Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento contrário à revogação dos crimes hediondos. (como Líder)

Autor
Hélio Costa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: Hélio Calixto da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. CODIGO PENAL.:
  • Posicionamento contrário à revogação dos crimes hediondos. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2004 - Página 29509
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. CODIGO PENAL.
Indexação
  • DETALHAMENTO, ANTECIPAÇÃO, LIBERDADE, REDUÇÃO, PENA, CRIMINOSO, CRIME HEDIONDO, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, CRITICA, LOBBY, FLEXIBILIDADE, LEI DE EXECUÇÃO PENAL.
  • DIVERGENCIA, OPINIÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), INEFICACIA, LEGISLAÇÃO, CRIME HEDIONDO, JUSTIFICAÇÃO, ORADOR, REIVINDICAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, MANUTENÇÃO, PENA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, CODIGO PENAL, IMPEDIMENTO, LIVRAMENTO CONDICIONAL, REU, CRIME HEDIONDO, SOLICITAÇÃO, JEFFERSON PERES, SENADOR, RELATOR, REVISÃO, PARECER CONTRARIO, EXPECTATIVA, AGILIZAÇÃO, TRAMITAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, reporto-me hoje a um assunto da maior gravidade.

Em 11 de agosto de 2000, em um distrito do Município de Ouro Preto, dois homens e uma mulher acenaram para um taxista, Sr. José Elói Ribeiro, e pediram que ele os levasse a outro distrito daquela cidade.

Forçado a parar, José Elói foi espancado e esfaqueado. Os criminosos tentaram esganá-lo e, falhando, atearam fogo às suas roupas. Fugiram, levando seu carro e seu dinheiro. Encontrado, o motorista resistiu por seis dias ainda, sucumbindo ao traumatismo craniano e às queimaduras de terceiro grau que sofrera.

Os três co-responsáveis foram presos e condenados por latrocínio, crime tipificado no Código Penal e na Lei dos Crimes Hediondos, que não comporta progressão do regime da pena nem o livramento condicional antes de cumpridos dois terços da condenação.

No entanto, no dia 14 de agosto de 2004, poucos dias após o quarto aniversário daquele crime, o jornal Estado de Minas noticiou a prolação do acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, que concedeu a um dos condenados a possibilidade de sair da prisão para, diariamente, trabalhar em um restaurante na cidade de Itabirito, mesmo sem qualquer acompanhamento de autoridade competente, principalmente policial.

Considerou o Tribunal que não haveria contradição entre o comando da Lei dos Crimes Hediondos, que demanda maior severidade na execução penal, e a Lei de Execução Penal, que permite a progressão.

Essa reportagem exemplifica as vicissitudes que afetam a política criminal no Brasil.

Há temas, Srªs e Srs. Senadores, cuja importância e urgência são tão grandes, que não podemos deixar de pensar neles ou deles falar. A situação da economia, do trabalho, das relações exteriores são alguns dos tópicos aos quais todos os parlamentos do mundo dedicam boa parte do seu tempo e da sua energia.

Há outro caso que gostaria de citar, lamentavelmente: o caso Mírian Brandão, também ocorrido em Minas Gerais, mais especificamente na cidade de Belo Horizonte, no dia 23 de dezembro de 1992, quando dois irmãos, dois delinqüentes - um deles chamado Wellington Gontijo -, mataram uma menina de cinco anos e atearam fogo ao seu corpo depois de a seqüestrarem e a manterem em cativeiro por sete dias. Foram condenados a 21 anos de prisão. Oito anos depois, esses assassinos, esses delinqüentes foram libertados, Sr. Presidente. Já estão nas ruas novamente, em Belo Horizonte, porque a lei lhes garante o direito de, cumprindo um percentual da pena, serem colocados em liberdade.

No Brasil, já desde meados da década de 80, a segurança pública é assunto que a todos preocupa. Essa preocupação, obviamente, reflete-se nesta tribuna e em suas congêneres de todos os órgãos legislativos do País. Por isso, não poderia o Congresso se manter ao largo das discussões acerca da legitimidade e da eficácia da Lei dos Crimes Hediondos.

Neste momento, há uma verdadeira campanha em todo o Brasil para que essa lei seja flexibilizada. Daniela Perez, que tinha 22 anos de idade, que estava em plena vida maravilhosa, foi morta por um cidadão que estava nas ruas, nos barzinhos da cidade de Belo Horizonte, quatro anos depois de havê-la matado, praticamente sem qualquer problema com a Justiça. Pelo contrário, ele até tinha status de personalidade, porque as pessoas apontavam para ele e diziam: “Você lembra quem é ele? Ele matou a Daniela Perez”. Vira herói, porque mata uma jovem de 22 anos e, quatro anos depois, está em liberdade, fazendo cursinho em Belo Horizonte.

É, efetivamente, a vontade do povo que deve ser obedecida, não necessariamente a dos políticos e a dos doutores. Ainda que todos estejamos correndo o risco de sermos atingidos pela violência, é o homem comum que mais corre o risco de ser vítima de criminosos.

Diversas acusações pesam sobre a Lei dos Crimes Hediondos. Ela seria uma norma simbólica, destinada unicamente a sinalizar à população uma intenção de endurecer a resposta do Estado a qualquer crime. Tratar-se-ia, apenas, de um aceno populista a uma sociedade chocada com algum crime particularmente atroz que tenha recebido grande cobertura jornalística.

Temos de reconhecer que essa asserção é parcialmente correta. O destaque que alguns crimes obtêm nos meios de comunicação possui grande influência nas alterações que foram feitas na Lei dos Crimes Hediondos. Por outro lado, não é verdade que o endurecimento das penas e regimes seja apenas um golpe de marketing.

É certo afirmar que a política penal não se deve nortear pela emoção, pelos crimes extremamente cruéis, como aqueles que descrevi no início de meu pronunciamento.

A ação irracional diante do crime, cuja epítome é o linchamento, é repelida pelo Estado democrático, que deve conferir a todos, independentemente de suas ações, as garantias materiais e processuais que permitam uma análise racional do ato criminoso e impeçam o esmagamento do indivíduo pela gigantesca maquinaria estatal.

No entanto, dados os limites das garantias individuais, é a sociedade que estabelece a escala de gravidade dos crimes e das punições, a partir do valor coletivamente atribuído ao bem jurídico afetado pela conduta do criminoso.

A Lei dos Crimes Hediondos tornou mais severo o apenamento e os regimes penais aplicados a alguns crimes porque a sociedade brasileira entendeu que essa seria a atitude adequada para cuidar daqueles crimes que ferem valores extremamente importantes.

E quais são esses valores? A vida, a dignidade humana e a integridade do tecido social. Não é um crime comum o crime hediondo; por isso, tem este nome: é hediondo mesmo, é medonho.

Foi em razão da importância desses valores que se destacaram alguns crimes e a eles se aplicou a severidade da Lei dos Crimes Hediondos.

É hediondo o homicídio qualificado por meio ou motivo torpe. É hediondo o terrorismo, matar pessoas inocentes em nome de uma causa. É hediondo o estupro, atentado máximo à dignidade da mulher. Hedionda é a tortura, capaz de destruir a alma de suas vítimas.

Esses são os crimes hediondos. Será que nem tendo cometido crimes desse tipo os criminosos não vão permanecer na cadeia neste País? Será que teremos que conviver com criminosos hediondos nas ruas porque a lei não é capaz de permitir que a sociedade se veja livre desses assassinos?

A existência dos crimes hediondos não pode, outrossim, basear-se em um construção puramente intelectual. O crime hediondo é o que mais fortemente provoca repulsa na sociedade. Ao agir como um representante do povo, o Estado deve conferir, às diferentes condutas criminosas, a gravidade que o povo lhes atribui.

Agora, o Sr. Ministro da Justiça, advogado de grande qualificação e conhecimento, alega ser inútil a Lei dos Crimes Hediondos. A seu lado, muitos professores de Sociologia e Direito Penal amparam essa idéia. Alegam que, em seus catorze anos de existência, a lei não reduziu o crime, mas colaborou para fermentar a criminalidade nas prisões, que o custo do sistema prisional aumentou consideravelmente e que a ausência de perspectiva de progressão revolta o criminoso, levando-o a cometer ainda mais violência. Ou seja, o criminoso, dentro da cadeia, dispõe-se a matar um outro criminoso ou outro preso porque a ele não importa mais nada, ele não tem mais como ser condenado a coisa alguma.

A primeira afirmativa é, em parte, verdadeira: a criminalidade só vem aumentando nos últimos anos. Mas pergunto: como a libertação prematura de grande parte dos criminosos contribuirá para a redução desses índices?

Todos concordamos que a prisão deveria oferecer meios para a reabilitação e reinserção social dos prisioneiros. Da mesma forma, concordamos todos que há insuficiência desses meios. Atirados a prisões superlotadas, sem possibilidade de estudo ou trabalho, os prisioneiros facilmente se afundarão ainda mais no crime, tornando-se mais perigosos do que quando entraram.

Se sua simples permanência lá dentro não é o bastante, por que sua libertação antes do prazo integral de sua pena o seria? Não seria lançar mais rapidamente às ruas aqueles que cometeram crimes hediondos? Isso não implicaria o aumento da criminalidade nas ruas? Essa é a análise que precisa ser feita. Se vou colocar na rua um criminoso, autor de um crime hediondo, absurdo, bárbaro, lamentável, coloco-o na rua e estou simplesmente contribuindo para que ele seja reinserido na sociedade? Não, estou colocando em perigo a minha família, aquele que, na realidade, foi a vítima.

Como é que se explica para a mãe da Mírian, da menina de cinco anos que foi seqüestrada e assassinada - corpo queimado, jogado no lixo, Sr. Presidente -, como é que se explica para a mãe dessa menina que o criminoso que cometeu esse crime bárbaro, que pegou uma pena de 21 anos de prisão, com oito anos vai para a rua de novo?

Como é que se explica para a mãe da Daniela Perez que o autor do crime bárbaro que roubou a vida de uma moça de 22 anos de idade, no esplendor da sua juventude, com quatro anos de prisão vá para a rua, esteja fazendo cursinho para a universidade, sem antecedentes? Ou seja, esse é o absurdo a que me reporto, Sr. Presidente. Todos concordamos em que a prisão tinha que oferecer meios. Mas se não os possui, não podemos colocar em risco a própria sociedade.

O argumento econômico é, talvez, o menos convincente daqueles contrários à Lei dos Crimes Hediondos. Em nome, possivelmente, da estabilidade das contas do Governo, buscam reduzir o valor despendido no sistema prisional.

Esse argumento, indiretamente, reduz o valor pessoal das vítimas. Quanto vale uma vida? Quanto vale a dignidade da mulher vítima do estupro? Para os defensores do argumento econômico, esses valores são menos importantes que a economia proporcionada ao Tesouro.

A alegação de que a dureza das penas contribui para a violência do crime pode ser facilmente revertida. Poderíamos dizer que, se souber que será facilmente posto em liberdade, o criminoso não hesitará em, por exemplo, matar alguém.

É comum dizer que todo brasileiro tem o direito de matar um, desde que não possua antecedentes. E isso, evidentemente, torna muito mais fácil matar alguém, porque ele tem certeza de que, no máximo, pegará quatro anos de prisão, e depois estará na rua. Não tem importância matar. A vida não vale nada para quem está disposto a matar.

Em dados de dezembro de 2003, havia, no Brasil, cerca de 240 mil homens e mulheres recolhidos a prisões de todo tipo. No Estado de São Paulo, particularmente, havia 99 mil presos. Esses números não indicam uma impunidade tão grande quanto a sugerida. No entanto, mesmo em São Paulo, a criminalidade não se reduziu.

Sr. Presidente, sem dúvida, as causas do crime são primordialmente sociais. Uma sociedade tão desigual quanto a nossa somente poderia produzir, lamentavelmente, índices de crimes alarmantes.

Há, no entanto, um ponto crucial que não se está vislumbrando na discussão acerca da Lei dos Crimes Hediondos: em última instância, todo ser humano é livre para decidir.

Essa escolha fundamental entre cometer ou não cometer um crime não deve ser banalizada. Ao cometê-lo, o indivíduo, dotado de autonomia e responsabilidade, assume o risco de sofrer uma punição, que é promovida pelo Estado, mas sancionada pela sociedade. Todos nós temos de saber: o crime tem castigo, o crime não pode ser sem castigo. E essa punição deve ser ainda mais rigorosa quando o crime cometido for mais grave, principalmente se for um crime hediondo.

A maior parte das pessoas, mesmo em condições desesperadoras, não optará pelo crime. As que o fazem devem ter consciência dos resultados de suas ações, pois, ao agirem contra a lei, assumiram a responsabilidade de seus atos.

A prisão é uma punição pelo crime. Por mais que sirva igualmente como instrumento de ressocialização do indivíduo, seu caráter punitivo não pode ser negado. O indivíduo não pode simplesmente ser reinserido na sociedade, primeiro tem que pagar pelo seu crime. Não pode, um terço depois do pagamento dessa pena, ser novamente inserido na sociedade, que não aceita e não pode ser submetida a isso.

Essa punição não possui uma base metafísica. Não é um castigo divino, mas antes uma instituição histórica e socialmente construída pela qual se convencionou que aquele que ofender os direitos de outros poderá ter alguns de seus próprios direitos restringidos.

A severidade das penas é uma resposta da sociedade ao criminoso. Quanto mais valioso for o direito atingido, mais forte deve ser essa resposta. É evidente que o assassino não pode ser comparado ao ladrão de galinhas e, por seu turno, o ladrão profissional de galinhas não pode ser comparado àquele que as furte unicamente para pôr comida em sua mesa.

A revogação da Lei dos Crimes Hediondos acarretaria esse nivelamento. Tanto o assassino doloso, o estuprador quanto o pequeno estelionatário estariam recebendo a mesma resposta da sociedade. Estaríamos nivelando por baixo, como se diz.

A libertação dos assassinos da atriz Daniela Perez exemplifica os resultados danosos da excessiva leniência com os criminosos graves, com os crimes hediondos. Condenados antes da inclusão do homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos, os autores desse crime que chocou o País puderam usufruir os benefícios da lei geral e foram libertados com o cumprimento de um terço da pena.

O ex-ator Guilherme de Pádua pôde, ademais, beneficiar-se de indulto presidencial, já estando liberado de todas as obrigações penais que foram impostas na condenação. Não deve mais nada à sociedade. Matou a atriz Daniela Perez e nada deve à sociedade, já pagou tudo o que tinha que pagar segundo a lei.

Isso não é correto, Sr. Presidente. À ofensa a direitos mais valiosos deve corresponder a maior restrição dos direitos do ofensor. No sistema penal brasileiro, que repele a pena de morte e as penas corporais, o criminoso mais grave deve ficar mais tempo na prisão.

Em razão dessa concepção filosófica, que é compartilhada pela maioria do povo brasileiro, apresentei o PLS nº 113, de 2003, que altera o Código Penal, vedando o livramento condicional daqueles condenados por crimes hediondos.

Esse projeto visa a combater a banalização da pena, que é defendida pelos opositores da Lei dos Crimes Hediondos, conferindo à execução penal a severidade exigida para aqueles crimes particularmente odiosos que foram enfeixados nessa lei.

Esse projeto, no entanto, recebeu parecer desfavorável de seu Relator, o nobre Senador Jefferson Péres, aguardando votação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania já há mais de 430 dias.

Neste momento de discussão dos rumos do combate ao crime em nosso País, é crucial que o Congresso dê sua contribuição, respondendo aos efetivos anseios do povo.

Por isso, faço um apelo ao ilustre Senador Jefferson Péres para que reveja sua posição. S. Exª é um homem conhecido por sua honradez e senso de justiça, pelo jurista que é e, sobretudo, pela pessoa extraordinária, de sensibilidade e capaz que é S. Exª. A admissão de meu projeto dará mostra de sua sensibilidade à opinião do povo brasileiro e por ele será reconhecida.

Da mesma forma, apelo ao Presidente da CCJ, honrado Senador Edison Lobão, para que coloque imediatamente esse projeto na pauta de votação da Comissão.

A criminalidade é um assunto que não admite delongas nem hesitações. Quanto mais rapidamente se fizer o encaminhamento da proposta, mais rapidamente se implementarão as mudanças exigidas pela sociedade brasileira.

Aí, então, a mãe da menina Miriam Brandão, a Srª Jocélia Brandão, em Belo Horizonte, poderá sentir que a Justiça tarda, mas não falha.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2004 - Página 29509