Discurso durante a 116ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2004 - Página 27477
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, REGISTRO, DADOS, HISTORIA, BRASIL, INICIATIVA, AUDITORIA, DIVIDA EXTERNA, INICIO, FISCALIZAÇÃO, EMPRESTIMO EXTERNO, ESTADOS, MUNICIPIOS, EFEITO, POSSIBILIDADE, RENEGOCIAÇÃO.
  • LEITURA, CARTA, SUICIDIO, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, trabalhando tanto nos comícios da campanha, estou com problema semelhante ao de V. Exª na garganta.

Quero apenas prestar uma homenagem à memória de Getúlio Vargas, ressaltando um aspecto importante da sua ação, que não chegou a ser mencionado até agora, mas que é relevante para o Brasil presente. Ainda há pouco, a Presidente da Unafisco, Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, chamou-me a atenção de que, em 1931, Getúlio Vargas havia determinado que fosse realizada uma auditoria da dívida externa brasileira. Foi instituída a Secretaria Técnica de uma comissão pelo Decreto nº 20.631, de 9 de novembro de 1931, cujo objetivo era “colecionar os contratos de todos empréstimos federais, estaduais e municipais”. Um ano depois, pelo Decreto nº 22.089, de 16 de novembro de 1932, realizou-se uma auditoria da dívida externa para se fiscalizar o serviço de empréstimos externos dos Estados e Municípios.

Sob a direção de Valentim Bouças, a Secretaria Técnica da Comissão de Estudos Econômicos e Financeiros dos Estados fez um levantamento completo, e isso foi importante para as inúmeras rodadas de renegociação da dívida externa, ocorridas em 1934.

Portanto, a partir de 1931, houve um significativo processo de exame da dívida externa brasileira, da dívida dos Estados, dos Municípios, que foi dividida em oito categorias e, para cada uma dessas categorias, foi definida uma redução da taxa de juros contratual. O Ministro Souza Costa salientou que o Governo conseguiu reduzir de 65%, 72,5%, 80% e até 82,5% as respectivas taxas de juros dos diversos empréstimos que estavam pendentes.

Houve um longo processo de renegociação da dívida externa durante a Era Vargas, que trouxe inúmeros benefícios: redução real dos pagamento de juros correspondentes aos acordos de 1934 e 1940; pagamento de juros não efetuados sobre empréstimos em crônica inadimplência, resgatados a 12% em 1943; juros atrasados que não foram totalmente pagos em 1943; ganhos relacionados com o resgate de empréstimos da categoria 8% a 12%; juros não cobrados sobre atrasados.

Todo esse procedimento acabou resultando numa redução significativa da dívida pública externa, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos. A dívida externa registrada diminui de US$1,294 bilhão em 1930 para US$698 milhões em 1945 e US$597 milhões em 1948.

A relação dívida externa-exportação de bens reduziu-se de 4,06 em 1930 para 1,07 em 1945 e 0,50 em 1948. O serviço da dívida externa como proporção das exportações caiu de30% em 1930 para 7% em 1945.

Hoje, temos uma proporção de serviços da dívida externa/exportações muito maior; uma relação de amortização de juros sobre as exportações da ordem de 64%, o que significa que talvez fosse importante ao Governo do Presidente Lula e ao Ministro Antonio Palocci estudarem os fatos ocorridos naquela época.

Acredito que este artigo de Reinaldo Gonçalves sobre as lições da Era Vargas, constante do livro Auditoria da Divida Externa: Questão de soberania, poderá servir como subsídio importante.

Dada a condição da minha voz, concluirei esta homenagem à semelhança de José Celso Martinez Corrêa hoje cedo. Não deixei crescer a barba e o cabelo, como fez José Celso para representar Antônio Conselheiro, em Os Sertões e Canudos. Ele, hoje pela manhã, na Cinelândia, numa homenagem a Getúlio Vargas, cortou a barba e o cabelo e leu a Carta-testamento. Também concluirei o meu pronunciamento lendo essa carta, que os senhores aqui presentes certamente conhecem muito bem, mas avalio que para os jovens de hoje, que assistem à TV Senado, seria importante a reflexão a respeito.

24 de agosto de 1954.

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.

Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.

Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançaram até 500% ao ano. Na declaração de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender o seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para uma reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje liberto-me para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”

Assim, Getúlio Vargas concluiu essa carta que estamos sempre a recordar.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, alguns erros sérios também foram cometidos por Getúlio Vargas, e muitos tiveram razão para se rebelar, sobretudo quando houve o cerceamento à liberdade de imprensa e o envio de Olga à Alemanha nazista. Mas há elementos muito fortes e positivos que justificam o fato de o povo brasileiro continuar a homenagear Getúlio Vargas.

            Eu próprio sou Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas, que, também, neste ano, comemora 50 anos.

            Portanto, aqui fica registrada a minha homenagem ao povo brasileiro, que guarda em Getúlio Vargas uma pessoa de extraordinária importância para a nossa história.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2004 - Página 27477