Pronunciamento de Flávio Arns em 26/08/2004
Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Reflexão sobre a lei da biossegurança.
- Autor
- Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
- Nome completo: Flávio José Arns
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
- Reflexão sobre a lei da biossegurança.
- Publicação
- Publicação no DSF de 27/08/2004 - Página 27937
- Assunto
- Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
- Indexação
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- ANALISE, PROJETO, SEGURANÇA, BIOTECNOLOGIA, ESPECIFICAÇÃO, UTILIZAÇÃO, EMBRIÃO, VALOR TERAPEUTICO, OBJETIVO, TRATAMENTO, DOENÇA.
- APREENSÃO, RISCOS, MANIPULAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, EMBRIÃO, AUSENCIA, ETICA, RESPEITO, VIDA HUMANA.
- NECESSIDADE, CRIAÇÃO, CRITERIOS, CONTROLE, ATIVIDADE, BIOTECNOLOGIA, PROIBIÇÃO, CLONE, EMBRIÃO, OBJETIVO, REPRODUÇÃO HUMANA.
O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) -
LEI DA BIOSSEGURANÇA: UM DESAFIO À CONSCIÊNCIA, À ÉTICA E À PRUDÊNCIA
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é de tal magnitude e repercussão a temática envolvida nesta lei, que está a exigir de nós e de toda a sociedade uma serena e profunda reflexão. Decisões movidas pela emoção ou interesses menores trarão, sem dúvida, conseqüências a serem lastimadas no futuro.
Queremos definir neste pronunciamento posicionamentos a partir do conhecimento que nos foi possível colher até aqui sobre um tema também ainda em discussão em todo o mundo, tendo também presente a dimensão ética que dá sustentação aos mesmos.
É louvável que o espírito humano busque vencer os limites da natureza e, pelo esforço, tente superar as imperfeições e possa vencer as doenças. Afinal, a própria criação está em processo e o homem é chamado a co-participar de seu aperfeiçoamento.
Quando a motivação para isto é dar mais vida e saúde às pessoas, a ciência adquire legitimidade e é merecedora de todo o apoio.
Neste contexto, se situa o fato de buscar viabilizar a reconstrução, reativação ou recriação de tecidos ou órgãos visando a recuperação de órgãos ou de funções tendo em vista a cura de doenças e a recuperação do estado de saúde.
O desafio é buscar uma célula que possua o potencial de produzir tais tecidos e órgãos e descobrir o modo como a mesma possa ser direcionada para produzir um determinado tecido ou órgão em especial e que atenda a situação de doença que se quer curar.
Tais células receberam o nome de CÉLULAS-TRONCO OU CÉLULAS PLURIPOTENTES.
Como tais células podem ser obtidas?
Elas podem ser obtidas a partir de um tecido do organismo. São as chamadas células-tronco adultas. Ou a partir de um embrião, das chamadas células-tronco embrionárias.
Pesquisadores do Instituto Fraunhofer e da Universidade de Lubeck, no norte da Alemanha, desenvolveram um método pioneiro para extrair células-tronco do corpo humano e que, supostamente, poderiam obter linhagem tão eficiente quanto as obtidas a partir de embriões. Publicaram seus resultados na revista Applied Physics A. Escreveram Charli Kruse e colegas em seus estudos que as células obtidas e trabalhadas foram capazes de se converter em diversos tecidos, apresentando propriedades semelhantes às das células tronco embrionárias, sendo uma promessa no tratamento das doenças degenerativas adquiridas ou herdadas. (Folha Ciência do dia 29 de maio de 2004).
O Professor Bodo-Eckehard Strauer, chefe do setor da cardiologia da Universidade Heinrich Heine, de Dusseldorf, vem restaurando perfeitamente, sem necessidade de cirurgia, corações praticamente destruídos pelo infarto, injetando célula-tronco tiradas da medula óssea do próprio paciente, comprovando a possibilidade do uso de células-tronco adultas, não embrionárias, na reconstrução de tecidos.
O Professor Farshild Guilak e colaboradores da Duke Universiti, da Carolina do Norte, depois de longas pesquisas, descobriram células-tronco adultas no tecido adiposo. Tais células estão sendo trabalhadas no sentido de serem transformadas em tecido ósseo, cartilaginoso, nervoso e outros (Folha de São Paulo, 26 de abril de 2004).
Pesquisas científicas estão mostrando a possibilidade da obtenção de células-tronco a partir do cordão umbilical de recém-nascidos.
As células-tronco embrionárias, entretanto, podem ser obtidas a partir do complexo celular do embrião, diretamente, ou a partir da clonagem de embriões humanos.
Onde se situa o problema?
Quando para fins da clonagem terapêutica, se manipula e se destrói o embrião. Em outras palavras, a célula-tronco é retirada de um embrião, levando-o à morte.
Sem dúvida, estamos diante não só de um problema técnico-científico, mas de uma questão essencialmente ética e de humanidade.
Assim, princípios fundamentais e essenciais devem nos nortear e não devem ser menosprezados sob qualquer pretexto ou diante da necessidade de justificar exceções.
O princípio é o do respeito absoluto à vida de toda pessoa gerada e a garantia de seu direito inalienável de poder realizar o seu destino (Direito Constitucional). Este direito não está condicionado ao tempo de vida ou às suas condições.
O princípio de que, a partir da fecundação realizada de modo natural ou artificial, se constituiu uma nova vida humana.
Entre os cientistas, ninguém duvida que o embrião humano é um organismo distinto e indivisível - isto é, um ser vivo pluricelular dotado de existência individualizada.
Para a ciência, portanto, o embrião humano não é uma vida potencial ou virtual, mas uma vida real, um ser humano vivo, que não pode ser tratado como uma coisa ou um objeto descartável.
O princípio de que o bem de outra pessoa não pode estar condicionado à ruptura do principio primeiro aplicado à pessoa supostamente benfeitora.
É ético gerar uma vida humana para servir como banco de tecidos a serem utilizados em experiências, pesquisas ou procedimentos médicos? O bebê projetado estaria sendo usado como um bando de tecidos, isto é, como um meio, e não como um fim, caracterizando um desvio moral.
É ético matar uma vida embrionária para tentar restabelecer a saúde de alguém?
A ruptura deste princípio estendida a um contexto social amplo levaria à barbárie e à completa subversão da ordem social pela grave lesão ao principio da dignidade de toda pessoa.
Outro ângulo da questão é a proposta de se buscar células-tronco embrionárias nos embriões abandonados e congelados, resultantes do processo de reprodução assistida.
O simples fato da existência destes embriões já é questionável.
Se admitíssemos o uso dos mesmos, ainda que condicionado ao estabelecimento de regras disciplinares, quando terminassem, estaríamos liberados para produzir embriões destinados à morte no processo?
Não podemos ainda esquecer que a seleção médica de embriões pode ser o primeiro passo para a seleção estética e mesmo para a manipulação genética. Fato que justifica a preocupação ética e estabelece a subordinação ética de toda pesquisa.
Na verdade, a resposta aos legítimos anseios e às esperanças da sociedade em relação à cura de doenças passa pela pesquisa científica que respeite os limites da ética e da dignidade da pessoa humana.
Todos estes questionamentos que não só nossos, mas da comunidade cientifica mundial, indicariam a melhor conduta:
Proibição da clonagem com fins reprodutivos assim como da clonagem terapêutica a partir de células-tronco embrionárias.
Como desafio à capacidade humana, buscar obter células-tronco sem a morte de embriões.
Avançar a pesquisa em animais no sentido de obter meios seguros de direcionar a célula-tronco no sentido da obtenção de determinado tecido ou órgão específico.
Submeter o processo à observância dos princípios éticos fundamentais para resguardar o direcionamento seguro e humanizado da ciência. (A França está criando uma Agência de Biomedicina para disciplinar o processo)
Como o tema é novo e causa de reflexões universais, sem definições definitivas, está a recomendar prudência e tempo, com maior participação de toda a sociedade e de suas instituições representativas e responsáveis.