Discurso durante a 124ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao posicionamento do governo federal sobre a questão da transposição das águas do rio São Francisco.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Críticas ao posicionamento do governo federal sobre a questão da transposição das águas do rio São Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2004 - Página 29035
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, DEBATE, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, DESTRUIÇÃO, MEIO AMBIENTE, NECESSIDADE, ANTERIORIDADE, INVESTIMENTO, RECUPERAÇÃO, ECOSSISTEMA, INICIO, MELHORIA, APROVEITAMENTO.
  • NECESSIDADE, ALTERNATIVA, URGENCIA, SOLUÇÃO, SECA, ESTADO DA PARAIBA (PB).
  • REGISTRO, DADOS, IMPACTO AMBIENTAL, REDUÇÃO, PESCA, RIO SÃO FRANCISCO, DETALHAMENTO, PROPOSTA, RECUPERAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, MUNICIPIOS, MARGEM.

A SRª HELOÍSA HELENA (PSOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores que aqui não estão presentes - só os Senadores ad hoc, que são os funcionários da Casa -, Senador Mozarildo Cavalcanti, mais uma vez o atual Governo, do mesmo jeito que os governos passados, tenta ludibriar a opinião pública sobre um tema de alta complexidade técnica, que é a questão da transposição do rio São Francisco.

Tenta-se impor à opinião pública um debate desqualificado, como se houvesse aspectos emocionais em relação aos Estados que têm Municípios na bacia hidrográfica do rio São Francisco, um suposto egoísmo de alguns Estados, no caso específico dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe. Alagoas e Pernambuco, onde há os Municípios que estão na chamada bacia hidrográfica do rio São Francisco.

É evidente, Sr. Presidente, que o rio São Francisco tem sido motivo de debate há muito tempo na história deste País, desde que a caravela de Américo Vespúcio, pela primeira vez - justamente no dia de São Francisco, daí a ele ser dado o nome de São Francisco -, viu o rio, que os povos indígenas denominavam-no Opara, rio-mar, o rio São Francisco passou a ser parte de discursos demagógicos e de cantilenas enfadonhas por muitos políticos, tanto que a ele deram a denominação de rio da Integração Nacional. E todo o tempo, várias personalidades, desde a Monarquia portuguesa, quando aqui estava instalada, que alardeou o povo brasileiro que entregaria as pedras preciosas das jóias da Coroa se alguém garantisse a utilização do rio São Francisco para o Nordeste.

Já tive a oportunidade de, várias vezes, discutir este tema na Casa, ainda no governo anterior, que, evidentemente, tentou viabilizar o projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Depois, o projeto foi paralisado em função da crise energética, de conhecimento de todo o Brasil. Até porque o rio São Francisco, infelizmente, ainda não conseguiu cumprir seu destino, ora para projetos de irrigação para dinamização da economia local, geração de emprego e renda, ora para abastecimento humano. Afinal, toda a potencialidade do rio foi sendo utilizada para geração de energia, já que não aconteceram outros investimentos em outros componentes de matriz energética, a fim de que o rio pudesse ser utilizado, na sua potencialidade, para aquilo que, de fato, é o seu destino. E não existe substituição tecnológica.

Agora, o atual Governo começa com a mesma cantilena enfadonha, mentirosa, supostamente eivada de racionalidade, e não o é. É evidente que todos sabemos que existem experiências extremamente importantes de transposição de águas. Isso já aconteceu aqui mesmo, no Brasil - é evidente -, não com o impacto de uma transposição do rio São Francisco, mas em projetos menores no Brasil e em vários países do mundo. Portanto, não existe nenhuma inovação em relação ao tema. Não existe nenhuma idéia fixa contra a transposição de águas.

Existe uma realidade concreta da situação de nosso rio São Francisco, porque é uma situação extremamente difícil. Quem conhece o rio São Francisco, ou o sobrevoando ou vivendo nas cidades ribeirinhas, sabe exatamente o impacto ambiental gravíssimo de que o rio tem sido vítima.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os 2.700 km de extensão do rio São Francisco, fora os 690 km2 de sua bacia hidrográfica, podem ser aproveitados de outra forma.

É importante que se faça uma moratória no debate da transposição do rio São Francisco e que se promovam todos os investimentos necessários para garantir a sua revitalização em cinco anos, no mínimo, para que, após análise técnica e cuidadosa da estrutura do rio, possamos trazer o debate da transposição das águas.

Todos que acompanham a situação do Nordeste, a miséria, a dor e o sofrimento do povo nordestino - é evidente que não por questões climáticas, mas pela sua podre oligarquia financeira e política - sabem que, de fato, há um único Estado que tem problemas graves. O que não significa, como em todos os outros Estados do Nordeste, a ausência de melhor aproveitamento de suas águas, quer seja das águas subterrâneas, quer seja dos depósitos já construídos, muitos deles com dinheiro público e usados privativamente pelos grandes proprietários e empresários do sertão. Agora, vêm com essa cantilena mentirosa e enfadonha de que precisam transpor as águas do rio São Francisco para minimizar a sede do povo nordestino.

Para o Estado da Paraíba tem que se pensar realmente numa alternativa tecnológica específica. Há pessoas também morrendo de sede no interior de Minas Gerais, no interior de Alagoas, no interior de Sergipe e em algumas das capitais onde há problemas gravíssimos de abastecimento de água. Não há liberação para projetos de irrigação porque sempre o Governo Federal, especialmente por intermédio da Chesf, entidade pela qual todos temos respeito - é evidente que a centralidade do trabalho da Chesf é a geração de energia - não promoveu a regularização das vazões. Não é à toa que hoje se pesca no rio São Francisco - o maior impacto ambiental na história recente do País - apenas 10 % em toneladas de peixe do que se pescava há oito anos. Isso é de um impacto ecológico gigantesco.

            Em vez de se fazer um novo projeto faraônico, mais um dos grandes projetos que podem terminar como obras inacabadas, que vai significar dinheiro no bolso de empreiteiras, de construtoras e dos seus serviçais da política, que se faça um grande projeto de revitalização do nosso rio São Francisco. Isso significa regularização da vazão do rio para garantir a vitalidade orgânica do mesmo, inclusive a sobrevivência de milhares de pescadores artesanais da região. É fundamental uma política operacional para a geração de energia na bacia hidrográfica do São Francisco. Isso significa novos investimentos em outros componentes de matriz energética, para que a água do rio possa realmente ser aproveitada para projetos de irrigação abastecimento humano e animal. É fundamental conter a devastação florestal, tanto pela agricultura itinerante, como pela produção de carvão vegetal, o que têm gerado uma grande agressão às nascentes. É de fundamental importância a recomposição das matas ciliares que já foram destruídas e que se impeça a destruição do que ainda tem de remanescente da mata nativa. É fundamental também que se faça o controle do desbarrancamento, do desassoreamento, da perenização dos afluentes do semi-árido e que se garanta projetos de irrigação e abastecimento de água para quatorze milhões de nordestinos que estão hoje no Vale do São Francisco e que não têm água para beber. Lá no Estado de Alagoas, Senador Mozarildo Cavalcanti, a população vê o rio, mas não têm condições de usar a sua água nem para abastecer suas casas nem para seus animais, que morem de sede e de fome. Não há projeto de irrigação também.

Portanto, é preciso acabar com essa história de querer fazer agroshows, projetos para grandes proprietários, grandes latifundiários, enfim, grandes projetos de irrigação para abastecer os hotéis da Europa, sem produzir aquilo que é importante para o consumo interno, para o mercado interno das massas, aquilo que é fundamental para o povo brasileiro. Se existe o desejo de realizar um grande projeto, sugiro o saneamento básico para mais de 600 Municípios do Vale do São Francisco, que jogam in natura seus dejetos diretamente no rio ou em seus afluentes, gerando uma poluição sem limites na água do rio.

Então, entendemos que existem muitas propostas que foram construídas nesta Casa mesmo. O Senador Mozarildo Cavalcanti fez uma Comissão para analisar o Rio São Francisco, e o Relator foi o então Senador Waldeck Ornelas. Esse foi um trabalho muito importante: várias audiências públicas, muitos debates e muitas propostas concretas, ágeis, eficazes que existem, tanto para garantir a revitalização do Rio São Francisco, como o seu aproveitamento para projetos de irrigação, de abastecimento de água para a própria população que está na Região do Vale do São Francisco e que também morre de fome e de sede. Então, não existe nenhum debate egoísta, emocionalista em relação ao fato; existe, sim, um debate técnico, de alta complexidade, portanto muito melhor do que a cantilena enfadonha do atual Governo e que repete a do Governo anterior. Falando em transposição das águas é fundamental a revitalização do Rio São Francisco para que ele não morra e seja aproveitado pela atual geração, pelas gerações futuras do Nordeste e do Brasil.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2004 - Página 29035