Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro em não permitir registros de candidatura de pessoas processadas judicialmente. Crítica, ainda, a atuação dos institutos de pesquisas eleitorais.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Críticas à decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro em não permitir registros de candidatura de pessoas processadas judicialmente. Crítica, ainda, a atuação dos institutos de pesquisas eleitorais.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2004 - Página 29495
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, PRESIDENTE, TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO (TRT), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), IMPEDIMENTO, REGISTRO, JUSTIÇA ELEITORAL, CANDIDATURA, ACUSADO, PROCESSO PENAL, PREJUIZO, ESTADO DE DIREITO, DEMOCRACIA, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, INELEGIBILIDADE, SITUAÇÃO, INEXISTENCIA, TRANSITO EM JULGADO, DENUNCIA, LOBBY.
  • DENUNCIA, FALTA, RESPONSABILIDADE, JUDICIARIO, DEMORA, JULGAMENTO, ACUSADO, PROVOCAÇÃO, ELEIÇÃO, CRIMINOSO, NECESSIDADE, URGENCIA, REFORMA JUDICIARIA.
  • SOLIDARIEDADE, DISCURSO, MÃO SANTA, SENADOR, ACUSAÇÃO, IRREGULARIDADE, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, OPINIÃO, ORADOR, AUSENCIA, BENEFICIO, ATUAÇÃO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, DEFESA, PROIBIÇÃO, DIVULGAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há aproximadamente quinze dias, constatamos, por meio de um pronunciamento do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, o Desembargador Marcos Faver, se não me engano - e duvido estar enganado -, mais uma entre tantas manobras que surgem para desestabilizar instituições próprias do Estado democrático de direito.

O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, cuja proposta, em decisões daquele tribunal, foi acolhida por alguns segmentos, inclusive da imprensa nacional, dá conta da necessidade de a Justiça Eleitoral do País não acatar o pedido de registro daquele candidato que esteja sendo processado criminalmente pela Justiça brasileira, embora, como a própria expressão diz, ele não tenha ainda contra si uma decisão com trânsito em julgado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nada mais absurdo do que essa proposta, sobretudo quando ela parte de um desembargador, de um homem conhecedor das letras jurídicas, que freqüentou uma universidade, os bancos escolares e que teve a oportunidade de ler sobre Teoria Geral do Estado, Ciência Política e de fazer uma proposta tão estapafúrdia quanto essa, que agride a consciência jurídica, a consciência democrática e a consciência cidadã. E vejam que, com certeza, já que se trata de um jurista, é preciso que se pergunte a quem serve a posição do desembargador, pois, com certeza, não serve ao Estado democrático de direito e, muito menos, à democracia, ao aprimoramento das instituições democráticas.

Alguém pode até perguntar: como pode um cidadão processado ser candidato? É evidente que esta pergunta pode ser feita até por um inocente ou mesmo por um cidadão que não tenha maiores informações ou conhecimento da realidade institucional. Entretanto, pior é quando, na verdade, ela é feita por um cidadão conhecedor do Direito. Fazer uma proposta desse nível?!

Trago a matéria à tribuna do Senado.

Inclusive ontem, o Senador Roberto Saturnino fazia um pronunciamento rápido - e lamento a ausência do nobre Senador, na tarde de hoje, para estabelecermos o debate democrático - como se, salvo engano, estivesse parabenizando...

Sr. Presidente, aproveito para dizer que nunca fui processado ou tive qualquer impedimento moral por isso. Não tenho companheiros processados, nem impugnados pela Justiça. Aliás, se tivesse que dizer algo, no meu Estado tenho adversários; e eles, sim, estão sendo processados, mas eu jamais cometeria a indignidade de vir propor tamanha heresia jurídica, política, contrária às instituições democráticas e de um Estado verdadeiramente de direito.

Ora, a legislação é muito clara. A Lei de Inelegibilidades é precisa, objetiva e exige, para o não-registro, que haja uma decisão criminal com trânsito em julgado proferida contra o cidadão. É muito simples de se questionar inúmeros pontos, pois, do contrário, é a bagunça na instituição democrática, é o destino das comunidades, da sociedade, das pessoas, servindo de objeto, de joguete, nas mãos de quem tem poder, nas mãos dos coronéis - e eles são muitos na política brasileira -, nas mãos daqueles que estabelecem entendimentos com juízes, delegados, promotores, para se manterem no poder. Quando um desses coronéis antevê a possibilidade de um cidadão, seu opositor, ganhar a próxima eleição, contra ele pode encomendar um processo por qualquer fato, o menos procedente possível. E inúmeros juízes - e não me digam que juízes com esse perfil não existem, pois são inúmeros, promotores da mesma forma e delegados mais ainda -, recebida uma denúncia, dão aquele famoso despacho de gaveta, guardam e escondem o processo até que a convenção venha, para aquele cidadão ser impedido de se candidatar.

Mas alguém pode dizer, como vi em várias matérias, inclusive na revista Veja desta semana: “Mas criminosos, estupradores, homicidas, enfim, gente de toda espécie?” E a própria revista traz exemplos, do Ceará e de outros Estados, de pessoas que estão há quatro, cinco ou seis anos respondendo a processos de homicídio. E a responsabilidade, chegam a querer atribuí-la e transferi-la para o Legislativo, como se a lei hoje existente fosse falha, e ela não o é. Cometem ainda o absurdo e a irresponsabilidade de querer transferir a culpa para o Legislativo, como se a lei não servisse, quando a responsabilidade é da própria Justiça, que deixa um bandido, durante seis anos, sem julgamento. A responsabilidade é de todos aqueles que fazem o Judiciário, a exemplo do Desembargador Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, que integra o Poder Judiciário e que, em sua jurisdição, deve ter inúmeros processos arquivados sem julgamento.

Se o cidadão é bandido, que seja julgado imediatamente. Ele tem direito ao grau de recurso sim! E que o Tribunal o julgue imediatamente! Não se podem conceber processos dormindo nas gavetas. Dizem: “Mas há um acúmulo muito grande de processos”. E para que serve a reforma do Judiciário, que ainda tramita nesta Casa apenas para atender a elite do Judiciário? E parabenizo o Senador que Presidente a sessão neste momento, porque se posicionou de forma contrária e não votou.

Não vimos, no Congresso Nacional, nenhum lobby para fazer essa Justiça tramitar com celeridade. Os lobbies a que assistimos aqui foram apenas aqueles em favor dos interesses daqueles que compõem a cúpula do Poder Judiciário em todo o País.

É preciso dizer que se não julgam os processos, se não condenam os criminosos, não é por falta de lei e, sim, de celeridade, de responsabilidade de inúmeros que compõem o Poder Judiciário. Querer transferir a responsabilidade para o Poder Legislativo não é cabível. Essa tese não pode ampliar-se, evoluir, ganhar corpo, porque todos passaremos a estar nas mãos de uma meia dúzia volumosa de inescrupulosos - e eles existem. Assim, o futuro político de qualquer cidadão ficará à mercê da vontade de quem estabelece, pelo poder que tem e pelo coronelismo que exerce, o poder de mando e de controle. É preciso denunciar isso.

Que não perguntem os falsos moralistas: “Como um cidadão que responde um processo de estupro há quatro, cinco ou seis anos pode ser candidato?” Ele pode ser candidato porque a Justiça não cumpriu a sua parte, não o julgou e não proferiu contra ele uma decisão com trânsito em julgado. É preciso que cada um cumpra a sua obrigação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este é um momento em que precisamos da evolução da democracia, da civilidade, das relações jurídicas estáveis, corretas. Entretanto, o que se propõe é um anacronismo, é a volta até mesmo da República Velha, quando as manobras estavam às claras, bem mais do que hoje. Voltar ao passado é impossível. Devemos aprimorar as instituições e não destruí-las.

Há poucos instantes, o Senador Mão Santa, desta tribuna, fez um pronunciamento com o qual me quero solidarizar, dizendo que terei a oportunidade de, retornando a esta tribuna, tratar do mesmo assunto, que diz respeito às pesquisas. Eu dizia, há poucos instantes, ao nobre Senador que é preciso tecer todos os comentários, porque nem mesmo os institutos de pesquisa honestos, nem mesmo as pesquisas corretas prestam um bom serviço. Vejam até aonde vou: nem a pesquisa correta presta um bom papel. Imaginem a pesquisa desonesta.

Essas são as coisas que precisamos retirar da vida pública brasileira, porque a pesquisa, neste País, correta ou incorreta, tem o poder de “fazer a cabeça” do eleitor indeciso. O Brasil é cheio de eleitores que não gostam de votar em um candidato que vai perder a eleição. Essa pesquisa tem o poder de modificar o resultado eleitoral, de não levar ao povo um resultado puro, que seja a síntese da vontade do cidadão, mas uma vontade corrompida, modificada. E mais: se o sistema brasileiro é de busca, de financiamento de campanha junto à sociedade, às pessoas física e jurídica, apontem-me uma pessoa física ou jurídica ou uma empresa que queira financiar, como a lei garante e legitima, candidatura de derrotado. Não existe essa pessoa. Mas imaginem quando a pesquisa é fraudulenta! E há inúmeras. Pesquisa não serve, nem a boa.

Tão logo seja realizada a convenção, precisamos de um instrumento jurídico que proíba a divulgação de pesquisa. Pesquisa é um instrumento científico viável, sério, correto, possível. O que não há é a possibilidade de sua divulgação. Tão logo, Senador Mão Santa, as convenções sejam realizadas, que elas sirvam para a economia própria, interna, pessoal, dos candidatos e dos Partidos.

O Senador Mão Santa, a quem concederei um aparte logo a seguir, disse que “o Judiciário não tem instrumentos para acompanhar e aferir”. Não tem e nunca terá. Senador Mão Santa, um instituto de pesquisa pode pegar até os questionários e encaminhá-los para a Justiça com os nomes e endereços dos pesquisados. Eles têm como fraudar, porque, se anunciam que a pesquisa é feita em um universo de mil pessoas em uma determinada cidade, o instituto que está pronto para fraudar manda que a pesquisa seja feita com três mil. Registrou mil, com nome e endereço, em seu gabinete, em seu escritório, na sua empresa. Dos três mil questionários, seleciona os mil cujas respostas lhe interessam, envia para a justiça e manda publicar. Não há fórmula, Sr. Presidente, não há investigação. Isso é uma imoralidade neste País. Governadores, Prefeitos, Senadores têm sido eleitos e outros têm sido derrotados, em função de pesquisa eleitoral de quem está no poder econômico ou político comandando. É preciso excrescência desse tipo ser banida da vida institucional brasileira.

Eu me solidarizo com o Senador Mão Santa também por isso. E que idéias como essa do Desembargador Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro não possa prosperar na vida pública brasileira.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte, Senador Almeida Lima?

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Almeida Lima, quis Deus, neste instante, que a sessão fosse presidida pelo Senador Geraldo Mesquita e V. Exª. Eu relembraria aquele discurso de Cristo, que disse “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”. Inspirado nesse sermão de Cristo, na montanha, é que V. Exª faz o relato da valorização da justiça, principalmente neste fato novo: a degradação, o enriquecimento imoral de empresas que ganham mediante pesquisas. Mas eu deixaria ao Presidente da República, o Lula, em quem votei - não sei se gosta de leitura, mas esta é agradável - uma sugestão: Mitterrand, homem que lutou muito e chegou à Presidência da França, país onde se gritou liberdade, igualdade e fraternidade. Depois de 14 anos de governo, em que obteve bom êxito, com justiça social, Mitterrand, com câncer e no final de sua vida, escreve um livro em que deixa uma mensagem aos governantes no sentido de que eles fariam muito pela democracia se fortalecessem os contrapoderes, os outros poderes. Então, é isso que V. Exª está querendo fazer, fortalecer a justiça e aquilo que Montaigne disse, que é o pão de que mais a humanidade necessita.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Agradeço a V. Exª pelo aparte, Senador Mão Santa. Quero deixar bem clara a minha posição, registrada por antecipação e de forma muito transparente para todo o País. Essa história de candidato não poder, por estar sendo processado, registrar a candidatura é golpe, é coisa suja, não é proposta para um País sério; é proposta para uma republiqueta e não mais para o Brasil. Não podemos retroceder. Temos que avançar no fortalecimento das instituições democráticas, no Estado de direito. As normas existem e basta que os Poderes cumpram a sua função. Neste momento quem precisa cumprir a sua função é o Poder Judiciário, é a Justiça como um todo.

Outro absurdo, como disse aqui em outro pronunciamento, em outra oportunidade, é o fato de que a Justiça Eleitoral de nosso País não julga a tempo as impugnações dos candidatos. O cidadão é eleito, a impugnação continua na sua tramitação e, dois ou três anos do exercício do mandato, a Justiça vem e cassa, quando deveria fazer e cumprir integralmente a função jurisdicional até antes da posse.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Então, a lei existe. É preciso que ela seja aplicada e devidamente aplicada, a tempo e a hora, para que se possa fazer justiça.

Concluirei, Sr. Presidente, agradecendo a tolerância pelo tempo que extrapolei. Para esclarecer minha posição, eu não estou processado, nunca tive candidatura minha impugnada por processo por qualquer crime, não tenho companheiro político no meu Estado, processado. Não vim à tribuna para defender iniqüidades, não vim à tribuna para defender bandidos. Vim à tribuna para deixar a minha posição muito clara, contrária a uma proposta asquerosa como essa que tenta diminuir o Estado de direito e a democracia. Digo até - o que me deixa muito tranqüilo e à vontade - que, no meu Estado, processados tenho os meus adversários. Mas nem por isso farei uso de um instrumento tão odiento como esse para vir à tribuna defender a sua aplicação de forma generalizada neste País.

Não freqüentei quatro anos de uma Faculdade de Direito para, conhecendo minimamente Teoria Geral do Estado, defender uma excrescência de tal monta, como, aliás, um jurista fez, o que lamento e peço, inclusive, que ele se corrija.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2004 - Página 29495