Discurso durante a 120ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A questão da divisão territorial no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVISÃO TERRITORIAL.:
  • A questão da divisão territorial no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2004 - Página 28048
Assunto
Outros > DIVISÃO TERRITORIAL.
Indexação
  • NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, DIVISÃO TERRITORIAL, ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, OBJETIVO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, CORREÇÃO, DESEQUILIBRIO, OCUPAÇÃO, TERRITORIO NACIONAL, INTEGRAÇÃO, INTERIOR, PAIS, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • REGISTRO, EFICACIA, EXPERIENCIA, ALTERAÇÃO, DIVISÃO, ESTADOS, BRASIL, COMENTARIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • ANALISE, DIVERSIDADE, PROPOSTA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DIVISÃO, ESTADOS, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, CRIAÇÃO, COMISSÃO MISTA, DISCUSSÃO, ASSUNTO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, abordarei um tema do qual o Senado já se ocupou, tendo examinado inclusive três projetos de decreto legislativo de minha autoria sobre a questão, que é a redivisão territorial.

Qualquer pessoa que se atenha a olhar com cuidado o mapa do Brasil verificará que apenas três Estados brasileiros, o Amazonas, o Pará e Mato Grosso, respondem por cerca de 50% da área do País. Portanto, os outros 24 Estados da Federação correspondem ao restante dos 50%.

Essa geografia, é lógico, Sr. Presidente, não trabalha a favor do desenvolvimento regional; não trabalha a favor da eliminação das desigualdades regionais, porque o Amazonas sozinho é maior do que os sete Estados do sul e sudeste juntos. E, no Amazonas, há uma extensa fronteira com países que têm problemas seriíssimos, como a Colômbia, envolvida com guerrilhas, narcotráfico; a Bolívia e o Peru. Portanto, na verdade, há uma extensa área de fronteira desguarnecida, onde não há óbice para que se atravesse livremente de um lado para o outro. Sabemos que ali há narcotráfico, contrabando de armas, biopirataria, e a busca das riquezas minerais do País. Recentemente, no Amapá, a Polícia Federal apreendeu uma grande quantidade de urânio, Sr. Presidente. Agora, não se trata mais do ouro, do diamante, mas de urânio.

Então, na verdade, essa questão é delicadíssima e impõe uma reflexão, por parte do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, sobre a realidade atual do País. Estamos em pleno século XXI. É inaceitável que permaneçamos como um País litorâneo. Se observarmos bem, 1/3 do Brasil, que é o litoral do País, corresponde a 2/3 da população. Trata-se de distorção geográfica e geopolítica, que, realmente, entrava o desenvolvimento do País.

E pior: trabalhar contra o desenvolvimento das regiões menos favorecidas, como é o caso da Região Norte, é trabalhar contra as regiões desenvolvidas, contra o Sul e o Sudeste. Se essas regiões continuam se desenvolvendo, a migração das regiões Norte e Nordeste para as áreas mais desenvolvidas, notadamente Rio de Janeiro e São Paulo, ocorre de maneira vertiginosa, o que agrava os problemas sociais dessas regiões, como a segurança, a saúde, a educação, a moradia e o transporte.

Portanto, o Brasil precisa repensar a sua geografia.

Gostamos muito de copiar as atitudes dos Estados Unidos, mas, nesse particular, nunca nos detivemos a observar, por exemplo, que o mapa daquele País, à exceção do Alasca, corresponde mais ou menos à mesma área do Brasil. Os Estados Unidos têm 50 Estados, enquanto temos 27, incluindo o Distrito Federal. Se observarmos o mapa americano, perceberemos também que os Estados são delineados, praticamente traçados por linhas retas, como se o mapa tivesse sido colocado em uma prancheta e tivesse sido dividido de maneira a promover o desenvolvimento igual do País, seja no Leste, no Oeste, no Norte e no Sul.

No Brasil, não houve essa preocupação com o planejamento, até porque as coisas foram feitas por pressão social, e, quando se rediscute a redivisão territorial, entram em cena vários interesses, começando pelos interesses locais. Muitas vezes, os líderes do Estado, sejam políticos ou de outras categorias, começam a dizer que a divisão do Estado implica a perda do território, o que, segundo os argumentos, não pode ocorrer.

No entanto, as experiências que temos de redivisão territorial foram altamente benéficas, tanto para a parte que foi desmembrada como para a remanescente. É o caso do Mato Grosso do Sul, que se desenvolveu imensamente. A parte norte do então Estado do Mato Grosso, que parecia ser a mais pobre, hoje é um Estado pujante, altamente desenvolvido. O mesmo podemos dizer do Tocantins, porque, quando do desmembramento deste Estado, a receita do norte de Goiás correspondia a apenas 4% da arrecadação do Estado de Goiás, e, hoje, o Estado de Tocantins é um exemplo de Estado desenvolvido, que, se fosse reanexado a Goiás, corresponderia a mais ou menos 50% da arrecadação de ambos os Estados, o que prova o desenvolvimento fortíssimo, conseqüentemente à redivisão territorial.

Não é diferente o caso de Rondônia, que, até o ano da sua criação, era um Território Federal com escassa população, pouco desenvolvido e com uma fronteira problemática. Hoje, é um Estado com mais de dois milhões de habitantes e teve um desenvolvimento fabuloso na agropecuária. É lógico que existem problemas em Rondônia como existem em outros Estados do Brasil, inclusive nos desenvolvidos.

Há também os exemplos de Roraima e do Amapá. Citarei o caso de Roraima, o meu Estado, que é o menor deles e com menor população. Poder-se-ia dizer que Roraima pode representar um peso para a União, em termos de gastos, mas Roraima pertencia antes ao Estado do Amazonas. Àquela época, Getúlio Vargas tinha a visão de integração nacional e de distribuição efetiva do desenvolvimento regional de maneira equilibrada. Pensando nisso e na soberania nacional, criou cinco territórios federais: Amapá, Roraima, Guaporé, que depois passou a se denominar Roraima, Ponta Porã e Iguaçu. A Constituinte de 1946 reanexou Ponta Porá e Iguaçu aos Estados de origem, permanecendo, portanto, os Estados de Amapá, Roraima e Guaporé - hoje, Rondônia. Roraima, naquela altura, chamava-se Rio Branco.

Roraima era um Município do Estado do Amazonas. Um Município vizinho a nós, Barcelos, já tinha sido capital da então província do Amazonas. Roraima foi criada em 1943, território federal; foi implantada, de fato, em 1944, passou 45 anos como território federal, foi transformada em Estado pela Constituição de 1988 e, hoje, Roraima tem uma população de 400 mil habitantes, enquanto Barcelos, 26 mil. Roraima possui uma universidade federal com 19 cursos superiores, um Centro Federal de Ensinos Tecnológicos, com vários cursos de nível médio e superior. Tudo isso fruto do próprio Estado. Também há estradas asfaltadas, que nos ligam com a capital do Amazonas e, conseqüentemente, com o resto do Brasil, com a Venezuela e com a Guiana. Há energia confiável vinda da hidrelétrica de Guri, na Venezuela - portanto, uma energia permanente, confiável e de bom preço. Sendo assim, houve uma mudança radical, pelo fato de Roraima ter se desmembrado do Amazonas. E o Amazonas não perdeu nada com isso. Pelo contrário. Nessa inter-relação Roraima-Amazonas, ambos ganharam, porque o Estado que sofre o desmembramento perde também a obrigação de investir naquela região.

Sr. Presidente, é interessante que os projetos aqui aprovados, como os que se iniciam na Câmara, também não estão, na verdade, criando o Estado, mas propondo a sua criação, convocando um plebiscito para que a população do Estado diga se quer ou não a redivisão territorial. O que me assunta é que o projeto chega à Câmara dos Deputados e não se aprova nem sequer a consulta popular; não se dá sequer o direito de a população dizer “queremos” ou “não queremos” a redivisão territorial. Na campanha do plebiscito, haverá oportunidade de aqueles que são contrários à redivisão se manifestarem, colocarem seus argumentos, assim como aqueles que são favoráveis de colocarem os seus argumentos e mostrarem a importância da redivisão territorial.

Entendo, portanto, Sr. Presidente, que não pode acontecer o que está acontecendo.

Por exemplo, o Projeto Tapajós. Ele está pronto para a votação no plenário da Câmara dos Deputados. No entanto, entra na pauta e sai. Já houve até pedido de urgência pelos Líderes e, de última hora, novamente, foi retirada a urgência e a matéria saiu da pauta. Lendo reportagem recente do Correio Braziliense sobre a matéria, observei que a bancada sulista não aceita a criação de novos Estados e Territórios na Amazônia porque isso seria aumentar ainda mais o poder político da região Norte. Não posso acreditar nisso, porque convivo com ilustres Senadores, como V. Exª, que são do sul e do sudeste e que não pensam assim. Tanto é que aprovaram os três projetos que convocam o plebiscito para a redivisão territorial. É uma discussão que deve ser ampla.

Eu queria propor ao Presidente José Sarney e ao Presidente João Paulo que constituíssem uma Comissão Mista - Câmara e Senado - para discutir essa questão.

Sr. Presidente, a Constituinte de 1988 criou uma Comissão para fazer o estudo da redivisão territorial do País. Na época, várias foram as propostas, mas houve somente a criação de Tocantins e a transformação de Roraima e Amapá em Estados. Todas as outras propostas, inclusive a proposta de criação do Estado do Tapajós, foram remetidas para essa Comissão Mista, formada por representantes da Câmara e do Senado, do Poder Executivo e técnicos de outros lugares. Ela reuniu-se, trabalhou e apresentou um relatório propondo a criação do Estado do Tapajós, no oeste do Pará; de dois Territórios Federais, no oeste do Amazonas, e do Território do Araguaia, no norte de Mato Grosso.

As propostas que foram aqui aprovadas diferem um pouco da conclusão dessa Comissão, até porque não houve conseqüência do relatório. Agora demos uma seqüência, essa questão merece ser rediscutida sem preconceitos e, principalmente, sem aquele arcaísmo das lideranças locais, que acreditam que com esse desmembramento perderiam poder político e econômico. Do outro lado, as outras Regiões mais desenvolvidas não aceitam, por exemplo, que as Regiões menos desenvolvidas tenham representação.

Se a equação é essa, vamos discutir a sua mudança e estabelecer que os Estados recém-criados tenham uma representação x até certo tempo e que, depois, passem a ter uma representação “y”, até se igualarem com os demais Estados da Federação. O que não pode, evidentemente, é se engessar esse mapa do Brasil, porque, repito, essa geografia nossa não permite o desenvolvimento harmônico do País e a eliminação das desigualdades regionais. Se apenas um Estado, como é o caso do Amazonas, é maior do que os sete Estados do Sul e Sudeste juntos, não há quem o governe de maneira eficiente, nem que por três ou quatro mandatos seguidos, por mais competência que houvesse.

Então, o que acontece? A população do oeste do Amazonas, que dista cerca de três horas de vôo - de avião a jato - da capital, que é Manaus, fica abandonada, sem a presença efetiva do Poder Público, no que tange à assistência à saúde, à educação, à moradia, ao transporte e à infra-estrutura.

É preciso, efetivamente, que o Brasil deixe de ser litorâneo. Não somos, como na época do Descobrimento, apenas abordados por caravelas, pelo mar. Temos que nos incluir no Século XXI e fazer um mapa do Brasil que corresponda à realidade do mundo moderno.

No Pará, já tive a oportunidade de visitar a região que corresponderá ao futuro Estado do Tapajós. Aquela população luta há mais de cem anos e não progride exatamente porque não se permite avançar nessa questão. Já se criou essa figura do plebiscito, que até endosso, porque é preciso ter o respaldo popular para que haja essa redivisão, mas, na região do Tapajós, que compreende cerca de 26 Municípios, ricos, produtivos e isolados do Pará e do resto do País, a população, de cerca de 1,5 milhão de habitantes, quer o desmembramento, quer a criação do Estado. A área é muito rica, mas, na parte da fronteira com o Suriname, por exemplo, está completamente abandonada.

É preciso que o Brasil cuide mais do seu território, que pense, efetivamente, na integração nacional, porque apenas três Estados - Amazonas, Pará e Mato Grosso - não podem responder por 50% da área territorial do País.

Portanto, quero louvar o Correio Braziliense, porque, embora eu discorde de muitos dos enfoques colocados na reportagem, esta colocou o debate para a população.

Nessa redivisão de que estou falando, Sr. Presidente, não tenho interesse político, porque sou de Roraima, que não vai ser redividido e nem pretendo ir para nenhum desses outros Estados, mas, como Senador da República, representante da Amazônia, não posso ficar omisso numa questão que entendo seja primordial para o desenvolvimento da região como um todo e que, portanto, que é benéfico para o desenvolvimento do País. Não pode um região como a Amazônia, que corresponde a 60% da área do Brasil, continuar sendo tratada apenas como um santuário ecológico, como algum lugar em que só há mato, índio e biodiversidade. Lá existem 25 milhões de habitantes, brasileiros que nasceram no local ou que foram para lá. A maioria se deslocou de outras Regiões, principalmente do Nordeste, mas também do Sul e Sudeste, e estão garantindo aquele pedaço de território para o Brasil.

Nós, como representantes da Federação, temos a obrigação de discutir essa questão de maneira muito clara, aprovando o projeto do plebiscito, para que a população dos Estados diga se quer ou não a redivisão territorial. Depois de aprovado o plebiscito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda há um longo caminho para a aprovação da lei complementar, que, de fato, vai criar o Estado. Se esse projeto do plebiscito for aprovado neste ano, serão necessários mais dois anos para se pensar na criação e efetiva implantação dos novos Estados. 

Mas o que é certo é que não podemos ficar com um mapa que corresponde ainda ao Século XIX vigorando no Século XXI. Precisamos, realmente, modernizar o País, começando pela geografia, cumprindo o que manda a Constituição, que é fazer a eliminação das desigualdades regionais, a integração regional, fazer com que todo mundo, efetivamente, tenha igualdade de condições. Estou, aqui, repetindo há décadas: é necessário eliminar as desigualdades regionais, até para eliminar as desigualdades sociais.

Tenho certeza de que os homens lúcidos do Sul e do Sudeste sabem que, a permanecer essa geografia, essas Regiões também padecem, porque o Brasil pobre do Norte e do Nordeste vai continuar migrando para o Brasil rico do Sul e do Sudeste, portanto, agravando as questões sociais, como já tive oportunidade de enfatizar neste pronunciamento.

Sr. Presidente, concluo, dentro do meu tempo regulamentar, esse pronunciamento, fazendo um apelo ao Presidente José Sarney e ao Presidente João Paulo para que constituam essa Comissão mista. Já há uma frente parlamentar formada por Deputados e Senadores, funcionando na Câmara dos Deputados, para discutir essa questão, mas penso que essa questão tem que ser mais elevada até, e, portanto, mereceria uma Comissão oficial do Congresso Nacional para discuti-la e concluir, em comum acordo, também com o Poder Executivo, as conveniências, o calendário e as formas de fazermos essa redivisão territorial.

Tenho certeza, Sr. Presidente, de que se levarmos isso de maneira séria, técnica e também, obviamente, política, mas no bom sentido da política, vamos fazer essa mudança no mapa, para o bem do Brasil.

Portanto, quero deixar esse apelo, mais uma vez, ao Presidente José Sarney e ao Presidente João Paulo, para que constituamos essa comissão mista para estudar esse problema tão importante para o Brasil, que é a redivisão territorial do País, mas, notadamente, da Amazônia, até para o bem do próprio Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2004 - Página 28048