Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a abertura indiscriminada de cursos de medicina no País.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Preocupação com a abertura indiscriminada de cursos de medicina no País.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Mão Santa, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2004 - Página 27896
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, REDUÇÃO, QUALIDADE, ENSINO SUPERIOR, MEDICINA, EXCESSO, ABERTURA, CURSOS, PRIORIDADE, LUCRO, EMPRESARIO, INTERESSE, CLASSE POLITICA, CRITICA, AUTORIZAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, PRECARIEDADE, METODOLOGIA, FALTA, HOSPITAL ESCOLA, REGISTRO, DADOS, CONSELHO FEDERAL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), PREVISÃO, PREJUIZO, SAUDE PUBLICA, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, MEDICO, REGIÃO.
  • REGISTRO, INEFICACIA, POLITICA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), DISTRIBUIÇÃO, MEDICO, INTERIOR, PREJUIZO, EXERCICIO PROFISSIONAL, CONCENTRAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO.
  • INFORMAÇÃO, DECISÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), CONSELHO NACIONAL, SAUDE, SUSPENSÃO, AUTORIZAÇÃO, ABERTURA, CURSOS, MEDICINA, MELHORIA, CRITERIOS, AVALIAÇÃO.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo dos últimos anos, a educação médica no Brasil sofreu um violento processo de degradação, cujos funestos efeitos sobre a saúde do nosso povo haverão, infelizmente, de se fazer sentir nas próximas décadas.

Assistimos, nesse período, a um processo de criação desenfreada de cursos de Medicina, a grande maioria dos quais não reúne as mínimas condições de funcionamento, servindo sua instalação exclusivamente à satisfação de escusos interesses políticos e empresariais.

Senador Geraldo Mesquita, a escola do seu Estado foi preparada. O pessoal se preparou. Foi instalada recentemente, mas de acordo com os padrões exigidos pelas entidades médicas do Acre.

A triste realidade é que a política para o ensino superior, que vigorou neste País até recentemente, abria os mais amplos espaços para a exploração mercantilista do legítimo desejo dos jovens brasileiros de terem acesso à educação de nível universitário. Assim, autorizou-se a abertura indiscriminada e sem qualquer critério de novos cursos superiores, inclusive na área de atenção à saúde.

Desconsiderando por completo a óbvia necessidade de uma prévia e rigorosa avaliação das condições existentes para a oferta de uma formação médica de qualidade, o Governo Federal autorizou, entre 1996 e 2003, a abertura de nada menos que 37 cursos de Medicina no País! Somente no ano de 2002, o Ministério da Educação aprovou oito novos desses cursos. Com isso, chegamos a 121 escolas de Medicina em funcionamento, as quais oferecem, anualmente, cerca de dez mil vagas.

Para os empresários do setor - que cobram mensalidades verdadeiramente exorbitantes dos jovens que almejam obter o cobiçado diploma de médico e investem muito aquém do necessário para assegurar uma formação compatível com as elevadíssimas responsabilidades inerentes ao exercício dessa profissão -, essa política governamental de franca liberalidade na concessão de autorizações para o funcionamento de novos cursos representou, evidentemente, um suculento butim a ser abocanhado, um negócio muito lucrativo a ser explorado.

Adicionalmente, deve-se levar em conta que, aberto um curso de Medicina, ele passa a representar, no contexto de qualquer organização que oferece cursos de nível universitário, o carro-chefe daquela instituição. Muitas dessas escolas surgiram simplesmente porque o reitor entendia que, contando com um curso de Medicina, sua instituição teria mais força. Para atender a esse objetivo de política empresarial, montava-se um programa pedagógico sem qualquer compromisso ético com o ensino e com a comunidade, sem estrutura acadêmica, sem metodologia adequada, sem hospital universitário.

E, em consórcio com esses interesses econômicos, atuam os interesses políticos de âmbito local. Afinal, bem conhecemos o ardente desejo de todo prefeito de ver uma faculdade instalada em seu Município, representando a chegada do ensino superior à cidade um ícone de desenvolvimento e progresso.

Concedo um aparte ao Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Augusto Botelho, quero apenas me solidarizar com V. Exª, que luta para que o seu Estado e sua cidade tenham realmente um centro médico. Isso é importante, porque estamos observando que a saúde no Brasil está periclitando cada vez mais. Vou dar um exemplo a V. Exª: em Campo Grande, o serviço de saúde está periclitando; a Santa Casa não agüenta mais, recebe pessoas até do Paraguai, e temos de atendê-los, pois são nossos irmãos. Vêm pessoas da Bolívia e de todo o Estado e se concentram na Santa Casa, que não tem condições de abrigá-los. Por outro lado, há anos, lutamos para obter um empréstimo na Caixa Econômica Federal. Há dinheiro para isso, mas a burocracia mata, e não se consegue nada. Portanto, V. Exª, ao defender uma faculdade, em outras palavras, está defendendo a saúde no Brasil. Quero me solidarizar com V. Exª.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço a V. Exª e relato que, no nosso Estado, também atendíamos pessoas das cidades mais próximas da Guiana e da Venezuela, acarretando grandes custos para os nossos serviços médicos também.

A abertura de escolas médicas sem condições de formar bons profissionais, conquanto represente um lucrativo negócio para os empresários da educação e motivo de orgulho para os prefeitos, constitui sério risco à saúde da população, em nada contribuindo para o fortalecimento de políticas públicas de saúde e para a plena implementação do Sistema Único de Saúde, o SUS.

Sr. Presidente Geraldo Mesquita, Srªs e Srs. Senadores, Senador Mão Santa, pesquisa divulgada pelo Conselho Federal de Medicina conclui que o número de médicos vem crescendo em uma velocidade quase duas vezes superior à do crescimento da população. Enquanto a taxa anual de crescimento da população brasileira é de 1,89%, o número de médicos no País aumenta a uma taxa anual de 3,67% ao ano.

A Organização Mundial de Saúde preconiza como ideal uma proporção de um médico para cada mil habitantes. No Brasil, essa relação está atualmente em um médico para 601 habitantes, sendo a segunda do planeta. Os Estados Unidos da América são o único país do mundo que dispõe de maior número de médicos em proporção à sua população que o Brasil.

Uma interpretação apressada desses números poderia sugerir que essa abundância de profissionais médicos nos coloca em uma situação privilegiada de fartura de mão-de-obra para dar atenção à saúde da população. Nada mais enganoso!

Concedo o aparte ao Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Augusto Botelho, estou muito interessado no seu pronunciamento, porque, em verdade, no Brasil, estamos acima da média mundial de médicos para atender à população. Mas eles estão concentrados nos grandes centros. No interior, há falta de profissionais. Há Municípios no meu Estado que pagam muito bem se o médico lá residir, mas o pessoal não vai. Sei disso porque conheço os anseios dos prefeitos e a necessidade que a população tem. Então, o pronunciamento de V. Exª é rico, porque V. Exª está chamando a atenção para esse problema da saúde, que é um direito de todos e um dever do Estado, e enfoca vários problemas, inclusive o da concentração dos médicos nos grandes centros e a sua falta no interior do Brasil.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - V. Exª, na sua sensibilidade, justamente tocou no próximo ponto que abordarei.

Em primeiro lugar, temos o gravíssimo problema da péssima distribuição geográfica desses profissionais, excessivamente concentrados nos grandes centros urbanos. Para que se faça uma idéia de quão brutal é essa concentração, basta dizer que aquela proporção nacional de 601 habitantes para cada médico cai para 457 habitantes por médico no Estado de São Paulo e para assombrosos 253 habitantes para cada médico na capital daquele Estado! Enquanto isso, as duras condições socioeconômicas e de isolamento geográfico que imperam nas Regiões Norte e Nordeste dificultam tremendamente a fixação de médicos de outras Regiões brasileiras, abrindo espaço para que, de forma crescente, profissionais de outros países latino-americanos venham preencher essa lacuna. E a má-distribuição se faz sentir mesmo dentro das grandes metrópoles, onde há enorme número de médicos. Na periferia da capital paulista, faltam médicos: a Prefeitura de lá tem quase 1,3 mil vagas ociosas em postos de saúde localizados na periferia, os quais não são ocupados pelos médicos concursados em virtude do medo de violência.

Concedo o aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - V. Exª, como médico, assim como eu, tem essa preocupação com a má distribuição dos médicos, que começa com a má distribuição dos cursos de Medicina, concentrados no Sul e Sudeste. Conseqüentemente, os médicos ali formados dificilmente saem daquelas Regiões. Não há um planejamento geoestratégico do País nessa questão, também. Até há bem pouco tempo, havia na Região Norte apenas três cursos de Medicina, sendo dois no Estado do Pará e um curso no Estado do Amazonas. Há mais ou menos cinco anos, foi criado um curso de Medicina no Estado de Roraima, que já propiciou, nesse período, a formação de 90 médicos. Creio que isso deveria acontecer em todos os Estados. O Governo Federal deveria implantar, pelo menos em cada universidade federal, um curso de Medicina, desconcentrando os cursos dessas grandes Regiões e levando, inclusive, professores de qualidade dos grandes centros para lá. Isso, sim, seria se fazer a correção da doença atacando exatamente a origem, que é, repito, a concentração dos cursos de Medicina nos grandes centros.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado.

Concedo o aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Augusto Botelho, V. Exª representa muitas virtudes como médico. Entendo que a presença de V. Exª como médico faz da Medicina a mais humana das ciências. V. Exª é um grande benfeitor da Humanidade, daí o povo tê-lo trazido para cá diretamente, sem degraus políticos. Mas, atentai bem: entendo, pela própria idade e pelo próprio sofrimento, que V. Exª está equivocado no seu raciocínio. Plantei no Piauí, quando o governei, aquilo que considerei mais importante: a semente do saber, o desenvolvimento universitário. Há poucos dias, o Senador Tasso Jereissati, que governou o Estado ao lado, reconhecia isso. Eu queria apenas dizer ao Senador Mozarildo que lá havia uma Universidade Federal de Medicina, e eu criei uma estadual, Houve reações. Há pessoas míopes e cegas. Recebi oposição porque iria tirar mercado de alguns medalhões. Eu - Deus nos prepara - sorria e dizia: “Vocês estão totalmente enganados”. Atentai bem: são 20 alunos por semestre, durante seis anos. Depois, vão fazer pós-graduação - que, no meu tempo, era de dois anos, mas, hoje, é de três ou quatro - e só vão chegar ao mercado de trabalho daqui a dez anos. E não serão mais médicos dessa estatística. Não serão mais. Serão especialistas. Desses 40, daqui a dez anos, chegarão um anestesista, um angiologista, um especialista em ultra-sonografia, outro em cirurgia óptica ou em outras especialidades que ainda nem existem, dado o avanço da tecnologia. No meu tempo, nem estudei determinadas disciplinas, como Fisioterapia. Então, isso é diluído. Esse cálculo se fazia quando o médico era o doutor, era o l’État c’est moi, quando ele sabia e fazia tudo. Isso está superado. Esse cálculo deve ser revisto para dezenas de especializações que a cada dia surgem e são necessárias. Precisamos de muitos médicos. Cito o exemplo de Cuba, do José Dirceu. José Dirceu só sabe de Cuba, não sabe mais nada. Está enganando o povo. O que ele queria era cubanizar isso. Conhecem o mapa do Piauí? Ele é comprido. Cuba pode ser comparada a 2/3 do meu Estado, de Floriano ao litoral. Em Cuba, há 26 faculdades de Medicina. Em Roraima, havia centenas de médicos cubanos trazidos pelo honrado Governador Neudo Campos, pessoa extraordinária. Não os levei para o Piauí porque sou médico. Levei-os para outras áreas, como pesquisadores na universidade. Hugo Chávez, que é um grande líder da esquerda - não há comparação entre Chávez e Lula; Chávez é um líder muito maior, é coronel do exército, daí ter sido vencedor no referendo que houve no seu país -, ele levou para o Chile centenas de médicos que Cuba exporta. O Estado de V. Exª está precisando de médicos, o nosso também. O Estado do Piauí faz transplantes cardíacos com êxito e não tem mais segunda, não, Mozarildo. De acordo com Padre Antonio Vieira, um bem nunca vem só. Fui convidado para dar a aula inaugural, amanhã à noite, na terceira Faculdade de Medicina de Teresina, uma universidade privada cujo dirigente é o Senador Freitas Neto. De tal maneira que Teresina é, hoje, não uma referência, mas uma excelência em Medicina. Sejam bem-vindos esses médicos, que, depois, irão fazer cursos de especialização, a residência médica, em que será feita uma triagem, além da do próprio mercado de trabalho, onde os incompetentes serão devorados e os bons prevalecerão.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Obrigado, Senador Mão Santa.

Muito mais grave, ainda, é o fato de que esse incremento no número de médicos ocorreu às custas da qualidade do ensino recebido pelos profissionais formados no período mais recente.

No ano passado, o Dr. Antônio Carlos Lopes, Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, deu à revista ISTOÉ uma entrevista que não pode ser definida senão como chocante.

A qualificação do Dr. Lopes para avaliar o nível da formação que estão recebendo os estudantes de Medicina do País está acima de qualquer questionamento. A entidade que ele preside congrega os especialistas de sua área com o objetivo de ajudar e difundir o conhecimento e, assim, manter o nível de qualidade dos profissionais. O Dr. Lopes exerce a cátedra de Clínica Médica na prestigiosa Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e já ocupou a presidência do American College of Physicians, a maior entidade de clínicos gerais do mundo.

Entre outras atribuições, o Dr. Lopes tem a função de orientar alunos de residência médica. Na entrevista ao semanário, Senador Zambiasi, ele relata a sua terrível perplexidade ao se deparar com jovens médicos que nem sequer conhecem a exata localização do coração, nem sabem quantas são as válvulas cardíacas. Esses jovens são o produto final da fábrica de faculdades médicas de péssima qualidade montada no País nos últimos anos. São médicos sem noções básicas de anatomia, que não têm idéia de como proceder a um exame num paciente, incapazes de desenvolver um raciocínio clínico que conduza a um diagnóstico. Em suma, médicos que estão absolutamente despreparados para exercer a profissão.

Na opinião do docente, dos cerca de dez mil novos médicos formados a cada ano no Brasil, nada menos do que espantosos 90% - esta opinião é do Dr. Lopes - não estão treinados o suficiente para oferecer um bom atendimento e deveriam voltar aos bancos da universidade. Na melhor das hipóteses, conseguem tratar moléstias como uma gripe ou uma diarréia, mostrando-se absolutamente impotentes frente a qualquer quadro mais complexo. O Dr. Lopes chega a relatar a confissão de alguns estudantes que, no quinto ano, lhe disseram: “Lamentavelmente, não sei nada”.

São estudantes que freqüentam escolas sem qualquer compromisso ético com seus alunos. Escolas que não prestigiam o estudante, não lhe abrem portas, não estimulam a iniciação científica nem criam condições para o aprendizado. Tampouco valorizam a relação do aluno de Medicina com o doente. Assim, o médico que sai dessas escolas não tem condições de exercer a Medicina e, pior ainda, sequer tem condições de aprender a Medicina depois de formado, pois não desenvolveu os rudimentos do raciocínio clínico.

As deficiências no processo de formação do profissional médico se estendem ao período pós-universitário, pois, da avalanche de diplomados a cada ano, mais de 50% começam a clinicar sem conseguir uma vaga nas residências médicas, etapa de treinamento complementar fundamental na sua formação. E a maioria daqueles que conquistam a oportunidade de cursar residências médicas são encarados pelos hospitais simplesmente como mão-de-obra barata a ser explorada. Em desobediência aos preceitos legais, a maioria dos programas de residência são tocados sem supervisão efetiva, sem modelo pedagógico, sem estrutura acadêmica.

Sr. Presidente Sérgio Zambiasi, Srªs e Srs. Senadores, diversos setores sociais vêem-se inebriados pelo canto da sereia e são seduzidos por pretensos ganhos que adviriam da abertura de novas escolas de medicina. Os jovens interessados na carreira médica vislumbram uma maior chance de conquistar a sonhada vaga universitária. Segmentos da opinião pública menos informados se iludem com a noção de que, com mais médicos, a saúde da população estará mais bem atendida.

Essas ilusões representam, de fato, uma armadilha perigosíssima. O jovem idealista, que sonhava dedicar sua vida a mitigar a dor do semelhante e a curar suas enfermidades, encontrar-se-á, uma vez egresso de uma péssima escola, praticando uma medicina muito distante daquele que idealizou. O cidadão, que supunha que teria mais acesso à medicina graças a um maior número de médicos, ver-se-á nas mão de um profissional sem qualificação para atendê-lo.

Todos esses equívocos vêm sendo usados por interesses políticos e econômicos. A busca de vaga em cursos de medicina tem gerado um fluxo de candidatos de cidades e Estados diferentes, tornando o ensino médico uma atividade cada vez mais lucrativa para os empresários da área de educação.

É fundamental, nessa medida, esclarecer a sociedade brasileira que não há necessidade de mais médicos, mas sim de médicos bem formados e adequadamente distribuídos no território nacional. A falta de médicos e serviços de saúde em regiões interioranas e nas periferias das grandes cidades está relacionada com a sua má distribuição geográfica, com a falta de recursos para a saúde e com os problemas estruturais enfrentados pelo País nos campos social e econômico. Se há uma concentração de médicos nos grandes centros e há carência desses profissionais no interior, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste, é porque a política de interiorização no Ministério da Saúde não está apresentando efeitos práticos relevantes na fixação dos profissionais.

O aumento indiscriminado da oferta de profissionais médicos no mercado, acima das necessidades sociais, é fenômeno extremamente nefasto sob qualquer ângulo que se o enfoque.

Além do rebaixamento no nível de ensino já abordado nesta fala, a superoferta de mão-de-obra médica leva aqueles que exploram a medicina a aviltar, cada vez mais, os valores pagos pelos procedimentos e os salários dos médicos. Mal remunerado, o médico não dispõe de recursos para aprimorar seus conhecimentos. Vê-se, outrossim, forçado a cumprir múltiplas, extensas e extenuantes jornadas de trabalho, que o deixam mais suscetível a cometer erros. Cria-se, assim, um círculo vicioso, no qual, ainda mais do que o profissional médico, o grande prejudicado é o seu paciente.

Sr. Presidente, Sérgio Zambiasi, há já bastante tempo é absolutamente consensual entre as entidades médicas brasileiras a posição de que só devam ser criadas novas escolas de medicina no Brasil mediante critérios rigorosos de avaliação da necessidade social da região e da disponibilidade de recursos para a completa implantação e manutenção da estrutura física - salas de aulas, biblioteca, laboratórios e biotérios -, hospital-escola, vagas na residência médica e contratação e manutenção de recursos humanos capacitados.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Encerro já, Sr. Presidente.

Felizmente, esse cenário mudou. Em julho do ano passado, os insistentes pedidos da área médica lograram, finalmente, sensibilizar o Governo Federal que decidiu suspender a autorização para abertura de novos cursos de medicina. A deliberação do Ministério da Educação foi tomada em conjunto com o Conselho Nacional de Saúde.

Já neste ano, no dia 13 de maio, o MEC prorrogou a medida e ampliou o seu escopo, suspendendo por 180 dias o credenciamento de quaisquer novos cursos superiores, medida que paralisa os 46 processos de pedido de liberação de cursos de medicina atualmente protocolados naquele Ministério. O objetivo declarado da medida é garantir a qualidade da expansão da educação superior no Brasil.

Encerrando, Sr. Presidente José Sarney, nossa expectativa é de que seja dada continuidade a essa nova postura do Ministério da Educação, e de que a instalação de novos cursos superiores, especialmente na área de saúde, somente sejam autorizados mediante criteriosa avaliação das suas condições de funcionamento.

Afinal, é evidente que somente com cursos de graduação aptos a preparar profissionais de sólida formação técnica, ética e humanitária é que se tornará possível assegurar a melhor qualidade na assistência à saúde no Brasil.

Essa não é uma posição corporativa no sentido de favorecer os interesses da categoria médica, como se poderia presumir a partir de uma análise superficial. Trata-se, isto sim, de uma posição de defesa do conjunto da sociedade brasileira, na medida em que o médico lida com o mais precioso de todos os bens - a vida humana.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2004 - Página 27896