Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao excesso de medidas provisórias editadas pelo Governo Federal.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV). POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Críticas ao excesso de medidas provisórias editadas pelo Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 15/09/2004 - Página 29345
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV). POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EDIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PREJUIZO, EFICACIA, ATUAÇÃO, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, DESRESPEITO, PRERROGATIVA, COMPETENCIA LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL, AUSENCIA, OBSERVAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • QUESTIONAMENTO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PARCERIA, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO.
  • COMENTARIO, LEITURA, DIVERSIDADE, SUGESTÃO, ESPECIALISTA, DEFESA, PARTICIPAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, SETOR, INFRAESTRUTURA, PAIS.
  • NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, PARTICIPAÇÃO, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, BUSCA, ALTERNATIVA, CAPTAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, INICIATIVA PRIVADA, OBJETIVO, REATIVAÇÃO, SETOR, INFRAESTRUTURA, PAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o acalentado sonho de um Poder Legislativo respeitado, acreditado, valorizado diante da sociedade brasileira esvai-se diante da paralisia que o acomete em função do excesso de medidas provisórias editadas pelo Presidente Lula.

Tais medidas afrontam o Poder Legislativo, amesquinhando-o sem dúvida, e afrontam a Constituição porque inconstitucionais, por não guardarem a necessária e estreita relação com os pressupostos básicos indispensáveis da relevância e da urgência. Afrontam o Poder Legislativo porque subtraem dele prerrogativas fundamentais de legislar sobre matérias da maior importância para o País, de legislar sobre matérias que motivam medidas provisórias, sobre matérias que tramitam no Congresso Nacional e que não chegam à deliberação exatamente pelo trancamento da pauta imposto pela preferência que há de se conferir, pela legislação, às medidas provisórias editadas pelo Executivo.

Na medida em que o Poder Legislativo abre mão das prerrogativas de legislar, fortalece o Executivo. E o fortalecimento desmedido do Poder Executivo compromete a evolução do processo democrático no País. Aqueles que condenavam ontem a edição de medidas provisórias avalizam-nas hoje, a começar pelo atual Presidente do Partido dos Trabalhadores, que, no dia 30 de agosto de 2000, em artigo publicado no jornal A Província do Pará, afirmava:

O uso indiscriminado das medidas provisórias também se tornou uma fonte de corrupção e de negociatas. A extemporaneidade e a provisoriedade das medidas provisórias constituem brechas técnicas de não-transparência, que são aproveitadas por um pequeno grupo de pessoas para aumentar seu poder no Governo e para incrementar vantagens e negócios de duvidosa moralidade e legalidade.

Sábias, sem dúvida, as palavras do atual Presidente do PT, publicadas no dia 30 de agosto de 2000, nesse artigo do jornal Província do Pará.

Gostaríamos que o mesmo discurso pudesse ser pronunciado hoje pelo Presidente do Partido dos Trabalhadores. Certamente, o Presidente da República o ouviria, já que o PT é o Partido responsável maior pela sustentação política do atual Governo.

Somos forçados a ouvir constantemente que a Oposição não deseja votar matérias importantes para o País. E essa é uma afirmação politicamente desonesta, não é verdadeira. A Oposição deseja votar, no entanto, não pode votar determinadas medidas provisórias. O Governo tem que assumir sua responsabilidade por inteiro. A paralisia no Congresso Nacional, o comprometimento da produção legislativa é responsabilidade do Governo, que adota uma postura autoritária, impondo medidas provisórias inconstitucionais.

Ainda hoje o Governo publica no Diário Oficial da União a Medida Provisória nº 124, que define o biodiesel como combustível para motores. Seria urgente? Seria relevante essa proposta do Governo? A definição do biodiesel como combustível para motores exigiria a edição de uma medida provisória?

Outro exemplo: o projeto de lei que criava o Programa Universidade para Todos foi convertido na Medida Provisória nº 213, publicada no Diário Oficial da União. Uma proposta de tamanha importância, interesse e relevância nacional não pode ter essa urgência, porque evidentemente a urgência compromete a qualidade. Essa matéria - como bem disse o Senador Cristovam Buarque, com a autoridade de quem foi Ministro da Educação - exigiria amplo debate no Congresso Nacional, envolvendo a comunidade acadêmica, sobretudo.

Na sexta-feira foi editada a Medida Provisória nº 212, para atender à categoria funcional da Polícia Federal. É evidente que não estamos nos opondo ao mérito dessa medida provisória, mas o que se verifica é que o Governo teima em editar medidas provisórias em excesso. Agora, edita uma por dia.; uma hoje; outra ontem; sábado e domingo, seria impossível. Sexta-feira, foi editada uma medida provisória. Foram 111 medidas provisórias editadas pelo Governo desde a sua posse. Ouvimos que esse projeto referente às Parcerias Público-Privadas poderia também ser alvo de mais uma medida provisória.

O Governo apresenta essa proposta como verdadeira panacéia, como única solução para o desenvolvimento econômico do País. Seria incompatível desenvolvimento econômico com ética? Não podemos desejar o desenvolvimento econômico do país sem corrupção?

Na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que há nessa proposta do Governo, além da importância de se buscarem parcerias privadas para o desenvolvimento econômico do País, é a abertura para a corrupção. Sem dúvida, é bom repetir aquilo que foi mérito da Transparência Brasil. Louve-se Cláudio Abramo pela iniciativa de denunciar a proposta do Governo como suscetível à corrupção. Essa engenharia elaborada ou urdida nos bastidores do Governo edifica, sim, portas e janelas que se abrem para a possibilidade da corrupção.

Segundo a Transparência Brasil, a corrupção nas licitações promovidas no âmbito das Parcerias Público-Privadas seria inevitável. Deveríamos aprovar essa proposta? Deveríamos aceitar essa imposição governamental, mesmo conhecedores da possibilidade de corrupção nas licitações?

A proposta do Governo revogaria ainda a Lei de Licitações, abrindo portas para o arbítrio do administrador público e eliminando as garantias de transparência e eqüidade existentes hoje na legislação.

Deveríamos, como opositores aos erros do Governo, aprovar dessa forma essa proposta do Governo?

Outro item levantado pela Transparência: ao permitir o endividamento do Estado nos três níveis sem sanção legislativa, o projeto, se aprovado, tornará letra morta a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Tive a honra de ser o Relator da Lei de Responsabilidade Fiscal na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e todos sabemos da sua importância como avanço fundamental e mudança na cultura da Administração Pública brasileira. Certamente, nesse período da sua vigência, impedimos que o surto de corrupção prosperasse, evitamos escândalos e não podemos admitir que, com uma lei imposta ou com uma proposta de lei apresentada pelo Governo, se sepulte a Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos grandes avanços na modernização administrativa sob o ponto de vista ético em nosso País.

Segundo a Transparência Brasil, não fica claramente limitada ao sistema financeiro privado a captação de recursos para financiamento dessas parcerias. Diversos projetos anunciados pelo Ministério do Planejamento, quando da divulgação desse projeto, seriam financiados pelo BNDES ou por fundos de desenvolvimento regional. Portanto, seriam projetos financiados com dinheiro público. Sabedores disso, devemos aprovar essa proposta?

O interessado privado, por outro lado, oferecerá estudo, projeto ou levantamento ao Poder Público ou realizará mediante autorização - ou seja, mediante uma encomenda, sem licitação da Administração Pública, de forma arbitrária - um valor de ressarcimento para a realização do objeto? Isso poderá nos levar a uma verdadeira indústria de estudos, e é claro que a empresa autora do estudo original contará com uma vantagem insuperável sobre as demais empresas interessadas. Devemos aprovar essa proposta? Devemos aprovar, com esse projeto, a indústria dos estudos e dos levantamentos, esperteza para se açambarcarem recursos públicos sem licitações e de forma desonesta?

De acordo com o art. 10, se não se limitarem as garantias exigidas dos participantes, haverá possibilidade de restrições à participação no certame em conseqüência do direcionamento da concorrência. Nesta Casa, devemos aprovar a tese de que o Poder Público pode direcionar concorrências?

Por final, no artigo das Disposições Finais, ao se estabelecer que se aplicam às parceiras público-privadas as leis de licitações, de contratos e de concessões no que não contrariar a Lei de Licitações, o projeto simplesmente a torna inoperante. Não podemos, de forma alguma, compactuar com o sepultamento de leis importantes para a moralização da atividade pública no Brasil, entre elas a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Licitações.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, abandonando o Governo sua vocação autoritária, restabelecendo as prerrogativas do Poder Legislativo, possibilitando a esta Casa do Congresso Nacional, ao lado da Câmara dos Deputados, trabalhar com eficiência, legislando sobre matérias importantes, certamente, não haverá nesta Casa recusa sequer da Oposição para se promover legislação em prol do desenvolvimento econômico do País.

Porém, essa proposta de Parcerias Público-Privadas não é uma panacéia capaz de, por si só, promover o desenvolvimento econômico do País. Existem outras alternativas não utilizadas pelo Poder Executivo nesse momento. O Governo sequer ouve sugestões apresentadas por especialistas que deveriam ser ouvidos, como a Abdib. É bom lembrar um nome: José Augusto Marques, que presidiu a Abdib entre 1995 e 2004, falecido no último 28 de junho. Ele foi um dos maiores defensores da participação da iniciativa privada no setor de infra-estrutura do País.

Prestamos a nossa homenagem e queremos destacar as suas sugestões para alavancar o desenvolvimento econômico do País com a participação efetiva do setor privado. Foram formulados cinco pilares para a atração dos investimentos no Brasil:

1) ratificação clara, por meio de manifestação explícita sobre o papel do investimento privado na economia brasileira, incluído o respeito absoluto ao fiel cumprimento dos contratos;

2) consolidação da economia e independência dos entes reguladores, entendidos como organismos de Estado e não de governo;

3) estabelecimento de marcos regulatórios estáveis, claros e que representem compromissos formais de conciliação entre interesse público e atração de capital privado, especialmente nas áreas de energia elétrica, saneamento, transportes e logística (transporte rodoviário, ferroviário, portuário, hidroviário);

4) definição de um conjunto de projetos estruturantes para o País e posterior apresentação a potenciais investidores nacionais e internacionais. O Governo sequer define prioridades. Em momento algum, enumera os principais projetos de interesse nacional para a atração do investimento privado e, obviamente, o setor privado, no escuro, não tem como descobrir, ou perceber, ou prever as reais intenções do Governo no direcionamento do futuro do País;

5) criação de mecanismos inovadores e eficazes de captação e aplicação de recursos privados. Como exemplo, fundos lastreados na securitização de ativos e recebíveis.

Essas são premissas conhecidas para atrair o capital privado, enumeradas pela Abdib, e não creio sejam novidade para aqueles que se responsabilizam no seio do Governo pela atração de investimentos.

Ouso, da tribuna desta Casa, sugerir que o próprio Governo demonstre interesse em participar - quem sabe, na Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado Federal - de um debate para discutir essas e outras alternativas motivadoras de investimentos no setor de infra-estrutura do Brasil. Não podemos permanecer passivos diante da sinalização de uma hipótese dramática para o País: o estrangulamento do setor de infra-estrutura diante do crescimento vegetativo da economia nacional. Não me estou referindo ao crescimento estimulado, que pode ocorrer ou não. Ocorrerá se o Governo buscar lançar mão de instrumentos de que dispõe para aquecer a economia, embalando o País para alcançar patamares de crescimento econômico similar aos alcançados por outros países da América do Sul, em especial, países emergentes, como o nosso, que atingem índices de desenvolvimento muito superiores.

É bom repetir: em que pese as comemorações do Presidente Lula e de sua equipe, apenas o Paraguai cresce menos que o Brasil neste momento de bom desempenho da economia mundial.

É preciso destacar que qualquer suspiro de crescimento econômico, no mundo todo, passa pelo investimento em infra-estrutura, e não podemos ignorar que, se tivemos, em 2001, US$19 bilhões em investimentos na infra-estrutura, em 2003, tivemos apenas US$6,6 bilhões em investimentos. Isso pode ser trágico, porque, sem dúvida, teremos o apagão da infra-estrutura brasileira, com prejuízos incríveis para a nossa economia.

Segundo Orçamento aprovado para 2004, o Governo teria 8,5 bilhões para investir, o correspondente a 0,5% do PIB, enquanto, em média, os países similares ao Brasil, considerados emergentes, investem cerca de 6% do PIB.

Portanto, Senhor Presidente Lula, há, sim, alternativas para a atração de investimentos privados em nosso País, mas essas opções têm que ser buscadas com inteligência, com competência, com mobilização, com cooptação dos investidores, para que o nosso País possa crescer além das expectativas do Governo, mas próximo das expectativas da sociedade brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/09/2004 - Página 29345