Discurso durante a 118ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Proposta de aliança pelo choque social no Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Proposta de aliança pelo choque social no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/2004 - Página 27635
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REITERAÇÃO, VOTO, ORADOR, APOIO, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, INFERIORIDADE, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, CONFIANÇA, COMPROMISSO, PROVIDENCIA, POLITICA SOCIAL, GARANTIA, ACESSO, POPULAÇÃO CARENTE, EDUCAÇÃO, SAUDE, HABITAÇÃO, TRANSPORTE.
  • REGISTRO, GESTÃO, ORADOR, TENTATIVA, ACORDO, GOVERNO FEDERAL, IMPLEMENTAÇÃO, PROVIDENCIA, POLITICA SOCIAL, DETALHAMENTO, SUGESTÃO, ESCLARECIMENTOS, TRAMITAÇÃO, APROVAÇÃO, COMISSÃO MISTA, ORÇAMENTO, PROTESTO, VETO (VET), PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL, LIDER, GOVERNO, SENADO, REPUDIO, PERDA, TRABALHADOR.
  • CONCLAMAÇÃO, UNIÃO, CONGRESSISTA, DERRUBADA, VETO (VET), PROJETO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EXIGENCIA, CUMPRIMENTO, ACORDO, GOVERNO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Maguito Vilela, Srªs e Srs. Senadores, vim pedir desculpas. E propor uma aliança. Vim pedir desculpas a cada um dos Senadores por ter, dois meses atrás, pedido voto para um salário mínimo de R$260,00. Vim pedir desculpas porque tentei convencer muitos a votar favoravelmente a esse salário mínimo com base em um compromisso assumido com o Governo de que, ao lado do salário mínimo de R$260,00, seria dado um choque social que transformaria a realidade de nosso País ao longo de alguns anos.

Vim pedir desculpas aos seis mendigos mortos, e suas famílias, e aos quatro feridos na cidade de São Paulo. Ao José Antônio Andrade Souza, e sua família, aquele homem de 30 anos que morreu meses atrás, após ter ateado fogo ao próprio corpo em frente ao Palácio do Planalto. Vim pedir desculpas a essas pessoas que não têm escola de qualidade, que não comem o necessário, que não têm água ou esgoto. Muito especialmente, vim pedir desculpas a todos que vivem com um salário mínimo - que eu votei - de R$260,00 por mês.

Não vim pedir desculpas por malfeitos, por qualquer desvio de conduta ética, mas pelo grave erro político que cometi ao acreditar que o Governo ao qual pertenço cumpriria o acordo assumido aqui de realizar um choque social para beneficiar os pobres brasileiros.

Na política, ingenuidade é um pecado. Pecado que eu cometi.

Dois meses atrás, no momento de votar o novo salário mínimo, vim a esta tribuna defender a proposta de R$260,00 apresentada pelo Governo. Defendi e pedi o voto de meus colegas Senadores e minhas colegas Senadoras, com base no argumento de que o Governo teria aceito o choque social. Afirmei, convicto, que os pobres brasileiros ganhariam muito mais com o resultado dessas medidas do Governo do que o aumento de R$15,00 por mês da proposta alternativa.

Coerente com uma antiga posição minha, desde o Governo anterior, defendi que o caminho para saída da pobreza não está em um valor maior ou menor do salário mínimo, mas na garantia do acesso universal à escola com qualidade, ao serviço médico competente no momento necessário, à moradia com saneamento, ao transporte público eficiente.

Coerente com essa visão, que venho defendendo há anos, falei nesta tribuna, defendendo o meu Governo diante dos limites orçamentários que enfrenta, enquanto manifestava meu descontentamento por não se diferenciar dos governos anteriores no tratamento dado aos pobres, como prometeu. Afirmei ainda que não votaria a proposta de R$260,00 para o salário mínimo nem no ridículo aumento de R$0,50 por dia que a Oposição oferecia, como esmola, como provocação ou como demagogia. O objetivo deveria ser atender às necessidades básicas do povo, dando-lhe acesso aos serviços de que ele precisa.

Hoje peço desculpas aos pobres que acreditaram na promessa de um choque social, que eu, desta tribuna, disse que seria feito, com base no acordo assumido diante dos Líderes do Governo nesta Casa. Peço desculpas à Oposição, a que chamei de demagógica. Peço desculpas aos colegas, Senadores e Senadoras, a quem tentei convencer a mudar de voto, como a Senadora Serys Slhessarenko, o Senador Paulo Paim e o Senador Flávio Arns, e agradeço que S. Exªs não tenham aceito os meus argumentos e tenham mantido o seu voto.

Baseei meus argumentos em uma lista de 18 pontos que permitiriam realizar um choque social no Brasil a um custo menor do que os R$15,00 de aumento para cada trabalhador. E com impactos definitivamente melhores no presente e, principalmente, no futuro do povo e do País.

Um choque social que poderia significar os primeiros passos que o Brasil até hoje espera para completar a abolição e a República. Os dezoito pontos que apresentei foram negociados durante semanas. Primeiramente, o Ministro Palocci me convidou para conhecer os detalhes da proposta. Em reunião no Palácio do Planalto, no dia 8 de junho, S. Exª me disse que, em princípio, estava de acordo, e pediu que entrasse em contato com os seus assessores. No dia 15 de junho, às 15h30, na sala do Líder Renan Calheiros, na presença do Líder Aloizio Mercadante e da Líder Ideli Salvatti e diante de mais uma dezena de parlamentares, os Srs. Bernard Appy, Secretário-Executivo do Ministério da Fazenda, e Marcos Lisboa, Secretário de Política Econômica do meu Ministério, exigiram a eliminação de algumas das medidas que eu defendia, argumentando dificuldades para cumprir todo o programa. Depois de discussões, chegamos a um conjunto de doze medidas. Dos dezoito itens propostos, baixamos para doze, para que a proposta fosse realmente viável.

Eliminamos coisas fundamentais, como:

1) garantia de vaga para todas as crianças na escola mais próxima de sua casa, no dia em que completasse quatro anos de idade, conforme consta do programa de Governo do Presidente;

2) a idéia de enviar ao Congresso um projeto de lei para definir o salário e um piso salarial para os professores de todo o País;

3) garantia da obrigatoriedade do Ensino Médio;

4) criação da poupança escola;

5) estabelecimento da gratuidade de remédios aos aposentados que ganhassem menos de dois salários mínimos;

6) antecipação da implementação do programa Renda Mínima para fim de 2005, em vez de 2006.

Eliminamos tudo isso para deixar que apenas o que fosse possível, de acordo com o Governo.

Mantivemos um choque social limitado a:

1) envio ao Congresso Nacional do projeto que permite o início da implantação do Fundeb;

2) envio ao Congresso Nacional de programa de aumento do valor do salário mínimo;

3) aceleração do Programa Brasil Alfabetizado, visando à eliminação do analfabetismo de jovens e adultos até 2007;

4) incremento da realização de obras de saneamento, de forma a propiciar a contratação de, no mínimo, 500 mil trabalhadores;

5) aceleração da implantação do Programa Bolsa Família, de forma a beneficiar, em curto prazo, todas as famílias que necessitam. A minha idéia inicial era aumentar o valor da Bolsa Família, mas a substituímos pelo aumento do número, por exigência do Ministério da Fazenda.

6) aceleração da implantação de farmácias populares;

7) aceleração do desenvolvimento do Programa de Habitação Popular;

8) aceleração da implementação das ações orçamentárias relacionadas à reforma agrária;

9) ampliação do número de municípios beneficiados pelo programa Saúde da Família;

10) promoção do aumento de recursos destinados ao Programa de Microcrédito;

11) encaminhamento ao Congresso Nacional de programa específico, com metas objetivas e instrumentos definidos, com prazo marcado, para abolição do trabalho e da prostituição infantil.

12) aceleração da execução dos programas que visam garantir acesso da população à água de boa qualidade.

Todos esses doze pontos representam benefícios para o povo, todos previstos no programa do Governo, todos aceitos pelo Ministério da Fazenda.

Não pedi a nomeação de ninguém para votar favoravelmente ao salário mínimo de R$ 260,00. Não pedi liberação de nenhuma emenda para votar os R$ 260,00. Pedi que se cumprissem pontos que constam do programa de Governo e que interessam ao povo brasileiro.

Esses doze pontos foram levados à discussão dentro do Congresso. Por isso, senti-me à vontade, naquele momento, de defender o salário de R$ 260,00. Vim a essa tribuna e fiz a defesa.

O relator, Senador Garibaldi Alves Filho, teve uma extrema sensibilidade e uma grande competência e incorporou o choque social acertado com o Governo no seu relatório. Relatório que foi debatido na Comissão Mista de Orçamento e depois trazido a Plenário, onde foi aprovado por todos.

No debate realizado na Comissão de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, o Governo ainda exigiu a retirada de um item que estava no acordo inicial: a proibição do contingenciamento do dinheiro para esses itens. Mesmo assim, aceitamos isso, e a matéria foi aprovada, deixando ao Governo o poder de contingenciar, conforme havia acertado. Qual não é a surpresa quando, no dia 13 de agosto, sexta-feira, leio nos jornais que o Presidente Lula havia vetado toda a idéia do Choque Social. Uma lei que, muitos me diziam, morreria no papel, mas que nem ao papel deixaram chegar. E ninguém - pior é isso! -, Senador Mão Santa, ninguém foi convidado a argumentar a favor do cumprimento do acordo. Os Líderes, avalistas do processo, Renan Calheiros, Aloizio Mercadante e Ideli Salvatti, não foram ouvidos, nem sequer informados.

Viajei na sexta-feira, 13 de agosto, para São Paulo. O Senador Mercadante estava comigo. Perguntei-lhe por que não me avisou, ele me disse que não sabia - o que é mais grave ainda!

Pois bem, aqui estou por isso, pedindo desculpas pelo erro de ter passado aos meus Colegas e ao povo brasileiro a idéia de que valia a pena votar um salário mínimo de R$260,00, porque o Governo daria compensações sociais ao nosso povo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Ouço o Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Professor Cristovam Buarque, este é o seu perfil. Professor, mestre, aquele que se iguala a Cristo! Não se chama Senador de mestre; não se chama Presidente, empresário, rico, banqueiro de mestre! Agora, começo a entender o que aprendi: a história se repete. Diante de V. Exª e do busto de Rui Barbosa, entendi por que V. Exª perdeu o ministério. Somente agora. Rui Barbosa, que trabalhou pela Abolição e, depois, pela República, queria o poder civil, mas os militares queriam continuar e pediram a Rui Barbosa que continuasse com a chave do cofre: o Ministério da Fazenda. Ele disse: “Não troco a trouxa das minhas convicções por um ministério”. Eles entenderam que V. Exª não iria trocar suas convicções. Falo aqui em nome do Piauí e do Brasil. Acredito em Deus, no estudo e no trabalho. Posso falar pela mocidade estudiosa, porque eu a compreendo. Ela não o desculpa; a mocidade estudiosa do Brasil lhe agradece e o aplaude. Creio que ninguém o excedeu na tarefa de trazer a boa educação. Agradeço a Deus ter sido Governador na mesma época em que foi V. Exª. Seguindo a sua inspiração, implantei, no Piauí, a semente do saber. Mas V. Exª foi o ícone desse projeto. Nada mais bonito, na área da educação, do que o programa da merenda escolar. Não é preciso fazer teste de DNA, porque V. Exª é o pai e a mãe do mais sério programa educacional brasileiro: o Bolsa-Escola.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Obrigado, Senador Mão Santa.

Ouço o Senador Efraim Morais.

O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - Senador Cristovam Buarque, inicialmente, quero parabenizar V. Exª pelo pronunciamento. Relembro que, na época da votação do salário mínimo, esta Casa aprovou a concessão de mais R$15,00, e V. Exª estava confiante no trabalho que tinha realizado, porque V. Exª avançava mais do que todos nós com aquela proposta, uma questão de bom senso de V. Exª. Quero adiantar que - na época, eu era Líder da Minoria, e hoje a Liderança está sob o comando do nosso querido Senador Sérgio Guerra - a Oposição aceita as desculpas de V. Exª e entende o porquê dessas desculpas. V. Exª está acima de todas essas picuinhas. V. Exª é um Parlamentar lúcido, que pensa no País, como está pensando a Oposição. Quando apresentamos aquela proposta de aumento de R$15,00 nós o fizemos com responsabilidade porque sabíamos que havia recursos suficientes no Orçamento para isso. Vamos nos reportar ao nosso Nordeste, à minha Paraíba, vizinha ao seu Pernambuco. Esses R$15,00 tinham uma importância extraordinária para o trabalhador brasileiro, principalmente para o aposentado, porque, quando aumentássemos os R$15,00 estaríamos aumentando também o salário dos aposentados. E veja V. Exª: uma cidade de porte médio, na Paraíba, tem em média dez mil aposentados. O que significam esses R$15,00 a mais? Cento e cinqüenta mil reais estariam circulando na economia daquele Município e gerando emprego. V. Exª votou contra a matéria, mas o fez diante de uma proposta que foi criada por V. Exª. O seu argumento convencia, talvez aos seus próprios eleitores. Não convenceu a Oposição naquele momento. O Governo assumiu o compromisso e não o cumpriu, o que não é novidade nesta Casa. Os Líderes do Governo têm assumido compromissos nesta Casa e não os têm cumprido. Quero só lembrar um único fato para justificar o que V. Exª está dizendo: a PEC paralela, que aprovamos por unanimidade nesta Casa. Entramos em entendimento, fizemos um acordo, e a Liderança do Governo não o cumpriu. A matéria está lá na Câmara, na pauta ou na gaveta, não sei! Na verdade, foi enganado o Congresso Nacional e foi enganada a sociedade brasileira. Portanto, quero dizer que sou solidário a V. Exª. Quero parabenizar V. Exª por mais esse gesto de grandeza. A Oposição entende, perdoa e está ao seu lado. Sabemos que V. Exª não tem sido entendido pelos membros do Governo que aí estão. A Oposição está solidária e vai precisar do apoio de V. Exª para que, no próximo ano, juntos, possamos aumentar o salário mínimo, que o próprio Governo do PT, para chegar ao Governo, disse, no palanque, cometendo estelionato eleitoral, que iria dobrar. Porém, estamos vendo a proposta indecente que foi feita pelo Governo do PT em relação ao salário mínimo. Parabéns a V. Exª!

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Obrigado, Senador.

Não tenho a menor dúvida de que, coerente com o que eu defendia antes, seria muito melhor para o povo realizar essas medidas sociais em vez de conceder apenas mais R$15,00. Mas estou de acordo com V. Exª. Diante do não-cumprimento do acordo, que pelo menos fossem dados os R$15,00; cinqüenta centavos por dia seria melhor do que nada, como é o que vai acontecer.

Senador Magno Malta.

O Sr. Magno Malta (PL - ES) - Senador Cristovam Buarque, comecei a ouvir o seu pronunciamento no gabinete e me desloquei de lá para vir aparteá-lo. V. Exª hoje cresce ainda mais no meu conceito, que já tinha uma pontuação muito alta. O gesto de V. Exª revela um homem muito grande. O seu gesto é muito nobre, e só os nobres têm coragem, publicamente, de se desculpar, principalmente com aqueles que estão abaixo da linha da miséria. V. Exª se desculpou com o cidadão que ateou fogo ao corpo em frente ao Palácio do Planalto. Esse cidadão é do meu Estado, do Município de Cariacica. Fui visitá-lo aqui, estava todo inchado, queimado, para amparar a esposa e a tia que lá estavam. Fico imaginando que a população nos cobra muito pouco. Mas há algo que nem os mais simples perdoam: a incoerência. Um homem precisa ser coerente no que fala, no que prega. É preciso ter uma linha. E salário mínimo, Senador, é algo tão sagrado, tão importante, que não se pode tocar nele. Não sou psicólogo, nunca estudei Psicologia, gostaria até de ter estudado, mas imagino que, quando um cidadão ganha R$2 mil, e alguém lhe diz: “a prestação que você vai pagar é de R$300,00”, ele acha que a prestação está até baixa. Não ficou tão pesado para ele. Quando ele ganha dez mil, e alguém lhe diz: “a prestação é R$300”, é fácil pagá-la; mas se diz que a prestação é de R$4,5 mil, para quem ganha R$10 mil já vai ficando meio pesado, porque a nossa cabeça gira em torno da nossa convivência e vivência diárias. Uma prestação de R$15,00 é muito alta para quem ganha R$240,00, mas um aumento de R$15,00 é uma coisa muito boa. As pessoas simples, quando entram com R$10,00 nas lojas onde se vendem cuscuzeiros, ralador de coco e bandejas por R$1,99, fazem uma festa. Imagine V. Exª que um sujeito com R$15,00 pode comprar cinco quilos de carne de terceira, ou cinco quilos de arroz, e, se for comprar verduras na feira, precisa de algumas pessoas para ajudá-lo a carregá-las. Para um pobre, R$15,00 são importantes para comprar um bujão de gás, para pagar a luz e a água. Isso, então, é princípio e em princípio não se toca, não se muda. Respeito o Presidente Lula porque Sua Excelência tem um coração misericordioso e seu discurso é sacerdotal. Não sei por que os auxiliares não colocam em prática aquilo que Lula fala publicamente, no exercício da sua misericórdia. Isso é o que traz e conduz V. Exª, um homem com a índole que tem, a tomar esse posicionamento na tribuna. Parabéns a V. Exª, em nome das minhas tias e primas pobres, que vivem na periferia de São Paulo e no interior da Bahia, dos meus parentes e da minha mãe, que morreu ganhando meio salário mínimo por mês. É em nome dessa gente que parabenizo V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Obrigado, Senador.

Sr. Presidente, quero continuar dizendo que, nesse processo, todos perdemos no Brasil. Perderam, de maneira muito grave, os Líderes do Governo nesta Casa, que falaram em nome do Governo naquele momento. Na primeira vez que acreditamos, cometemos o pecado da ingenuidade; na segunda vez, o da estupidez; na terceira, o da cumplicidade, qual seja, o de aceitar um acordo sabendo que não será cumprido.

Sr. Presidente, sinto-me obrigado a falar, porque, se eu não falasse, daria a impressão de que participei de uma conspiração para vender um salário de R$260,00. Fui ingênuo; porém, não fui cúmplice.

Perderam também, de uma maneira muito especial, os trabalhadores brasileiros, que ficaram com os seus salários de R$260,00, sem ter mais avançado no benefício social; perdeu o Brasil, que poderia ter dado um grande passo, decisivo para realizar o seu projeto de inclusão; perdeu muito o Presidente Lula, que fica como Chefe de um Governo que veta um projeto depois de ter sido aprovado aqui, por acordo com seus Líderes e Ministros. Portanto, somos todos perdedores e venho pedir desculpas pela minha participação nesse erro.

Sr. Presidente, não perdi a esperança. Quero usar o erro, a derrota, como instrumento para avançarmos na luta pelo povo brasileiro e pelo futuro de um Brasil com justiça social.

Por isso, ao mesmo tempo em que venho pedir desculpas, quero propor aqui uma aliança de todos para levarmos adiante o choque social que o veto tentou impedir neste momento; uma aliança que nos una, independentemente do Partido, para derrubarmos o veto do Governo, para exigirmos o cumprimento dos acordos feitos para beneficiar o povo mais pobre; uma aliança que vá além e faça sair do Senado um desafio à Câmara dos Deputados, para que nos acompanhe nessa luta pela derrubada do veto, mas não mais com ingenuidade.

Sabemos das dificuldades para se conseguir derrubar um veto, por isso essa aliança deve ir além e tentar colocar no Orçamento aquilo que o choque social tentou tirar. O Senador Garibaldi pode ser uma peça-chave nesse processo. Ninguém conhece melhor as regras para a elaboração do Orçamento de 2005, poucos assumiram o compromisso, como S. Exª, do choque social, e é possível que muitos daqueles itens vetados voltem ao Orçamento sob forma e dentro de rubricas que já existem.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Peço permissão para concluir, Senador Presidente. Houve muitos apartes e, inclusive, deixei de concedê-los aos Senadores Fernando Bezerra e Sérgio Guerra. Peço paciência para concluir.

O SR. PRESIDENTE (Maguito Vilela. PMDB - GO) - Eu só gostaria de pedir a V. Exª e aos aparteantes que sejam breves, porque há muitos oradores inscritos e o tempo já está extrapolado. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Para concluir, não quero deixar de conceder um aparte ao Senador Sérgio Guerra.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - O Senador Cristovam Buarque é um pernambucano cuja palavra conhecemos há muitos anos. Ninguém é mais do PT do que S. Exª e tenho certeza de que ninguém deseja mais o sucesso do Governo do Presidente Lula do que o Senador Cristovam. No seu discurso de hoje, S. Exª contribui com o Governo muito mais do que algumas dezenas de discursos laudatórios, que não têm conteúdo e que não conduzem a coisa alguma. Vivemos uma situação complicada no relacionamento do Executivo com o Legislativo, não apenas pela proliferação inconseqüente de medidas provisórias, mas também por situações que se vão criando, como essa. Estranho tudo isso. Tenho, como acredito tenha o Senador Cristovam, confiança nos Líderes do Governo - Senador Aloizio e Senador Fernando Bezerra -, e tenho certeza de que S. Exªs jamais fariam um acordo se não tivessem a expectativa e a garantia de que seria cumprido. Mas o fato concreto é que, nesse caso, como em outros, os acordos são feitos, as concessões mútuas desenvolvem-se e, no final, o Executivo não cumpre o que foi acertado aqui. A execução do Orçamento deste ano é comprometedora num nível que jamais existiu no Brasil. Não há respeito pela vontade parlamentar de forma alguma. Esse viés autoritário, que surge por todo lado, e vamos percebendo que, de fato, se concretiza numa medida dessas, é algo que nos preocupa profundamente. Não é o que desejamos. O Senador Cristovam traz um ponto concreto de um Senador da Oposição que talvez não tenha sido ingênuo, apenas apostou na responsabilidade pública dos brasileiros, no plural, e do Governo em particular. O Governo não cumpriu a sua responsabilidade. Não se está conduzindo de forma correta em relação ao Congresso, o que cria precedentes extremamente perigosos, que não são do interesse da Oposição e não deveriam ser de ninguém do Governo.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Passo, como último aparte, para poder concluir, a palavra ao Senador Fernando Bezerra.

O Sr. Fernando Bezerra (Bloco/PTB - RN) - Senador Cristovam Buarque, eu queria que todos nesta Casa soubessem da grande admiração que tenho por V. Exª, como nordestino, como um mestre, como aqui colocou o Senador Mão Santa, por quem tenho, sinceramente, uma profunda admiração, que não é de agora. Eu queria concordar e discordar em parte do pronunciamento de V. Exª. Como V. Exª sabe, sou Líder do Governo no Congresso Nacional e tive a responsabilidade na condução das negociações em torno do Orçamento, porque esse era o meu dever. E lamento profundamente - e aí dou toda a razão a V. Exª, com quem conversei, assim como com o Senador Garibaldi. Pelos entendimentos que tivemos para uma aprovação mínima, não era o que V. Exª desejava, que era muito além, mas a compreensão de V. Exª é de que aquilo era o possível e de que o Governo avançaria, como tenho a convicção de que avançará, na questão social. Com essa parte do discurso de V. Exª concordo absolutamente e sinto-me diminuído, inclusive, com os demais Líderes, quando o Governo tomou a decisão unilateral de promover o veto ao Orçamento naquilo que havíamos combinado. Eu era, no Congresso Nacional, a palavra do Governo. Não concordo, porque considero falso - apesar de muitos amigos meus terem falado - o discurso sobre o salário mínimo. Na época em que se discutiu, nesta Casa, o salário mínimo, Senador Cristovam Buarque, eu ia fazer um pronunciamento em que me situaria de forma a não compreender em que tempo eu vivia, porque fui Líder, fui Ministro do Governo de Fernando Henrique Cardoso e tive que compreender e votar coerentemente com as limitações da Nação o valor do salário mínimo. Não é correta a colocação de que o País poderia pagar mais do que R$260,00. Essa é uma atitude política, com a qual não podíamos concordar. Esse é o ponto de discordância que tenho em relação ao discurso de V. Exª. Tenho a mais absoluta convicção. Não sou do Partido de V. Exª. Apoiei o Presidente Lula no segundo turno. No primeiro turno, o meu Partido votou com o candidato do PTB, Ciro Gomes. Mas todos os cidadãos de bom senso compreendem que a Previdência Social, que está estourada, não suportaria um salário mínimo maior do que esse. A proposta de V. Exª é inteligente, é uma proposta de compensação de um País que não podia dar um outro salário mínimo. Mas que tinha que oferecer compensações sociais - o que V. Exª chamou de choque social, esse choque social que apóio e sobre o qual, dentro do possível, nós nos entendemos na aprovação do Orçamento. Lamentavelmente, o Governo chegou a vetá-lo. Essa era a distinção que gostaria de fazer. Fiquei preocupado, porque todos os apartes a V. Exª foram da Oposição. A discussão do salário mínimo é algo velho, já passou, e essa mesma Oposição tantas vezes votou contra o aumento do salário mínimo que V. Exª e seu Partido propuseram nesta Casa. Permaneço coerente. Não quero, aqui, fazer um discurso para chamar para mim o centro dessa decisão. Mas fiquei muito à vontade, porque, coerentemente, defendi o salário mínimo que era possível o País pagar. O que é preciso é fazer o País crescer - como está crescendo agora. O Governo está obtendo resultados econômicos, a política econômica está aí. Geramos 1,2 milhão de empregos e estamos, hoje, com um saldo na balança comercial de que o País nunca desfrutou. E há tantos itens sobre os quais não nos interessa falar no momento. Então, era necessário mostrar essa posição, de apoio a V. Exª, mas também de restrição a esse discurso, que considero político em relação ao salário mínimo. Muito obrigado.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Peço desculpas aos Senadores que solicitaram aparte, mas a Mesa já me cobrou muitas vezes...

O SR. PRESIDENTE (Maguito Vilela. PMDB - GO) - Senador Cristovam Buarque, peço a V. Exª que conclua, pois já se passaram onze minutos. Existem outros Senadores inscritos.

O Sr. Magno Malta (PL - ES) - Senador Cristovam Buarque, não vou tomar tempo de V. Exª. Eu apenas gostaria de dizer ao Senador Fernando Bezerra que, com relação a mim, S. Exª está falando a verdade, porque fui Deputado Federal por quatro anos e sempre votei contra o salário mínimo proposto pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, junto com o PT.

O Sr. Fernando Bezerra (Bloco/PTB - RN) - Nem citei V. Exª, Senador Magno Malta.

O SR. PRESIDENTE (Maguito Vilela. PMDB - GO. Fazendo soar a campainha.) - Peço a V. Exª que conclua, Senador Cristovam Buarque, porque agora começam as discussões paralelas.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, concluo meu discurso dizendo, em primeiro lugar, ao Senador Fernando Bezerra, que nunca achei que a pobreza será resolvida por meio do salário, mas com educação e saúde. Sempre considerei que não é o aumento da renda que tira alguém da pobreza, mas, sim, a universalização do acesso aos bens e serviços. Fui coerente quando defendi o choque em vez do salário mais alto. Mas penso que houve, sim, um processo de abandono de compromisso.

Fecho, Sr. Presidente, reafirmando essa idéia de fazermos entre nós uma aliança por um choque social no Brasil. Não precisa ser aquele que coloquei, não precisa ser aquele que combinamos com o Governo, mas um choque social que faça que o Senado comece a trabalhar em uma campanha a favor de medidas que nos permitam chegar daqui a dezoito anos apenas, no segundo centenário da Independência, com um Brasil diferente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vim pedir desculpas e propor uma aliança. Espero que entendam que meu erro foi uma ingenuidade, não uma complacência, não uma artimanha para tornar mais palatável o salário mínimo que o Governo propôs, e que minha esperança está nessa aliança por um Brasil sem exclusão social, que acredito ainda é possível.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/2004 - Página 27635