Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 03/09/2004
Discurso durante a 124ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Comentários à decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA INDIGENISTA.:
- Comentários à decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/09/2004 - Página 29020
- Assunto
- Outros > POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
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- COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, PRESIDENCIA, ORADOR, INVESTIGAÇÃO, CONFLITO, TERRAS INDIGENAS, ELOGIO, REFERENCIA, RESERVA, ESTADO DE RORAIMA (RR), APRESENTAÇÃO, RELATORIO, SUGESTÃO, CONCILIAÇÃO, INTERESSE, INDIO, PROTEÇÃO, FRONTEIRA.
- SAUDAÇÃO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REFERENCIA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ANULAÇÃO, PARTE, PORTARIA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ATENDIMENTO, RECOMENDAÇÃO, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, LEITURA, TRECHO, VOTO, ELLEN GRACIE NORTHFLEET, MINISTRO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO.
- EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLUÇÃO, POLITICA FUNDIARIA, ESTADO DE RORAIMA (RR), BRASIL, CONCILIAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, POLITICA INDIGENISTA.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte o discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Heloísa Helena, Srªs e Srs. Senadores, quero hoje manifestar-me sobre um assunto da maior importância para o meu Estado e, com certeza, para a questão indígena brasileira.
Tenho a honra de estar presidindo a Comissão Temporária Externa do Senado Federal, criada para investigar conflitos em terras indígenas. Começamos por Roraima exatamente por causa da Reserva Indígena Raposa/Serra do Sol; fomos a Mato Grosso do Sul e a Santa Catarina. Já estivemos também em Rondônia onde, lamentavelmente, ocorreu o triste episódio do assassinato de mais de 30 trabalhadores, garimpeiros que estavam ali operando em parceria com os índios a extração ilegal de diamantes. Lamentavelmente, os diamantes eram vendidos para contraventores, para contrabandistas, que os enviavam para o exterior e, assim, o Brasil não tinha nenhum lucro nessa transação. Os pobres índios e garimpeiros ficavam com as migalhas das vendas dessas pedras, que, no caso, são diamantes de altíssima qualidade, extraídos da maior e melhor reserva do mundo.
Srª Presidente, também manifesto-me sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal tomada no dia 1º de setembro, anteontem. É a quinta decisão sobre a Reserva Raposa/Serra do Sol. Como disse, o primeiro ato da nossa Comissão Externa foi ir a Roraima visitar a região de Raposa/Serra do Sol e ouvir todos os envolvidos no episódio. Ouvimos tanto os índios que pensam como a Funai como também aqueles índios que não pensam como a Funai. Ouvimos também os produtores da região, os moradores, os prefeitos; enfim, ouvimos todas as classes do Estado, inclusive a OAB. Todas as entidades foram convidadas para serem ouvidas. Analisamos os documentos e ouvimos o Governador do Estado e o Presidente da Funai.
Ao final desse trabalho, produzimos um relatório, que recomendou ao Poder Executivo uma série de medidas e propôs ao Poder Legislativo outras tantas para resolver especificamente a questão Raposa/Serra do Sol, além de providências de âmbito nacional, para colocar essa política indigenista nos trilhos, dentro de uma visão nacionalista e de uma visão de justiça social, que atenda aos índios que pensam de determinada forma, que atenda aos índios que pensam de forma diferente, e atenda aos não índios que moram lá e que são casados com índios.
No caso da Raposa/Serra do Sol, por exemplo, a índia mais velha de lá, a matriarca, é casada com um não índio. Ela gerou toda uma descendência de mestiços e não pretende ver sua família sair de lá porque é casada com um não índio.
O que aconteceu? Três advogados deram entrada, em Roraima, em 1998, se não me falha a memória, em uma ação popular contra a Portaria do Ministro da Justiça, que pretendia homologar a região Raposa/Serra do Sol em reserva contínua, de modo contínuo, e tirando de lá todo mundo. Tirando de lá a sede do Município de Uiramutã, tirando de lá as povoações das vilas que compõem o Município, acabando com todo tipo de produção agrícola e pecuária da região. Isso se daria numa região de fronteira tríplice: Brasil, Venezuela e Guiana, onde campeia todo tipo de irregularidade e de crime, como contrabando de minérios do Brasil para a Guiana, da Guiana para o Brasil; tráfico de drogas do Brasil para a Guiana, mas principalmente da Guiana para o Brasil, descaminho de todo tipo de mineral via Venezuela. É uma fronteira totalmente entregue ao deus-dará. Foi uma luta para o Exército brasileiro lá criar um quartel. Houve reação de um segmento da Igreja Católica, comandada pelo Cimi e pelo CIR, que entraram na Justiça para impedir a construção do quartel.
Srª Presidente, a ação popular foi iniciada por um ex-Promotor de Justiça do Estado de Roraima, que já faleceu, Dr. Hitler Brito de Lucena, com quem tive diversas oportunidades de conversar sobre esse assunto; pelos Advogados Silvino Lopes e Alcides Lima Filho, que já foi Deputado Federal e que, portanto, conhece muito bem essa questão. A ação vinha tramitando normalmente até que o Deputado Luciano Castro, a Deputada Suely Campos e eu demos entrada a um pedido de liminar ao juiz, uma vez que o atual Ministro da Justiça anunciava aos quatro cantos do Brasil que iria homologar aquela reserva de forma contínua, como queria a Funai e as ONGs ligadas a ela, contrariamente ao desejo da maioria dos índios que moram naquela região e à maioria da população do Estado.
O juiz concedeu a liminar, excluindo da Portaria justamente esses núcleos populacionais e as áreas produtivas. A Funai, não conformada, juntamente com esse grupo de índios que obedecem à orientação da Igreja católica recorreram para o Tribunal Regional Federal. A Desembargadora Selene não só manteve a liminar do juiz de Roraima, Dr. Hélder Girão, como atendeu à recomendação do relatório da Comissão Externa do Senado no sentido de que, além das áreas que o juiz havia determinado fossem excluídas, retirasse a reserva ecológica do Monte Roraima e também uma faixa de fronteira de 15 quilômetros, protegendo a nossa fronteira com a Venezuela e com a Guiana, que vivem em litígio por causa de terra. A Venezuela até hoje não reconhece uma área enorme que hoje pretensamente é da Guiana; portanto, há um litígio por causa disso, além dos delitos e das contravenções que já citei.
Não conformados, Funai, Ministério Público Federal e AGU recorreram ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Por decisões monocráticas dos respectivos presidentes, a decisão da Desembargadora Selene, ampliando a sentença do juiz Hélder Girão, foi mantida
Não conformado, o Procurador-Geral da República agravou para o Supremo Tribunal Federal contra a decisão da Ministra Ellen Gracie, que tinha mantido as decisões anteriores.
No dia 1º, foi julgado o agravo e, por unanimidade, os ministros presentes à sessão mantiveram as decisões anteriores, isto é, a Portaria baixada pelo Presidente da Funai e pelo Ministro da Justiça foi anulada em parte, como recomendado no relatório da Comissão Externa do Senado, porque representa o fruto do bom senso.
Essa Comissão tem um excelente Relator, o Senador Delcídio Amaral, pessoa equilibrada, sensata, que tem procurado fazer um trabalho muito sério. Temos contado com a competente Consultoria do Senado Federal, que tem elaborado estudos jurídicos e procurado embasar os nossos relatórios. Já apresentamos relatório sobre Roraima, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina e estamos elaborando o de Rondônia.
Eu gostaria então de parabenizar o Supremo Tribunal Federal, porque está resolvendo, Srª Presidente, um conflito federativo de alto alcance a respeito da justiça social, porque aqui havia uma miopia - vamos chamar de miopia para não usar um termo mais pesado - em relação a uma falsa defesa da minoria indígena daquela região, porque essa defesa não correspondia ao pensamento da maioria dos índios daquela região. A Funai escolheu uma entidade, o Conselho Indígena de Roraima, para ser a dona da verdade. As outras quatro entidades existentes lá, que são a Sodiur, Arikon, Alidicir e Coping, que são formadas por índios que moram na região, não são ouvidas. Elas são, como na época da Inquisição, demonizadas, porque a verdade só está com o Conselho Indígena de Roraima. Felizmente, a decisão de ontem reproduziu fielmente as argumentações jurídicas já levantadas pelo juiz de Roraima, pela Desembargadora Selene, pelo Ministro Edson Vidigal, do STJ, e pela Ministra Ellen Gracie.
Eu quero aqui ressaltar o trabalho sério que a Comissão Externa do Senado tem feito. Quero também parabenizar o Presidente José Sarney, que teve a sensibilidade de criar essa Comissão, trazendo para o Senado a discussão de um assunto tão sério como esse, que é o da questão indígena, porque 12% do território nacional foi demarcado como terras indígenas para uma população que corresponde a 0,2% da população nacional. Coincidentemente, essas reservas indígenas estão em cima das reservas minerais do País.
Srª Presidente, vou ressaltar uma parte do voto da Ministra Ellen Gracie, que é muito importante para o Senado:
Ainda nesta seara, vale destacar a conclusão da Comissão Temporária Externa do Senado Federal (Relatório nº 3/2004) sobre demarcação de terras indígenas na área Raposa/Serra do Sol, Estado de Roraima, criada mediante o Requerimento nº 529/2003, que, na mesma direção das decisões liminares proferidas, ressaltou:
“Conforme sobejamente explicitado no corpo deste relatório, hão de ser resguardadas da demarcação áreas que, acaso incluídas na Terra Indígena, venham a acarretar à região graves problemas de ordem política, econômica e social, bem assim as que violem atos jurídicos perfeitos e ofereçam risco potencial à defesa das fronteiras.”
Esse é o trecho que a Ministra extraiu do relatório da Comissão Externa do Senado, que tenho a honra de presidir e que tão bem tem sido relatada pelo Senador Delcídio Amaral.
Finalmente, o voto da Ministra diz:
Assim sendo, entendo que todas essas dificuldades de se encontrar uma fórmula que acomode todos os valores constitucionais em jogo só confirmam o acerto das decisões impugnadas em não manter indefinidamente os plenos efeitos de uma Portaria ainda pendente não só de confirmação judicial, como também política.
Por esses motivos, nego provimento ao agravo.
É um fato histórico. Roraima já tem 32 reservas indígenas demarcadas, que correspondem a mais de 50% do seu território, para uma população indígena que corresponde a 8% do Estado. Essa reserva, que representa 1 milhão e 700 mil hectares na fronteira com a Venezuela e a Guiana, seria o maior escândalo, o supra-sumo da falta de visão nacionalista de um órgão do Governo do Brasil.
Espero que o Presidente Lula agora, com esses dados jurídicos, possa desentranhar dessa questão da Raposa/Serra do Sol as outras questões fundiárias de Roraima, que estão sob o domínio do Incra, que são terras devolutas da União, e repasse para o Estado essas terras e possamos fazer um planejamento adequado para o seu desenvolvimento, porque hoje estamos realmente contra a parede. A cada dia a Funai inventa uma nova terra indígena, a cada dia a Funai inventa uma nova expansão de terras indígenas. É preciso que o Brasil entenda que não é só na Amazônia. Doze por cento do território nacional já está demarcado para terras indígenas e, segundo o Ministro, isso corresponde a apenas 80% do que eles querem demarcar; ainda faltam 20%. Roraima é o campeão, pois 50% de suas áreas já foram demarcadas, mas não é o Estado que tem a maior população indígena; é o terceiro. Na frente de Roraima, estão Mato Grosso do Sul e Amazonas. Na Amazônia, mais de 30% de suas terras são indígenas, outro tanto de reservas ecológicas. Então, é preciso, sem partir para certas atitudes facistas de rotular de genocida quem pensa diferente, nos sentarmos à mesa e tomarmos uma decisão que atenda ao bem do país, ao seu desenvolvimento.
Para completar essa história, vejam o contra-senso. O Brasil tem milhões de desempregados, paga juros extorsivos de dívida interna e externa, mas tem a maior reserva de diamantes do mundo, diamantes de primeira qualidade, e essa reserva não é explorada legalmente. O Brasil não usufrui disso porque os diamantes são contrabandeados há vários anos com o conhecimento da Polícia Federal, com o conhecimento do Ibama, com o conhecimento da Funai, inclusive com a participação de seus funcionários nessa história.
Estamos concluindo esse relatório de Rondônia e esperamos dar nome aos bois. A Polícia Federal, que também quero aqui isentar, está fazendo uma apuração séria. Inclusive, membros da própria Polícia Federal já foram presos.
Encerro, Srª. Presidente, ao registrar essa questão da Raposa/Serra do Sol, dizendo da minha satisfação de ter contribuído como Senador, ao pedir a formação dessa Comissão Externa Temporária. Presidi-a durante esse período e tive a colaboração do Relator, Senador Delcídio Amaral, do Senador Jefferson Péres e dos outros membros. Realmente, estamos trazendo para o Senado, que é a Casa da Federação, a discussão de um problema que diz de perto o interesse do nosso País, portanto, da nossa Federação.
Peço a transcrição, na íntegra, do documento a que me referi neste meu pronunciamento.
Muito obrigado.
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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)
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Matéria referida:
“Agravo Reg. na Suspensão Liminar 38-1 - Roraima”