Discurso durante a 122ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações ao Decreto 5.163, de 2004, que regulamenta o novo modelo elétrico aprovado pelo Congresso Nacional.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Considerações ao Decreto 5.163, de 2004, que regulamenta o novo modelo elétrico aprovado pelo Congresso Nacional.
Aparteantes
José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/2004 - Página 28864
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, PROCESSO LEGISLATIVO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PARTICIPAÇÃO, DISCUSSÃO, SETOR, SOCIEDADE CIVIL, REGULAMENTAÇÃO, SISTEMA ELETRICO, DETALHAMENTO, EVOLUÇÃO, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, PREVENÇÃO, RACIONAMENTO.
  • CONGRATULAÇÕES, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), DECRETO EXECUTIVO, ESTABELECIMENTO, DIRETRIZ, APLICAÇÃO, MODELO, SISTEMA ELETRICO, APREENSÃO, DESCUMPRIMENTO, PARTE, ACORDO, CONGRESSO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, NORMAS, LEILÃO, ENERGIA, INCLUSÃO, USINA, DEFINIÇÃO, TARIFAS, TRANSMISSÃO, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL), NECESSIDADE, CORREÇÃO, LEGISLAÇÃO, CRITICA, AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS).

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto mais uma vez a esta tribuna para tratar do sistema elétrico brasileiro e do seu novo modelo, que foi aprovado nesta Casa após acordo com o Governo, representado pelo seu eminente Líder nesta Casa e pela Ministra de Minas e Energia, uma das melhores figuras do atual Ministério.

Todos aqui acompanharam a aprovação desse projeto que chegou ao Congresso por meio de medida provisória, quando deveria ter vindo através de projeto de lei, e enfrentou um longo debate na Câmara dos Deputados e mesmo aqui no Senado, para que fossem estabelecidas novas regras para esse setor tão importante para o desenvolvimento do País.

Após várias reuniões com representantes de todos os segmentos do setor elétrico, incluindo geradoras privadas e estatais, transmissoras, distribuidoras, auto-produtores, grandes e pequenos consumidores de energia, conseguimos chegar a um arcabouço legal mínimo necessário que, após uma regulamentação adequada, deverá permitir um desenvolvimento sustentável do setor, afastando o fantasma de um novo racionamento.

Entre os grandes avanços introduzidos - penso que tivemos grandes avanços nesse processo - podemos ressaltar: a busca pela modicidade tarifária, que deverá ser obtida, principalmente, através da contratação de energia por preço mínimo, por meio de leilões; o fortalecimento da estrutura de planejamento e monitoramento do setor que, aliás, já existia no passado, mas agora pela criação da EPE, Empresa de Pesquisa Energética, e do Comitê do Monitoramento do Setor Elétrico; e, finalmente, pela continuação do programa Luz no Campo para universalização da energia elétrica, que vai permitir a chegada da energia a todos os lares brasileiros até 2008. Graças ao programa Luz no Campo, do passado, e a um projeto de minha autoria. Sobre esse assunto voltarei, já que existem algumas dúvidas que foram levantadas ontem aqui, explicitamente a tratar desse programa Luz para Todos.

O ponto central do meu pronunciamento é o Decreto nº 5.163, de 2004, da Presidência da República, estabelecendo as diretrizes básicas para a aplicação do modelo aprovado pelo Congresso. Esse decreto foi resultado também de uma extensa negociação do Ministério de Minas e Energia com todos os agentes setoriais. O resultado final parece-nos excelente na grande maioria dos aspectos regulamentados.

E até gostaria de me congratular com a Ministra Dilma Roussef, com o Secretário Maurício Tomalsquim, pelo longo e exaustivo trabalho realizado. No final das contas, tivemos uma grande participação do Legislativo nesse processo, conseguimos chegar ao melhor ponto possível.

Entretanto, não posso furtar-me de apontar que, em alguns pontos, a regulamentação que está sendo implantada pelo Ministério não me parece estar cumprindo o acordo feito nesta Casa e que permitiu que o novo modelo fosse aprovado praticamente por unanimidade por um acordo de lideranças.

Isso me preocupa. Pela segunda vez, tenho que voltar a esta tribuna para pedir o cumprimento desse acordo.

Devo lembrar que a mesma preocupação foi aqui abordada pelo Senador Delcídio Amaral, do PT do Mato Grosso do Sul, e Relator da medida provisória que aprovou a reformulação do setor em recente discurso nesta Casa. Desde então não nos parece ter havido uma evolução no sentido de atender às preocupações demonstradas durante a fase de conversão da medida provisória em lei e que foram amplamente discutidas e acordadas com o Governo.

O primeiro e relevante ponto diz respeito ao conceito de energia nova e energia velha, mais especificamente no que se refere à interpretação do art. 17 da nova Lei do Setor Elétrico. Este artigo estendeu a alguns projetos de geração existentes a possibilidade de participar de leilões da chamada energia nova.

O acordo a que me referi com as Lideranças de todos os Partidos no Senado Federal permitiu retroagir de 2003 para 2000 o início das operações de usinas para enquadramento do novo conceito de energia nova. Isso foi feito com o objetivo de garantir a participação nos leilões de energia nova das usinas termoelétricas a gás natural que faziam e fazem parte do Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT) e, também, a vários projetos de hidroeletricidade a partir de 2000, garantindo aos investidores privados que acreditaram no País - e que, em muitos casos, anteciparam a construção de suas usinas para evitar ou minimizar os efeitos de um racionamento de 2001 - a possibilidade de comercializarem sua energia a preços que melhor refletissem a realidade dos seus investimentos.

Com relação ao inciso III daquele artigo, que estabeleceu que, para participar do leilão de energia nova, a usina não poderia ter energia contratada até a data da publicação da lei, não pode haver outra interpretação cabível senão a de que a energia não contratada se refere à data de entrega dos leilões de energia nova, ou seja, a partir de 2009. Baseado nessa interpretação, negociada pelo Ministério com o Senado, ficou acordado que, de um total de 3.300 megawatts de usinas existentes, poderiam participar dos leilões de energia nova - destas, cerca de 2.020 megawatts eram de usinas termoelétricas do PPT e o restante de usinas hidroelétricas.

Dizíamos que, como essas usinas foram construídas e/ou antecipadas com custos adicionais em um esforço para reduzir os efeitos de uma crise de abastecimento, não poderiam ficar de fora de forma nenhuma. E, no acordo, elas foram incluídas, ficando de fora as usinas privadas, que vieram da privatização, as geradoras estatais e a importação de energia da Argentina, como seria natural. Relembro que essa posição em relação ao PPT já havia sido acertada em longas horas de reunião como o Ministério de Minas e Energia, antes mesmo do acordo no Congresso.

Infelizmente, o que tem sido divulgado oficiosamente - é verdade que não há nenhuma posição oficial do Ministério - sobre as usinas que terão direito de participar dos leilões de energia nova não traduz o acordo feito como o Senado Federal.

Alguns agentes têm demonstrado grande insegurança, ouvindo que a interpretação do Ministério sobre o inciso III estaria em algo próximo de 3.500 megawatts de energia nova, mas incluindo nesse montante, por exemplo, a Usina de Angra II, usina essa cujo atraso na entrada em operação foi um dos responsáveis pelo racionamento de 2001. Ou seja, as usinas construídas e/ou antecipadas para ajudar no racionamento estão sendo punidas enquanto usinas cujos atrasos foram motivadores do racionamento estão sendo beneficiadas.

Há outro ponto tão ou mais preocupante do que esse da energia nova:

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Um minuto a mais, Senador José Jorge, porque esta outra questão é também de extrema importância para V. Exª.

Refiro-me, Sr. Presidente, ao sinal locacional da transmissão e a definição das tarifas de transmissão pela Aneel devida pelas geradoras e consumidores.

No processo de discussão da medida provisória do setor elétrico, foi aprovada emenda de minha autoria, estabelecendo que a Aneel deveria considerar, na definição das tarifas de transmissão, o chamado sinal locacional cujo objetivo é garantir que os geradores e consumidores que usam menos as linhas de transmissão paguem menos pelo transporte de energia, ou seja, quem transporta de mais longe paga mais e quem transporta de mais perto paga menos.

Com relação a esse aspecto, é importante destacar que estamos aparentemente diante de um grande desrespeito à lei aprovada pelo Congresso Nacional. Fizemos uma emenda estabelecendo o sinal locacional na transmissão, que não existia, em acordo com o Ministério, e esta foi aprovada pela Câmara e pelo Senado e transformada em lei.

A Aneel, implementando o cumprimento da referida lei, fez uma audiência pública para ouvir considerações a respeito do sinal locacional, que havíamos aprovado. Ouviu 17 agentes do setor e 16 deles foram favoráveis. Aliás, todos deveriam ser favoráveis, porque se tratava de cumprir uma lei. É bom que se diga que deveriam ser favoráveis. A Aneel emitiu um relatório a esse respeito, o que realmente deveria fazer, depois recuou publicando as tarifas de transmissão para o período de julho de 2004 a junho de 2005, num flagrante desrespeito à lei aprovada pelo Senado. De acordo com as tarifas publicadas pela Aneel, as usinas termoelétricas que se localizam perto dos centros de consumo e usam menos a transmissão passam a pagar 52% a mais em média na transmissão. Esse tipo de distorção reduz artificialmente a competitividade dos geradores mais próximos dos centros de consumo e, invariavelmente, acaba resultando em tarifas mais altas para os consumidores.

Colocada em vigor como deveria, todos os Estados do Nordeste passariam a ter automaticamente uma redução nos seus custos de transmissão, o que é altamente importante para a nossa região.

É possível que a Aneel, nesse momento, tenha sido atropelada pelo Decreto nº 5.163, de 2004, que regulamentou o novo modelo. Tal decreto estabeleceu, em seu art. 66, que o Ministério definiria posteriormente a metodologia para o cálculo das tarifas de transmissão, em flagrante desacordo com a lei que deu competência à Aneel para definir essas tarifas. E aqui devemos lembrar que ninguém pode escolher ou definir o melhor momento para cumprir uma lei. Ao entrar em vigor, após sancionada, a lei tem que ser cumprida. Creio que com toda a discussão sobre as agências reguladoras não poderia haver momento pior para que uma lei fosse sustada em sua aplicação, por um ofício do Ministério. Entendo que isso tem de ser corrigido de imediato.

Senador José Jorge, com muito prazer concedo o aparte a V.Exª.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Rodolpho Tourinho, fico feliz de V.Exª estar aqui, hoje, fazendo esse pronunciamento, porque tenho essas mesmas preocupações de V.Exª. Todos sabemos que esse modelo do setor elétrico foi feito por medida provisória, quando sabíamos que esse não era o caminho correto. O Supremo Tribunal Federal até já decidiu que o fato de a lei ter sido aprovada não retira o vício de origem. Já há um parecer do Relator, Ministro Gilmar Mendes, de que essa medida provisória é inconstitucional. Já há uma decisão anterior de uma medida provisória semelhante do Governo Fernando Henrique Cardoso que foi considerada inconstitucional, portanto estamos correndo um grande risco de todo esse modelo desabar. Todos sabíamos, desde o início do Governo, que o melhor caminho não era o de criar tantas regras novas e algumas regras inusitadas. Então, o que está acontecendo agora? Todo aquele modelo aprovado na prática está sendo mudado por decreto pelo Ministério, pelo Governo Federal, ou seja, algo que foi aprovado por lei. Então, o que está havendo hoje no setor elétrico? Está havendo uma grande instabilidade porque não se confia na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que não é prestigiada e fortalecida pelo Governo, porque as leis vivem sendo transformadas por decreto e porque nem a lei básica aprovada aqui no Congresso Nacional está garantida. O Supremo Tribunal Federal, provavelmente, se seguir a norma legal e não tomar uma decisão política, vai considerá-la inconstitucional. Enquanto isso, o Governo já vai completar dois anos, e os investimentos no setor elétrico não reiniciam. Quando o novo Governo assumiu - V. Exª sabe melhor que eu -, tínhamos 12.000 megawatts de energia sobrando. Essa energia vai sendo consumida. A partir de 2007, se não tivermos novas formas de energia, haverá o risco de um novo racionamento, o que sabemos que deu um grande prejuízo ao País. Então, quero me solidarizar com V. Exª e certamente serei seu aliado no sentido de defender aquelas posições aprovadas na lei. Muito obrigado.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador José Jorge.

Existem outros dois pontos que não são tão importantes. Digo “não tão importantes” porque um se refere ao não-cumprimento de um acordo e o outro, a que me referi antes, ao não-cumprimento de uma lei. Mas agora existem outros pontos que me parecem muito mais uma falta de visão da área econômica do Governo. Há uma incongruência e um outro ponto, aliás, são duas incongruências.

O terceiro ponto representa uma incongruência: a regra de compensação do pagamento do uso do bem público (UBP). Trata-se de quem pagou antes por um regime que existia e que, agora, nos novos leilões, não terá como fazer essa compensação. Cria-se realmente um grande problema porque existem várias usinas. Elas que estariam assegurando uma nova oferta de energia, mas, na medida em que não sabem como participar, dificilmente teremos a entrada delas em funcionamento.

Com a mudança de regra de licitação, de máximo pagamento de UBP para menor preço de energia - que foi o que aconteceu -, foi necessário estabelecer uma regra para permitir uma competição em igualdade de condições entre as usinas que já tiveram a outorga de concessão e as que são licitadas no novo modelo. Infelizmente, é necessário alertar que, da forma como este ponto está regulamentado no Decreto nº 5.163, de 2004, a participação das usinas já licitadas nos leilões de energia nova do novo modelo fica muito comprometida.

Essa compensação foi estabelecida em lei com base no chamado custo marginal do processo de leilão. Para que se viabilize a participação das usinas já licitadas, é essencial que o custo marginal do processo seja conhecido antes do leilão, permitindo que os agentes internalizem em suas ofertas essa compensação. Da forma como foi regulamentado, os agentes só saberão qual a compensação após o fim do leilão. No momento em que o próprio Ministério sinaliza as dificuldades para conseguir as licenças ambientais necessárias à participação de novas usinas hidrelétricas nos leilões, parece-nos uma temeridade dificultar a participação das usinas já licitadas, que são exatamente aquelas com maiores possibilidades de serem realmente construídas. O que os agentes defendem é que o custo marginal do processo seja definido com base no Valor Normativo, ajustado pelas variações recentes dos encargos setoriais, e que haja um diferimento dos pagamentos da UBP, permitindo uma competição em igualdade de condições entre todos os projetos de geração.

É fundamental destacar que, se os projetos já licitados forem inviabilizados por esse problema, o impacto final recairá sobre a tarifa final dos consumidores, que poderão ter de pagar um preço médio mais alto pela energia.

É preciso que se diga que esse aspecto - apesar de muito discutido com o Ministério, que considera importante a sua discussão e a busca de solução - não fez parte do acordo com o Senado. Mesmo porque o Ministério havia mostrado já disposição e sensibilidade para buscar uma solução.

É possível - digo isso muito mais baseado em minha experiência - que tenha havido algum tipo de interferência da área econômica do Governo. Se verdadeira essa suposição, convém que recue. Nos últimos anos, ainda sob o modelo anterior, cerca de 12.000 MW foram licitados em hidroelétricas. São cerca de 55 usinas. Dessas, só dez estão em operação. Outras 45, representando cerca de 10.000 Mw, possivelmente só terão sua viabilidade assegurada se ficar definida, claramente, essa compensação da UBP.

O último ponto que quero tratar, não por isso menos importante, é a questão da famigerada Cofins e do aumento de carga tributária também no setor elétrico.

O PIS/Cofins passou de 3,65% para 9,25% do faturamento com a questão da cumulatividade, acarretando um acréscimo significativo no preço da energia, representando certa de R$7,50 por megawatt/hora, o que é muito alto. Há uma enorme preocupação com o impacto que esse aumento representará para o consumidor final, inclusive com a apresentação de uma emenda do Senador Delcídio Amaral, à MP 202, de 2004, para manutenção das regras para o setor. Eu quero apoiar essa emenda do Senador Delcídio, pois é a única forma de se voltar ao regime anterior no que diz respeito a essa questão das tarifas.

Afinal de contas, a espinha dorsal desse novo modelo é a modicidade tarifária: buscar nos leilões de energia a energia a ser fornecida pelo melhor preço. Faz-se todo esse modelo de modicidade tarifária, mas quando se consegue pelo menos aprovar este modelo, taxa-se outra vez a energia, passando a ter um acréscimo. Aí há a não modicidade tarifária, o aumento de tarifa para o consumidor. Aumenta-se a taxação e desmonta-se, como disse, toda a espinha dorsal de um projeto que não é de um Ministério, mas do Governo Federal.

Concluo este pronunciamento, Sr. Presidente, requerendo à Mesa que este discurso seja encaminhado à Ministra de Minas e Energia e ao Diretor Geral da Aneel para conhecimento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/2004 - Página 28864