Discurso durante a 122ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Abandono da região de Serra Pelada - PA.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA MINERAL.:
  • Abandono da região de Serra Pelada - PA.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/2004 - Página 28883
Assunto
Outros > POLITICA MINERAL.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ABANDONO, REGIÃO, SERRA PELADA, ESTADO DO PARA (PA), OMISSÃO, ESTADO, MANUTENÇÃO, GARANTIA, CIDADANIA, SEGURANÇA, GARIMPEIRO, LOCAL, SUPERIORIDADE, INDICE, ANALFABETISMO, PROSTITUIÇÃO.
  • COBRANÇA, GOVERNO FEDERAL, EFICACIA, PROVIDENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, GARIMPEIRO, SERRA PELADA, ESTADO DO PARA (PA).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o abandono a que o Estado brasileiro tem relegado a região de Serra Pelada não pode continuar, sob risco de lá produzir situação de verdadeira hecatombe social.

            Na verdade, Sr. Presidente, desde o início da corrida do ouro, nos finais da década de 70, tem sido grande o descaso das autoridades no que diz respeito à manutenção, no local, das mínimas garantias de cidadania.

Surgiu Serra Pelada, uma “ferida aberta da selva”, como um mito a assombrar brasileiros e estrangeiros, atônitos ante o espetáculo dantesco daquelas multidões humanas enlameadas, a transportar, nas costas, sacos de barro que continham, além de um pouco de ouro, carradas de sonhos e de esperanças, todas elas muito pouco ou para muito poucos realizadas.

O que de início pareceu ser uma alternativa para mitigar a miserabilidade recorrentemente trazida aos nordestinos pela seca, ou a falta de perspectivas de ocupação para os brasileiros da minha Região Norte, ou do Centro do País, em breve demonstrou-se fonte de escândalo e de problemas.

Foram muitos os brasileiros que sucumbiram à falta de condições de vida e de trabalho. A segurança era provida, no início, pelos próprios garimpeiros e, num segundo momento, por efetivos policiais insuficientes. As mortes foram incontáveis, motivadas por acidentes, por desavenças pessoais ou por latrocínio. A ausência do Estado brasileiro em Serra Pelada determinou, tal como descreveu Hobbes, uma “guerra de todos contra todos”.

Cessadas as operações de lavra manual, restam ainda na vila de Serra Pelada cerca de 8 mil garimpeiros, alguns deles remanescentes dos primeiros anos de extração, vivendo de pequeno comércio ou de expedientes, e outros que retornaram após a publicação do Decreto Legislativo 207, de 2002, do Congresso Nacional, que cancelou o tombamento da área, havido em 1992. Esses vivem em barracos de tábuas e lona preta.

Os dados sociais levantados pela Companhia Vale do Rio Doce são alarmantes: a taxa de analfabetismo entre adultos é de 25%, numa população majoritariamente situada entre os 40 e os 70 anos de idade; 48% dos homens vivem sozinhos, e é grande o número de casos de depressão e ansiedade. A prostituição atinge níveis elevados, inclusive a infantil.

São poucas as âncoras a firmar essas vidas desgarradas, Srªs e Srs. Senadores, uma delas é a perspectiva de ressarcimento pela diferença havida no preço de compra de ouro praticado pela Caixa, à época, estando sub judice indenização de cerca de US$50 milhões pleiteada pelos garimpeiros. Uma outra é a possibilidade de recuperação mecanizada dos resíduos de ouro remanescentes, estimados em 27 toneladas.

Nunca houve, entretanto, consenso sobre como repartir essas receitas potenciais, dada a falta de convergência entre a multiplicidade de sindicatos e de associações de garimpeiros que se investiram nos direitos de representação. Entre as acusações trocadas de parte a parte, ficava no ar a pergunta sobre como compor a lista dos titulares de tais direitos.

            Na disputa pela liderança da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada, a Coomigasp, deu-se, inclusive, a ainda inexplicada morte - em 2002 - de Antônio Clênio Cunha Lemos, então presidente do Sindicato dos Garimpeiros de Serra Pelada.

Acerca desse contexto, foi veiculada matéria na Folha OnLine, dia 23 de agosto, repercutindo publicação do New York Times, de mesma data, intitulada “Serra Pelada é ‘terra sem lei’”, que descreve a região como um “barril de pólvora”.

A reportagem - de autoria do Sr. Larry Rohter, jornalista que ganhou, recentemente, embaraçosa notoriedade em nosso País - anuncia, ainda, a assinatura, em junho deste ano, de contrato entre a Coomigasp e uma mineradora norte-americana, a Phoenix Gems, no valor de 240 milhões de dólares, para a retomada mecanizada da lavra de Serra Pelada. Diz a Folha, ainda, que, além dessa quantia, receberiam os garimpeiros royalties equivalentes a 40% da produção que se vier a alcançar na mina.

Por sua vez, noticiou o Ministério de Minas e Energia, no dia 2 de agosto, o fechamento de acordo entre as diversas representações de garimpeiros, acordo esse intermediado por representantes do próprio Ministério, do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), do Ministério do Trabalho, da Casa Civil e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

Os termos acordados restabelecem, para efeito de rateio das receitas de exploração, a participação dos garimpeiros associados à Cooperativa desde 1984, ano de sua fundação. O quadro associativo da Cooperativa deverá ser recomposto em 60 dias, quando o DNPM, então, readequará os títulos minerários da área, por meio de entendimentos com a Companhia Vale do Rio Doce.

Nada está ganho, Sr. Presidente. Esboça-se, entretanto, uma possibilidade de solução para a dramática situação dos garimpeiros de Serra Pelada; um fim possível à “guerra de todos contra todos”, ou, seguindo com Hobbes, um fim à “igualdade pelo medo”, apanágio característico de uma “terra sem lei”.

A ação desencontrada e irresoluta do Governo Federal, em anos passados, fez prosperar, em Serra Pelada, uma situação de caos social de proporções titânicas.

Abre-se ao governo do presidente Lula a possibilidade de resgate da ação estatal na região e, por conseqüência, a de garantir efetivamente a eliminação dos desmandos, das ilegalidades e do oportunismo que contaminam o tecido social, garantindo e viabilizando a própria cidadania.

Deve o Governo Federal, à Região Norte e aos garimpeiros de Serra Pelada, uma ação firme e coordenada na resolução desses problemas. Tem o Governo a oportunidade de reinstalar o Estado em Serra Pelada e, com ele, as perspectivas de uma vida mais digna e de um futuro mais promissor, nesse que é um rincão já por demais sofrido e vilipendiado.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/2004 - Página 28883