Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem as cidades Cruzeiro do Sul e Sena Madureira, no Estado do Acre, por ocasião das comemorações do centenário de fundação e instalação desses Municípios.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem as cidades Cruzeiro do Sul e Sena Madureira, no Estado do Acre, por ocasião das comemorações do centenário de fundação e instalação desses Municípios.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2004 - Página 29313
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, MUNICIPIO, CRUZEIRO DO SUL (AC), SENA MADUREIRA (AC), ESTADO DO ACRE (AC), LEITURA, TEXTO, PROFESSOR UNIVERSITARIO, UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE (UFAC), HISTORIA, DESENVOLVIMENTO.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Senador Paulo Paim, Presidente desta sessão; Sr. Senador Geraldo Mesquita Júnior, que propôs, de maneira muito bem lembrada, esta homenagem às duas cidades do Acre; Sr. convidado especial, Senador e Governador do nosso Estado, Geraldo Mesquita, pai de Geraldo Mesquita Júnior, quero agradecer, de todo coração, o texto que recebi do Dr. Jones Dari Goettert, Professor do Departamento de Geografia da Ufac - Universidade Federal do Acre, que passo a ler na íntegra:

Cruzeiro e Sena: cem anos fazendo do Acre, o Acre

Desde 1822, setembro é o mês da Independência... Mas somos todos sabedores que Dom Pedro I, às margens do rio Ipiranga, em seu “Independência ou Morte”, fez muito mais um favor a Portugal do que um feito extraordinário para o Brasil. O latifúndio e a monocultura continuaram tão fortes, ao lado da escravidão, mesmo depois do Brasil pretensamente livre.

Em 1850, ainda sob o império da herança portuguesa, o governo de Dom Pedro II edita a Lei de Terras, que fazia a terra cativa - que só poderia ser adquirida pela compra - no embalo das articulações que levariam, em 1888, à libertação dos escravos: livres as mulheres e homens, agora cativa era a terra. Não adiantava teimar: a lógica do latifúndio perduraria.

Foi ali, no contexto da segunda metade do século XIX, que milhares e milhares de pessoas cruzaram a parte setentrional do Brasil rumo à Amazônia da borracha. O “ouro branco” ou o “ouro negro” fez com que nordestinos, principalmente, deixassem sua terra para o trabalho nos seringais, que se formavam às margens dos rios e igarapés do extremo oeste do Brasil.

As seringueiras, no entanto, não obedeceram os limites internacionais para crescerem. Sua territorialidade excedia o Brasil e milhares de brasileiros atravessaram para terras bolivianas e peruanas. A luta pela anexação do Acre ao Brasil completou o seu centenário há pouco mais de um ano. Os cem anos do Acre, no entanto, também podem ser pensados a partir da constituição de seus municípios e cidades, como parte de um processo de reocupação, fixação e produção de lugares, de jeitos e de sujeitos. É nesse contexto que surgem, como a expressão da vida social, econômica, política e cultural, dois importantes municípios acreanos: Cruzeiro do Sul e Sena Madureira.

Ambos em 1904. Ambos em setembro. Um, parte do oeste acreano. Outro, parte do leste do Estado. Os dois, como resultado do trabalho de mulheres e homens da borracha, da castanha, da farinha de mandioca e do mandim, do rio Juruá, do rio Moa, do rio Iaco, do rio Caeté e do rio Macauã. De mulheres e homens, também das etnias indígenas - aqui, em especial, a etnia Náua - que, na resistência, tem assegurados os seus territórios feitos lugares da diversidade, da produção de saberes e fazeres que devemos, sempre, buscar apreender em nosso próprio pensamento e prática.

Cruzeiro do Sul: 100 anos de tempos e lugares por entre rios, gentes e estrelas.

Cruzeiro do Sul é o centro de um Acre ainda movido, em grande medida, por rios e igarapés. Cortado pelo rio Juruá, Cruzeiro do Sul condensa, em grande medida, as relações construídas em todo o oeste acreano, envolvendo Mâncio Lima, Rodrigues Alves, Porto Walter e Marechal Thaumaturgo, mas também os municípios de Guajará e Eirunepé, no Amazonas.

Cruzeiro do Sul surgia, no final do século XIX, como seringal, como “centro brasileiro”, assumindo, geoestrategicamente, um papel de destaque na exploração do alto Juruá e afluentes. Em 1904, surgia definitivamente, quase um ano após a anexação do território acreano ao Brasil, exatamente em 28 de setembro, uma das principais cidades e Municípios da Amazônia sul ocidental: mulheres e homens, como Gregório Thaumaturgo de Azevedo, fizeram surgir Cruzeiro do Sul.

Contudo, os cem anos de Cruzeiro do Sul não se resumem aos homens e mulheres de sua história política. Importante, mas a política sul-cruzeirense é parte de sua economia, sociedade e cultura. Componentes indissociáveis que têm na participação de cada morador, do centro ou dos bairros, das colônias ou dos seringais, sujeitos que fizeram e refazem a vida que se escreve em cada palmo das terras e rios do oeste acreano.

Terras e rios que fazem, a cada mês de agosto, surgir barcos e mais barcos em comunhão durante o Novenário de Nossa Senhora da Glória, que tem sido, há anos e anos, um dos principais momentos de encontro, de religiosidade, de visitas e de turismo em Cruzeiro do Sul. Momento que reúne tantos sul-cruzeirenses como gentes distantes, que cruzam o oeste acreano e que cruzam o próprio Estado, e muitas e muitos, também o Brasil. Uma cidade que, no Novenário e em todos os outros momentos, tem sido acolhedora de gentes das mais diversas paragens, que encontram, ali onde o Moa encontra o Juruá, um lugar para viver.

Terras e rios que trazem, a cada dia, a mandioca que faz a farinha ou a farinha que faz, de Cruzeiro do Sul, o lugar onde se produz, se não a melhor, uma das mais maravilhosas farinhas de mandioca do Brasil. Das mãos de mulheres e homens que plantam a rama, que cultivam o mandiocal, que arrancam a raiz, que descascam e fazem, em cada ponto do oeste acreano, a farinha que se desmancha na boca de milhares de pessoas dali e de longe. A farinha que vem ao lado do feijão, da banana e da melancia, vendidas e compradas no mercado público, de onde se vê e se sente a arquitetura fantástica da Catedral abençoando as ruas e os bairros sul-cruzeirenses, abençoando as palafitas do Bairro da Lagoa, abençoando os catraieiros que levam e trazem, abençoando os estivadores do porto do Quirino e as meninas e meninos que se banham nas águas do Juruá, nos verões onde as águas mostram o fundo e não invadem as ruas próximas.

Uma Cruzeiro do Sul que vai se fazendo nos banhos do rio Moa ou nos banhos do igarapé Preto, por onde as águas frias parecem se aquecer com os corpos quentes dos finais de semana.

Uma Cruzeiro do Sul que, topograficamente, caracteriza-se por “ondas” que sobem e que descem, comparadas às pequenas ondas que se formam pela passagem de dezenas de catraias do rio Juruá. Nas “ondas” da cidade, no entanto, o centro e a periferia também participam dos contrastes, ambigüidades e contradições que reúnem riqueza e pobreza, que dividem pobres de ricos, que separam casas grandes e casas pequenas e que prefiguram a necessidade de uma atuação importante na consolidação de mudanças significativas que atinjam a maioria de suas gentes, desde os fortes grupos econômicos aos grandes e imensos contingentes de pessoas que anseiam por um lugar melhor, seja na cidade, no campo ou na floresta.

Uma Cruzeiro do Sul desconhecida para parte importante da população acreana, em especial pela dificuldade de acesso durante a maior parte do ano em função da não completa pavimentação da rodovia BR-364. Esse desafio, contudo, está sendo arduamente vencido e a conclusão da pavimentação, para os próximos anos, tenderá a estreitar não apenas os compromissos e laços políticos e econômicos entre os extremos acreanos, mas fundamentalmente a contribuir para o encontro entre acreanos de seus 22 municípios, em que xapurienses e rio-branquenses visitem Cruzeiro do Sul e em que gentes de Cruzeiro do Sul possam, rápida e economicamente, visitar a capital, Assis Brasil, Acrelândia e outros municípios.

Por isso, as obras da pavimentação da BR-364 podem e devem continuar, apontando e apostando no sentido da viabilização do encontro entre gentes tão próximas porque, moradoras do Estado, mas ao mesmo tempo tão distantes pelas dificuldades até então encontradas. O projeto de um Acre melhor envolve, necessariamente, o oeste do Estado e, entre os seus municípios, Cruzeiro do Sul aponta decisivamente para cima, para as estrelas que formam, junto com o município e suas gentes aqui embaixo, o Cruzeiro que brilha mesmo em noites de chuva, porque atrás das nuvens, tanto para baixo como para cima, as estrelas reais e a estrela de cada gente sul-cruzeirense se fazem mais belas no brilho e na alegria em celebrar e comemorar um século de existência.

Eu pediria só mais um minuto para concluir, Sr. Presidente.

Sena Madureira: 100 anos de tempos e lugares por entre rios, estradas e ruas.

Cem anos. Quatro gerações. Rios. Dezenas e dezenas de igarapés. Estradas de seringa. Ruas da cidade. Rodovia que liga a leste e a oeste. Iaco que liga ao Purus. Purus que liga o Estado do Amazonas. Do rio de mesmo nome que liga o mar. Na ponta inversa, o alto laco liga ao Peru. Iaco, Macauã e Caeté, que deslizam meandricamente na direção sudoeste-nordeste. Inversamente, há mais de um século e durante toda a história de Sena, homens e mulheres remaram rios e igarapés acima, muitos e muitas deixando suas vidas como parte importante de um lugar que se fez seringal, que se fez vila e que se fez cidade. Que se fizeram varadouros, tapiris, barracões e pelas e mais pelas de borrachas: o trabalho feito “bola” escura navegando para rodar os automóveis de Detroit, de Londres e de Paris.

Sena Madureira, em homenagem ao coronel Antônio, participante da Guerra do Paraguai. Sena, do seringal “Santa Fé”, na foz do rio Iaco, lembrando a importante participação de Manuel Urbano da Encarnação. Sena, do “governo revolucionário” de 1912. Sena, da capital do Território do Acre entre 1913 e 1915. Sena, das cenas políticas e de sua economia. De sua sociedade e de sua cultura. De suas milhares de gentes, de ontem e de hoje.

Em 2000 eram 29.412 pessoas espalhadas por seu território. Mais da metade, 16.148, na cidade. Mais de 13 mil na zona rural feita de campo, de agricultura e de floresta. E também feita de aldeias: quase 800 índios e índias. Uma Sena feita de suas milhares de gentes, muito mais de 29.412, porque muitas e muitos fazem parte da terra que fez brotar as seringueiras, mas também as cruzes que marcam os corpos da morte da velhice e da morte prematura de mulheres e homens que trouxeram e deixaram, desde tempos imemoriais até hoje, passando pelos auges e crises da atividade gumífera, “a força que nunca seca” e o trabalho que se faz casa, que se faz canoa, que se faz rio e que se faz bairro, principalmente comunidades e cidades.

Sena que vira Cavalhada: corrida para acertar a argola. Que vira Arraial da Igreja no mês de maio. Que vira aniversário da cidade, que vira festa junina, que vira quadrilhas de dança, que vira Carnaval. Que vira encontro a cada ano, trazido e revivido por gentes que trouxeram do Nordeste relações de solidariedade e de fraternidade. Também do Sudeste, do Sul, do Centro-Oeste e do Norte. De lugares e gentes que fazem brotar a vida mesmo em meio aos contrastes da riqueza e da pobreza, da concentração da terra pelo latifúndio e da Floresta Nacional do Macauã, onde muitos fazem do rio e da terra a vida.

Vou saltar para finalizar, Sr. Presidente. É um texto prolongado, mas é um texto que achei bonito.

Só para encerrar:

Uma volta para casa, para Sena Madureira, depois que todas e todos tenham, festiva e alegremente, acertado a argola feita Cavalhada e terem comido, em abundância, os mandins que saciam a fome biológica e também a “fome” da esperança, por cem anos melhores que virão pelo trabalho e dedicação de suas gentes, como muito bem os últimos cem anos demonstraram.

A todas e a todos, de Cruzeiro do Sul e de Sena Madureira, os parabéns da alegria por um século de vida, e os parabéns da coragem, pelos cem próximos anos.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, peço que meu discurso seja publicado na íntegra.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR SIBÁ MACHADO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2004 - Página 29313