vez em nossa História, um Chefe de Estado e de Governo tomava a atitude drástica de colocar fim à vida. Como deixou registrado em sua Carta-Testamento, serenamente ele dava o passo que o tirava da vida e lhe entregava o passaporte definitivo para a História.

Ninguém, absolutamente ninguém, entrou tão funda e plenamente na história do Brasil como Getúlio Vargas.

Ninguém, absolutamente ninguém, marcou tão indelevelmente a trajetória histórica deste País como Getúlio Vargas.

Sabem os historiadores, por dever de ofício, e sabemos nós, por intuição ou experiência de atentos observadores da vida, que os fatos históricos mais marcantes, assim como seus grandes personagens, sempre encerram extrema complexidade. Assim, nada é tão simples como possa parecer à primeira vista e uma análise isenta exige de quem se dispuser a fazê-la atenção a dois princípios essenciais: o libertar-se de idéias pré-concebidas e a honesta disposição de ampliar os horizontes da subjetividade. No exame dos diversos momentos da história republicana brasileira, nenhum deles requer maior obediência a esses princípios que os referentes a Vargas.

Com efeito, Getúlio Dornelles Vargas foi homem que, nascido no século XIX, se fez político na primeira metade do século seguinte, ao tempo da República Velha, sepultada pelo movimento que ele mesmo liderou em 1930. Entretanto, foi ele quem abriu as portas do País à modernidade que o século XX representava.

Os ideais positivistas, tão arraigados na cultura política gaúcha, possivelmente acompanharam o velho caudilho até o fim de sua existência. Homem de uma fronteira historicamente conquistada, Getúlio parece ter forjado uma espécie de têmpora de aço, alguém que se acostumara a enfrentar e a vencer desafios, sentindo e fazendo sentir a força do poder e o peso da autoridade.

Ao longo da República Velha, tão caracteristicamente fundada no domínio das oligarquias rurais e de tudo o que disso decorria, como o clientelismo, o voto de cabresto e a reduzida taxa de respeito à cidadania, Vargas construiu vitoriosa carreira política. Foi Deputado Estadual e Federal, Secretário de Estado e Ministro da Fazenda, além de ter chegado ao posto de Governador de seu Estado. Ficasse nisso e não teria sido muito diferente de tantos e tantos outros homens públicos, a eles se igualando.

Contudo, o esgotamento do modelo político nacional, com o esgarçamento do regime republicano oligárquico, tão bem assinalado pelas crises que se avolumaram ao longo da década de 1920 - que explicam, por exemplo, o quatriênio de Artur Bernardes, de 1922 a 1926, todo ele transcorrido sob estado de sítio - e que culminaram na dramática e contestada eleição de 1930, deu a Vargas a possibilidade de projetar-se como líder nacional, a quem as circunstâncias conferiam a oportunidade ímpar de transformar radicalmente a fisionomia do Brasil.

Foi o que ele fez, Senhor Presidente. Ao chegar ao poder, em novembro de 1930, exatos trinta dias depois de iniciado o movimento militar que depôs Washington Luís, o político gaúcho dava início a um novo tempo para o País. Começava a Era Vargas. Em quinze anos, de enorme turbulência em escala mundial, Getúlio moldava o Brasil moderno, lançando as bases de sua efetiva industrialização, de que foram exemplos emblemáticos a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Vale do Rio Doce.

Dono de uma impressionante capacidade para intuir a direção e a força dos ventos, qualidade que apenas aos estadistas é dado ter, o estancieiro gaúcho acostumado a um mundo de pecuaristas e exportadores de bens primários compreendia perfeitamente a nova dimensão adquirida pela economia moderna. E, por compreendê-la, empurrava o País para essa direção.

Getúlio começa a governar o Brasil quando o impacto da Crise de 1929 apresenta suas primeiras manifestações, algo que nos próximos anos assumirá dimensão de tragédia. O caos que se instala na economia mundial, sentido com maior ou menor intensidade por todos os países, desorganiza as finanças e as relações comerciais, ampliando consideravelmente o grau de desconfiança entre os Estados e a busca de saídas autoritárias e expansionistas para a Crise. Preparava-se, assim, o cenário da Segunda Guerra Mundial, finalmente deflagrada em setembro de 1939. Ao mesmo tempo, esboroava-se quase que por completo a crença na democracia e nas instituições liberais como instrumentos capazes de debelar a Grande Depressão.

Esse é o contexto histórico em que Vargas opera. Ao contrário dos que o consideravam provinciano, foi o todo-poderoso Chefe de Estado e de Governo que conduziu seu País em meio a uma difícil e intrincada realidade internacional, na qual explodiam radicalismos ideológicos de naturezas opostas. Teve percepção suficiente para entender um complexo jogo de poder mundial e nele atuar com sagacidade, frieza e inteligência. Afinal, esse era o tempo de estadistas - para o bem e para o mal, não importa - da dimensão de Roosevelt, Churchill, Stálin, Hitler e Mussolini.

Sob o ponto de vista político-ideológico, Getúlio Vargas também foi um homem de seu tempo. O centralismo, marca registrada de sua passagem pelo poder ainda antes do golpe autoritário de novembro de 1937, reflete o que, de maneira geral, se pensava em termos de instrumentos de poder para debelar a crise extraordinária, cujos efeitos praticamente todos os países sofriam.

À esquerda, o totalitarismo stalinista dava o tom na União Soviética. À direita, uma forma inovadora de pensar e de agir politicamente, o fascismo, avançava celeremente. Seu primeiro passo fora dado na Itália, com a chegada de Benito Mussolini ao poder, em 1922. Na Ásia, os militares, rápida e crescentemente, configuravam o Japão como potência fascista. Todavia, foi a partir de 1933, com a ascensão de Adolf Hitler à chefia do Governo alemão, que o fascismo atingia sua expressão mais bem elaborada e poderosa - o regime nazista.

Mesmo ao centro do espectro ideológico, não se pode dizer que nada de novo acontecia. Ao tomar posse na Presidência dos Estados Unidos, em 1933, no mais dramático contexto histórico vivido pela sociedade norte-americana, Franklin Delano Roosevelt pronunciou o célebre discurso em que, entre outras questões cruciais, deixava claro que o remédio para a crise seria amargo, que o Legislativo teria que ser mais ágil e menos propenso a discussões estéreis e intermináveis e que o Judiciário teria que se libertar do formalismo das leis. Sem isso a Nação soçobraria. Ou seja, também na América do Norte, vencida estava a etapa do liberalismo absoluto, que fizera naufragar instituições e sonhos, e um Executivo mais poderoso vinha ocupar seu espaço.

Sintonizado com as transformações do mundo contemporâneo, Getúlio compreende a imperiosa necessidade de fazer o Estado voltar-se para o mundo do trabalho. Com ele, a questão social deixa de ser o "caso de polícia", tal como a concebia a "carcomida" República Velha, dos velhos e ultrapassados coronéis do interior. Ao mesmo tempo em que o Estado assumia papel de protagonista na promoção do desenvolvimento industrial, ante a insuficiência de capitais privados para o financiamento da decolagem econômica do País na direção do moderno capitalismo, Vargas tratava de elaborar uma legislação trabalhista que sepultasse os vestígios mais evidentes da velha estrutura escravocrata, com a qual a Nação historicamente se acostumara.

Por certo que as condições históricas daquela tensa conjuntura contribuíram, em muito, para que Vargas consolidasse seu projeto autoritário de poder. A criação do Estado Novo pelo Golpe de novembro de 37, maquiavelicamente assentada por sobre o radicalismo de esquerda e de direita que ele próprio permitiu prosperar, deu origem a um regime absolutamente ditatorial, com inequívocos sinais de totalitarismo fascista. Daí até 1945, quando os ventos democratizantes assoprados pelo fim da Segunda Guerra Mundial empurraram a ditadura para o colapso, o Brasil foi amordaçado, submetido à truculência comum aos regimes fortemente autoritários.

Reiterando a complexidade existente no personagem e nos fatos históricos que protagonizou, é hora de lembrar que coexistem em Vargas desse momento o ditador implacável - frio e calculista, que permite a prisão arbitrária, a mais abjeta tortura, a rígida censura e o endeusamento de si próprio - e o estadista que lança as bases do moderno desenvolvimento do país, sem se esquecer de uma legislação social que humanize a face de seu capitalismo.

O Presidente que volta ao poder em 1951, ungido pela expressiva vitória eleitoral de 1950, não mais pode contar com o poder discricionário que com tanto zelo exercera até ser deposto. Está bem mais velho, provavelmente descrente de muitas coisas que povoam o mundo da política e, talvez, sem a serenidade necessária para participar do jogo democrático.

Contudo, é o mesmo Getúlio defensor do desenvolvimento, ainda mais identificado com as correntes nacionalistas que, naquele contexto, propõem alternativas à submissão ao "capital estrangeiro", como se dizia à época. A decisão de assinar a Lei 2004, em outubro de 1953, criando a Petrobrás e instituindo o monopólio estatal do petróleo, foi e será sempre o símbolo maior do nacionalismo econômico que procurou impor ao seu governo.

É nessa perspectiva que se compreende sua decisão de lançar as bases da Eletrobrás, de modo a subordinar ao controle do Estado duas peças estratégicas para o esforço de desenvolvimento nacional - petróleo e eletricidade. É esse espírito que vai levá-lo a Belo Horizonte para a inauguração da Companhia Siderúrgica Mannesmann, naquele difícil 12 de agosto de 1954, uma semana depois do fatídico atentado contra Carlos Lacerda e menos de duas semanas antes do desfecho trágico da crise.

Ao decidir-se pelo tiro no peito, quando certa era a segunda deposição, Vargas altera o rumo da política brasileira. Nesse sentido, foi incomparável até na hora da morte. A impressionante manifestação de solidariedade popular ao maior de seus líderes, ainda que possa ter vindo tarde demais, impediu a consumação do golpe que se avizinhava e deu força aos que, algum tempo depois, impediriam nova ruptura institucional.

A bandeira getulista, profundamente identificada com o trabalhismo, foi por outros empunhada e, com altos e baixos, marcou a história brasileira. Do velho Partido Trabalhista Brasileiro ao atual Partido Democrático Trabalhista, as idéias trabalhistas não deixaram de ter quem as defendesse. Ainda que para seguir caminhos bem distintos, o próprio surgimento do Partido dos Trabalhadores se nutre da fonte por onde brotaram as águas getulistas.

Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Getúlio Vargas foi o governante que mais influenciou a política na República brasileira. Essa situação somente acontece com raros homens públicos, os quais, com justiça, podem ser chamados de estadistas. Aos cinqüenta anos de sua morte, nada mais natural que a Nação reflita sobre o significado de sua obra pública. Em vez de julgamentos, penso que à História cabe a tentativa de compreender os fatos passados e seus protagonistas.

Compreender não significa perdoar nem enaltecer. Significa, isso sim, o esforço para melhor entender o que fomos, o que somos, o que seremos. Entender o Brasil do século XX implica, antes e acima de tudo, examinar o papel nele exercido por Getúlio Vargas. A despeito do que pensam alguns, o legado getulista é forte demais para ser esquecido, é importante demais para se imaginar sepultado.

Aos homens públicos, Vargas deixou lições imorredouras, entre as quais podem e devem ser realçadas a lisura com o trato do dinheiro público, algo que nem o mais empedernido inimigo ousaria questionar, e a formidável capacidade de enxergar longe, aproximando um futuro intangível à realidade presente, transformando-a.

Aos brasileiros, de uma forma geral, Vargas ensinou ser possível construir o presente antecipando o amanhã, tendo por fundamento nossa até então adormecida capacidade de realização, de maneira inventiva, criadora.

Aos latino-americanos, Getúlio demonstrou ser possível encontrar brechas entre os poderosos do mundo para abrir os caminhos do desenvolvimento socialmente mais justo e menos dependente.

Por fim, ainda que pela negação do sentido de seu Estado Novo, nos fez compreender o valor insuperável da democracia, objetivo maior do qual a Nação não mais arreda pé.

Era o que eu tinha a dizer.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2004 - Página 27470