Discurso durante a 115ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a projeto que permite a desapropriação de terras em que foi verificada a existência do trabalho escravo.

Autor
Leomar Quintanilha (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/TO)
Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Comentários a projeto que permite a desapropriação de terras em que foi verificada a existência do trabalho escravo.
Publicação
Publicação no DSF de 24/08/2004 - Página 27387
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, CAMPANHA, FISCALIZAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, PREJUIZO, EMPREGO, DESENVOLVIMENTO, ATIVIDADE AGRICOLA.
  • ANALISE, INSTRUÇÃO NORMATIVA, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ESCLARECIMENTOS, TRABALHO ESCRAVO.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ADEMIR ANDRADE, SENADOR, CONFISCO, TERRAS, PRODUTOR RURAL, UTILIZAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO.
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, QUALIFICAÇÃO, CRIME HEDIONDO, TRABALHO ESCRAVO, PROIBIÇÃO, EMPRESA, PARTICIPAÇÃO, LICITAÇÃO, EXPORTAÇÃO, TRABALHO, CONTRATAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, UTILIZAÇÃO, MÃO DE OBRA, ESCRAVO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FISCAL, MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), QUALIFICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, DEFESA, NECESSIDADE, RESPEITO, PRODUTOR RURAL.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no momento em que a Câmara discute uma medida provisória que propõe a expropriação de produtores rurais em cujas propriedades foram identificados o trabalho análogo ao trabalho escravo, trago a esta Casa mais uma vez as considerações que faço a respeito, porque também condeno, não aprovo, repudio veementemente o trabalho escravo.

Sr. Presidente, preocupa-me a interpretação da legislação existente sobre o que é considerado trabalho escravo na propriedade rural e a forma como isso está sendo encarado pelos órgãos competentes.

Quero trazer ao conhecimento dos meus nobres Pares e de toda a sociedade brasileira uma preocupação que tem causado muita inquietação no segmento rural de nosso País. Trata-se da aplicação da legislação que define o trabalho escravo ou do trabalho realizado em condição análoga ao de escravo, a pretexto do qual têm se cometido inomináveis absurdos contra a classe que presta relevantes serviços à Nação.

O segmento rural, especialmente o agropecuário, tem dado sucessivas demonstrações de seu potencial, sendo responsável por uma verdadeira revolução no campo. O setor ostenta excelente desempenho, com reflexos altamente positivos nos índices de crescimento econômico e no saldo favorável da nossa balança comercial, o que se traduz na geração de mais emprego e renda para os brasileiros.

Os investimentos realizados em pesquisas, em novos processos tecnológicos, propiciaram altos índices de produtividade ao setor agropecuário, tornando-o competitivo no cenário econômico mundial. É por todos reconhecida a vocação do Brasil para a atividade primária, que, praticada de forma sustentada, pode ser o instrumento ideal para que o País supere esse longo período de estagnação econômica e volte a crescer em níveis desejáveis.

Aliás, o crescimento do País em mais de quatro pontos percentuais deve-se também às atividades do agronegócio, que têm origem no setor primário, no campo, na agricultura e na pecuária.

Entretanto, é preciso garantir as condições para que a atividade agropecuária se expanda. Não bastassem os entraves históricos ao desenvolvimento do setor, tais como a escassez de crédito e as restrições impostas para se ter acesso a ele, os produtores rurais agora se deparam com uma onda de intimidações e de constrangimentos. Refiro-me aos excessos cometidos em campanhas de fiscalização trabalhista em propriedades rurais pelo País afora, com o objetivo de identificar trabalho escravo. Realizadas muitas vezes de forma abusiva, constrangedora, inclusive com a exibição de armamento pesado, essas incursões pelas propriedades rurais têm causado extremo desconforto.

Dá-se a impressão ao brasileiro, principalmente ao homem urbano deste País, que a fazenda é um covil de malfeitores, que o fazendeiro é um bandido. Essa não é a realidade. As raízes da História do Brasil dizem com clareza que a força deste País, de há muito, vem do campo: do homem humilde, do trabalhador do meio rural.

Os excessos cometidos em campanhas de fiscalização trabalhista em propriedades rurais, com o objetivo de identificar trabalho escravo, são realizados de forma abusiva na grande maioria das vezes. Em alguns casos, os produtores são tratados com discriminação, como se estivessem desempenhando uma atividade ilegal.

É evidente que precisamos condenar qualquer forma de trabalho que seja ultrajante e que fira a dignidade humana, mas vejo a necessidade de se tratar com maior isenção certos episódios que são divulgados com grande alarde como sendo de trabalho escravo, como se isso fosse uma situação contumaz, como se isso existisse à larga neste País. Apresentam-se, de forma ultrajante, pessoas algemadas na televisão, alardeando-se que precisamos liberar os escravos no Brasil. Isso não existe mais neste País, salvo raras exceções, que precisamos coibir com toda força e com todo o rigor da lei. Entretanto, não podemos tratar de forma genérica essa situação, da forma como está acontecendo.

Num país em que existem milhões de pessoas necessitando desesperadamente de trabalho para sobreviver e em que os encargos sociais são proibitivos para uma relação formalizada de emprego, é complicado tratar qualquer oferta de trabalho como sendo exploração de trabalho escravo.

Ora, Sr. Presidente, a História Brasileira está aí para registrar quantos irmãos nossos, brasileiros de todas as índoles, que não tiveram oportunidade de se qualificar, de freqüentar os bancos escolares, fazem de sua força natural, de seus braços o instrumento de sustento seu e de sua família. Aquele que não pôde freqüentar os bancos escolares, que não pôde estudar, que não pôde receber a carga de informação necessária para ocupar cargos que exigem melhor qualificação, busca, principalmente no meio rural, o trabalho simples. Essas pessoas são importantes para o empregador rural, mas este também é importante para essas pessoas, que precisam trabalhar. A forma como essa qualificação de trabalho escravo no País está sendo feita intimida de tal maneira os proprietários rurais que eles simplesmente deixam de contratar mão-de-obra sazonal, que fica sem trabalho, embora as colheitas passem da hora; ou, então, eles buscam alternativas, como a mecanização de propriedades, como o controle de pragas com defensivos agrícolas, deixando assim de dar oportunidade àquele que precisa do trabalho braçal para o sustento próprio e o de sua família.

É preciso recordar que o trabalho escravo só ocorre quando há coerção para que alguém realize alguma atividade laboral e com a imposição de uma punição caso a pessoa se negue a realizar a tarefa da qual foi incumbida. Essa coerção vem sempre associada à proibição direta ou indireta do direito de ir e vir, através da alegação de uma dívida crescente e permanente. Pode caracterizar-se, ainda, pela retenção de salários e/ou documentos pessoais. Em casos extremos, há a utilização de violência física e/ou psicológica no trabalhador para obrigá-lo a permanecer no local de trabalho, com a utilização de “seguranças”, “capangas” e “fiscais”, às vezes portando armas de fogo. É preciso separar o joio do trigo. É preciso identificar esse tipo de atividade que, eventualmente, ainda possa existir em alguma propriedade e não tratar todos os proprietários rurais da mesma forma, com essa austeridade e com esse rigor.

A Instrução Normativa nº 1, de 1994, do Ministério do Trabalho, considera como condição análoga à de escravo a ocorrência de fraude, dívida, retenção de salários e documentos, ameaça e violência, para fins de cerceamento da liberdade. A Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho, de 1932, ratificada por diversos países, inclusive pelo Brasil, define o trabalho forçado como sendo todo tipo de trabalho ou serviço exigido sob ameaça de sanção e para o qual o empregado não se tenha oferecido espontaneamente.

Os trabalhadores colocados na condição de escravos podem ser arregimentados por intermediadores de mão-de-obra, conhecidos no meio rural como “gatos”, que os atraem para exercerem funções em outras localidades distantes, com falsas promessas de bons salários e acomodação gratuita no local de trabalho. Nesse caso, os trabalhadores, que podemos chamar de vítimas de um golpe, geralmente assumem uma dívida com transporte e com empréstimo inicial para deixar algum dinheiro à família. Chegando ao local de destino, são obrigados a adquirir as ferramentas de trabalho e a alimentação em armazém de propriedade do patrão a preços que transformam a dívida em uma bola de neve da qual não conseguirão mais se livrar. São submetidos a longas jornadas de trabalho em condições precárias e indignas, sob ameaça de maus-tratos em caso de baixa produção e até mesmo de morte no caso da tentativa de fuga. Mas essa não é a regra. Entendo que pode ser a exceção. Há casos de trabalhadores sazonais que ficam determinado tempo sem trabalhar e que, quando são convidados a trabalhar em fazendas distantes da cidade, Sr. Presidente, pedem ao proprietário rural um adiantamento para que possam deixar o suficiente para a alimentação das suas famílias. Efetivamente precisamos interpretar o que é dívida anteriormente contraída, com a qual se retém o empregado, se proíbe o empregado de ir e vir, e o que é aquela ajuda que se faz ao dar um adiantamento salarial sem nenhuma segurança de que a pessoa vá trabalhar com ele e não vá embora no dia seguinte, como ocorre inúmeras vezes. Eventualmente o trabalhador pega o adiantamento, vai trabalhar, não gosta do local de trabalho e deixa o fazendeiro no prejuízo. Estou seguro disso e a Federação da Agricultura poderá comprovar que ocorre inúmeras vezes. No entanto, não vi nenhuma reclamação de empresário rural e acredito que se ele reclamar junto ao Ministério do Trabalho ou à Federação da Agricultura ficará só na reclamação. Ninguém, nenhuma instituição, nenhum órgão vai atrás do empregado para procurar ressarcir o patrão dessa eventual perda. Por isso, precisamos ter bom senso e analisar as questões com o devido equilíbrio.

Por que não utilizarmos, Sr. Presidente, a visita preventiva de técnicos do Ministério do Trabalho à propriedade para que juntamente com o proprietário sejam identificados os problemas e seja marcado um período para a regularização? Pode ser de vinte ou trinta dias esse ajuste na propriedade, dependendo do grau de irregularidade que o fiscal, à luz da lei, interpretar. Não creio que a grande, a maioria absoluta dos fazendeiros, proprietários rurais do País queiram ou tenham interesse de trabalhar à margem da lei, não querem; querem trabalhar dentro da legalidade e dar a proteção conveniente e proporcional à atividade, ao seu trabalhador.

O Brasil vem assumindo posição de vanguarda em relação aos direitos humanos e apesar da tradição escravagista que vigorou durante a maior parte de nossa história é signatário de vários instrumentos internacionais, destacando-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, instituída na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas. No seu art. IV, a Declaração estabelece que “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.

Na Constituição Federal de 1988, há dispositivos que tratam dos direitos e garantias fundamentais, onde estabelece que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, sendo que o inciso III desse mesmo artigo estabelece que “ninguém será submetido à tortura nem à tratamento desumano ou degradante”.

Tramitam no Congresso Nacional propostas de agravamento das penalidades impostas aos responsáveis por promoverem trabalho escravo. A Câmara dos Deputados está prestes a votar a Proposta de Emenda à Constituição nº438, de autoria do Senador Ademir Andrade, que propõe o confisco das terras onde seja constada a prática de trabalho escravo, nos moldes do que já ocorre em relação ao cultivo ilegal de plantas psicotrópicas, sem direito do proprietário à indenização. Outro projeto tipifica como hediondo o crime cometido pelos responsáveis pela utilização de trabalho escravo, principalmente quando envolver menores de 14 anos. Propõe-se, ainda, que empresas que se utilizam de trabalho escravo sejam proibidas de participar de licitações públicas ou de receber incentivos fiscais. Há um projeto de lei que chama a atenção pelo absurdo ao prever que empresas nacionais ou sediadas em território nacional sejam proibidas de contratar com empresas que explorem trabalho degradante em outros países. Como exercer fiscalização de forma eficiente em empresas estrangeiras que possam desenvolver trabalho aqui? Como fazer valer uma posição desse tipo?

Que dizer, também, daqueles que se dispõem a arregimentar trabalhadores em outros locais e que são igualados pela legislação proposta aos que exploram o trabalho escravo? Muitas vezes, estão fazendo um grande bem, ajudando a prover ocupação para muitos que se encontram desempregados em seus locais de origem e levando mão-de-obra para regiões onde ela pode estar escassa.

Sr. Presidente, é necessário bom senso das autoridades na aplicação da legislação que define o trabalho escravo. Um fiscal do trabalho, por exemplo, não pode simplesmente, pelo fato de os trabalhadores não terem o devido registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social, concluir que se trata de trabalho escravo. Ele pode, nesse caso, punir a empresa por não efetuar o registro e não recolher as contribuições previdenciárias. Essa é a falta constatada. No caso de se detectar condições sanitárias e de acomodação precárias, é preciso considerar as características e as peculiaridades de cada região. É comum, em meu Estado, por exemplo, famílias residirem em casas de pau-a-pique, com cobertura de palha, sem a existência sequer de uma fossa séptica. Essa realidade pode ser observada diariamente em muitas cidades brasileiras, não somente no interior como também nos grandes centros urbanos. Com exigir de um empregador rural que este ofereça acomodações confortáveis em locais isolados, inóspitos, de difícil acesso para atender trabalhadores temporários que não têm em suas próprias residências um mínimo de conforto?

Sr. Presidente, sei que o meu Estado, o Tocantins, guarda muita semelhança com as peculiaridades do seu Estado, que V. Exª tão brilhantemente representa nesta Casa. Há muitas pessoas que moram com suas famílias há mais de 20, 30, 40 anos em casas de palha, parede de cobertura, piso de chão batido, sem fossa séptica, sem costume de usar a fossa séptica em sua moradia. Aliás, o Governo Federal tem um programa muito bem desenvolvido pela Fundação Nacional de Saúde que constrói fossas sépticas, instalações sanitárias em milhares de propriedades urbanas brasileiras que ainda não possuem.

Então é preciso que analisemos a situação para não chegarmos com os nossos costumes. Não conheço nenhum fiscal que tenha origem no meio rural, que tenha a vivência, que tenha o costume do meio rural. A grande maioria vive na cidade, tem o costume da cidade, mora em cidade pavimentada, tem energia elétrica em casa, na rua, tem escola no final do quarteirão, hospital no outro quarteirão, todo tipo de atendimento totalmente diferente do meio rural, da simplicidade da vida rural. Então, é preciso que haja bom senso, Sr. Presidente, e as nossas autoridades possam efetivamente respeitar e dignificar o cidadão que trabalha no meio rural com a sua família, de sol a sol, produzindo aquilo que é mais significativo para o ser humano, o alimento, sem o qual nenhum de nós passa um, dois, três, quatro ou cinco dias. Podemos passar três, quatro, dez ou cem dias sem o paletó, sem o automóvel, sem a caneta, sem o relógio, mas não passaremos esse tempo sem o alimento. E é o homem do campo, o homem do meio rural que provê a mesa de todo cidadão brasileiro desse elemento essencial à vida, que é o alimento.

Entendo, Sr. Presidente, que o produtor rural precisa ser tratado com respeito e com dignidade. Estou seguro de que a sua intenção é, com o seu trabalho, contribuir para o desenvolvimento da sua comunidade e do nosso querido Brasil.

Solicitaria, Sr. Presidente, já que fiz alguns apontamentos a mais, que V. Exª considerasse como lido o meu expediente, para que esse registro conste nos Anais desta Casa por inteiro.

Era o que eu gostaria de registrar.

Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR LEOMAR QUINTANILHA ************************************************************************************************

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna do Senado Federal para trazer ao conhecimento dos meus nobres Pares e de toda a sociedade brasileira uma preocupação que tem causado muita inquietação no segmento rural do nosso País. Trata-se da aplicação da legislação que define o trabalho escravo ou o trabalho realizado em condição análoga à de escravo, a pretexto da qual têm-se cometido inomináveis absurdos contra uma classe que presta relevantes serviços à Nação.

O segmento rural, especialmente o agropecuário, tem dado sucessivas demonstrações do seu potencial, sendo responsável por uma verdadeira revolução no campo. O setor ostenta excelente desempenho, com reflexos altamente positivos nos índices de crescimento econômico e no saldo favorável da nossa balança comercial, o que se traduz na geração de mais emprego e renda para os brasileiros. Os investimentos realizados em pesquisas e em novos processos tecnológicos propiciaram altos índices de produtividade ao setor agropecuário, tornando-o competitivo no cenário econômico mundial. É por todos reconhecida a vocação do Brasil para a atividade primária que, praticada de forma sustentada, pode ser o instrumento ideal para que o País supere este longo período de estagnação econômica e volte a crescer em níveis desejáveis.

Entretanto, é preciso garantir as condições para que a atividade agropecuária se expanda. Não bastassem os entraves históricos ao desenvolvimento do setor, tais como a escassez de crédito e as restrições impostas para se ter acesso a ele, os produtores rurais agora se deparam com uma onda de intimidações e de constrangimentos. Refiro-me aos excessos cometidos em campanhas de fiscalização trabalhista em propriedades rurais país afora com o objetivo de se identificar trabalho escravo. Realizadas muitas vezes de forma abusiva, constrangedora, inclusive com a exibição de armamento pesado, essas incursões pelas propriedades rurais têm causado desconforto. Em alguns casos os produtores são tratados com discriminação, como se estivessem desempenhando uma atividade ilegal.

É evidente que precisamos condenar qualquer forma de trabalho que seja ultrajante e que fira a dignidade humana, mas vejo a necessidade de se tratar com maior isenção certos episódios que são divulgados com grande alarde como sendo trabalho escravo. Num País em que existem milhões de pessoas necessitando desesperadamente conseguir um trabalho para sobreviverem e em que os encargos sociais são proibitivos para uma relação formalizada de emprego é complicado tratar qualquer oferta de trabalho como sendo exploração de trabalho escravo.

É preciso recordar que o trabalho escravo só ocorre quando há coerção para que alguém realize alguma atividade laboral com a imposição de uma penalidade se essa pessoa se negar a realizar a tarefa da qual foi incumbida. Essa coerção vem sempre associada à proibição direta ou indireta do direito de ir e vir, através da alegação de uma dívida crescente e permanente. Pode caracterizar-se, ainda, pela retenção de salários e/ou documentos pessoais. Em casos extremos há utilização de violência física ou psicológica do trabalhador para obrigá-lo a permanecer no local de trabalho, com a utilização de “seguranças”, “capangas” e “fiscais”, às vezes portando armas de fogo.

A Instrução Normativa nº 1, de 1994, do Ministério do Trabalho, considera como condição análoga à de escravo a ocorrência de fraude, dívida, retenção de salários e documentos, ameaça e violência, a fim do cerceamento da liberdade. A Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho, de 1932, ratificada por diversos países, inclusive pelo Brasil, define o trabalho forçado como sendo todo tipo de trabalho ou serviço exigido sob ameaça de sanção e para o qual o empregado não se tenha oferecido espontaneamente.

Os trabalhadores colocados na condição de escravos costumam ser arregimentados por intermediadores de mão-de-obra, conhecidos no meio rural como Gatos, que os atraem para exercerem funções em outras localidades distantes com falsas promessas de bons salários e acomodação gratuita no local de trabalho. Nesse caso, os trabalhadores, que podemos chamar de vítimas de um golpe, geralmente assumem uma dívida com o transporte e com um empréstimo inicial para deixarem algum dinheiro com a família. Chegando ao local de destino, são obrigados a adquirir as ferramentas de trabalho e a alimentação em armazém de propriedade do patrão, a preços que transformam a dívida em uma bola de neve, da qual não conseguirão mais se livrar. São submetidos a longas jornadas de trabalho, em condições precárias e indignas, sob a ameaça de maus tratos em caso de baixa produção e até mesmo de morte, no caso de tentativa de fuga.

Essas são algumas características do trabalho escravo, que se dá principalmente no meio rural, embora também se encontrem ocorrências no meio urbano, na maioria das vezes envolvendo a utilização de imigrantes ilegais, que buscam uma vida melhor fora de seus países de origem. A prática do trabalho escravo é uma atitude inaceitável no trato de semelhantes que já deveria ter sido extinta há muito tempo. Atualmente, até mesmo animais que auxiliam no trabalho humano são protegidos contra tratamento cruel.

O Brasil vem assumindo posição de vanguarda em relação aos direitos humanos e, apesar da tradição escravagista, que vigorou durante a maior parte de nossa história, é signatário de vários instrumentos internacionais, destacando-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, instituída na Assembléia Geral das Nações Unidas. No seu artigo IV a declaração estabelece que “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. O País é signatário também de outros instrumentos internacionais patrocinados pela Organização das Nações Unidas, pela Organização Internacional do Trabalho e pela Organização dos Estados Americanos, cujas normas foram transpostas para vigorarem no território nacional.

            Na Constituição Federal de 1988, apesar de não constar expressamente a palavra escravidão, nos dispositivos que tratam dos direitos e garantias fundamentais está assegurado, no artigo 5º, que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, sendo que o inciso III desse mesmo artigo estabelece que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

No que se refere à legislação infraconstitucional brasileira, o Código Penal tipifica, de forma detalhada, em seu art. 149, o crime de escravidão. A atual redação desse artigo é recente e foi dada pela Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. O art. 149 do Código Penal estabelece “pena de reclusão de dois a oito anos e multa, além de pena correspondente à violência, para quem reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. É de se notar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que essa pena é sumamente rigorosa, pois a aprovação da lei se deu num tempo e num clima em que há forte envolvimento do governo e da sociedade com o compromisso de eliminar a escravidão como forma de realização do trabalho.

Tramitam no Congresso Nacional propostas de agravamento das penalidades impostas aos responsáveis por promoverem trabalho escravo. A Câmara dos Deputados está prestes a votar a Proposta de Emenda à Constituição nº 438, de 2001, de autoria do Senador Ademir Andrade, que propõe o confisco de terras onde seja constatada a prática de trabalho escravo, nos moldes do que já ocorre em relação ao cultivo ilegal de plantas psicotrópicas, sem direito do proprietário à indenização. Outro projeto tipifica como hediondo o crime cometido pelos responsáveis pela utilização de trabalho escravo, principalmente quando envolver menores de 14 anos. Propõe-se, ainda, que empresas que se utilizam de trabalho escravo sejam proibidas de participarem de licitações públicas ou de receberem incentivos fiscais. Há um projeto de lei que chama a atenção pelo absurdo ao prever que as empresas nacionais ou sediadas em território nacional sejam proibidas de contratar com empresas que explorem trabalho degradante em outros países. Como exercer uma fiscalização eficiente nas empresas estrangeiras para verificar a existência de trabalho degradante ou escravo? Como fazer valer uma proposição desse tipo?

Que dizer, também, daqueles que se dispõem a arregimentar trabalhadores em outros locais e que são igualados pela legislação proposta aos que exploram o trabalho escravo? Muitas vezes, eles estão é fazendo um grande bem, ajudando a prover ocupação para muitos que se encontram desempregados em seus locais de origem e levando mão-de-obra para regiões onde ela pode estar escassa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é necessário bom senso das autoridades na aplicação da legislação que define o trabalho escravo. Um fiscal do trabalho, por exemplo, não pode simplesmente, pelo fato de os trabalhadores não terem o devido registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social, concluir que se trata de trabalho escravo. Ele pode, nesse caso, punir a empresa por não efetuar os registros e não recolher as contribuições previdenciárias. Esta é a falta constatada. No caso de se detectar condições sanitárias e de acomodação precárias é preciso considerar as características e peculiaridades de cada região. É comum, no meu Estado, por exemplo, famílias residirem em casas de pau a pique, com cobertura de palha, sem a existência sequer de uma fossa séptica. Essa realidade pode ser observada diariamente em muitas cidades brasileiras, não só no interior mas também nos grandes centros urbanos. Como exigir de um empregador rural que este ofereça acomodações confortáveis em locais isolados, inóspitos, às vezes de difícil acesso, para atender trabalhadores temporários que não têm em suas próprias residências um mínimo de conforto? 

Como aceitar que se puna o proprietário, inclusive com a perda de suas terras se, por exemplo, os pais levarem as crianças para o trabalho quando o contrato é por produtividade? A ação de trabalho infantil, nesse caso, decorre de uma iniciativa dos pais, sobre a qual se torna difícil o patrão exercer controle total. Também pode se dar o caso de proprietários que residem distante de suas propriedades agrícolas. Como proceder se os administradores utilizarem por sua conta e risco o trabalho escravo, para se apropriarem até mesmo do valor dos salários dos trabalhadores? É justo, nesse caso, punir o proprietário com a perda de suas terras?

Outra questão que precisa ser considerada é que a fiscalização do trabalho tem se amparado em instruções normativas do Ministério do Trabalho aplicáveis estritamente aos trabalhadores urbanos, as quais não encontram equivalência na legislação que disciplina o trabalho rural. Como resultado, temos uma elevação assombrosa no número de irregularidades, por conta da aplicação de regras criadas especificamente para o meio urbano. Não há como comparar o trabalho urbano com o rural, que guarda características e especificidades próprias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para imputar a alguém a responsabilidade de promover trabalho escravo, com todas as penalidades decorrentes desse crime, é necessário que haja provas irrefutáveis dessa condição, tais como a existência de seguranças armados no local, cerceando os trabalhadores no seu direito de ir e vir; a obrigatoriedade de comprar no armazém do patrão a preços extorsivos e outros fatos que evidenciem tratar-se de condição degradante e análoga à escravidão. Além disso, é imprescindível que se garanta o direito de ampla defesa aos acusados dessa prática, com a instauração do devido processo legal e a concessão do tempo necessário para a sua tramitação. Não é possível que se condene sumariamente uma pessoa, expondo-a a execração pública através da mídia, sem que lhe seja facultado o direito constitucional de se defender, como temos assistido.

É preciso tomar muito cuidado para se evitar que os proprietários rurais sejam simplesmente satanizados. Não é justo esse tratamento preconceituoso com uma classe que, em sua grande maioria, dá uma enorme contribuição ao crescimento deste País. Também é preciso muito cuidado e rigor nas fiscalizações, pois os agentes do governo não podem extrapolar suas atribuições e nem se colocar acima da lei, efetuando autuações sem fundamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pretendo, com este pronunciamento, defender a impunidade daqueles que são realmente culpados. Considero que qualquer forma de escravidão é totalmente inaceitável no estágio civilizatório a que chegamos. Por outro lado, o Governo vem fazendo grande alarde em torno de seu “Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo”. É claro que se trata de iniciativa das mais louváveis, mas a busca desenfreada por resultados não pode desaguar em prejuízos àqueles que trabalham seriamente em suas propriedades rurais.

Reconheço que as regiões muito afastadas dos centros urbanos são mais passíveis de abrigarem pessoas mal intencionadas, inescrupulosas, capazes de utilizar mão-de-obra escrava. Sei que o meu Estado do Tocantins oferece condições favoráveis a esse tipo de exploração humana, aparecendo em posição de destaque entre as unidades federativas onde existe o trabalho em condições indignas, colocando-se como o terceiro Estado em ocorrências, atrás apenas do Pará e do Maranhão. Mas o meu objetivo, com este pronunciamento, é chamar a atenção dos brasileiros para evitar que abusos de autoridade e a apresentação de resultados enganosos no que se refere a objetivos sociais acabem desembocando em sérias e irremediáveis injustiças a proprietários rurais que muito doam de si para o engrandecimento desta Nação.

O segmento rural precisa é de apoio para continuar cumprindo a sua função social, produzindo cada vez mais alimentos e gerando emprego e renda para os brasileiros.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/08/2004 - Página 27387