Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o artigo intitulado "Os herdeiros", de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no jornal Correio Braziliense de 5 de setembro do corrente.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Comentários sobre o artigo intitulado "Os herdeiros", de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no jornal Correio Braziliense de 5 de setembro do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2004 - Página 29583
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), ANALISE, DESENVOLVIMENTO, SOCIEDADE, ECONOMIA, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, BENFEITORIA, GOVERNO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à Tribuna neste momento para registrar o artigo intitulado “Os herdeiros”, de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no jornal Correio Braziliense de 5 de setembro do corrente.

            Em seu artigo, o ex-presidente mostra que o atual governo é o herdeiro de um período em que se obteve várias conquistas no plano econômico e social. Foi criada uma “rede de proteção social”, com programas como as bolsas-escola, o combate ao trabalho infantil e as bolsas-alimentação, entre outros, além de conquistas como a estabilidade inflacionária, a lei de responsabilidade fiscal e a privatização dos bancos estaduais.

O artigo mostra, ainda, que “... o importante hoje é evitar retrocessos”: O risco hoje está no aparelhamento do Estado e de um dirigismo econômico e político que poderiam comprometer o desenvolvimento e a democracia do País.

Concluindo, Sr. Presidente, requeiro que o artigo citado acima e que encaminho em anexo seja considerado parte integrante deste pronunciamento, para que passe a constar dos Anais do Senado Federal.

Era o que tinha a dizer.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, Inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Os herdeiros

Fernando Henrique Cardoso

Há duas semanas fui a São Francisco participar da reunião anual da Sociedade Americana de Sociologia. Nos anos 80 fui presidente da Associação Internacional de Sociologia e estive presente em muitas reuniões, até que as obrigações políticas não permitiram mais esse tipo de atividade. Agora, como ex-presidente, voltei a ser convidado para participar de encontros acadêmicos.

O convite era atraente. O presidente da ASA, Michael Burowoy, meu colega em 1982 no departamento de sociologia, em Berkeley, está fazendo um esforço admirável para despertar o interesse da comunidade acadêmica americana para as questões de interesse público. Achou que, tendo sido presidente do Brasil, seria útil uma apresentação minha sobre como um sociólogo vê o exercício da Presidência.

Porém, como dizem os americanos, "nada de boca livre" (there is no free lunch). Antes da homenagem, um desafio: dialogar com Paul Krugman a respeito do futuro do neoliberalismo, diante de mais de três mil pessoas. Expus o que penso sobre o tema, sem muita discrepância com Krugman. Não disse, mas pensei que os sociólogos interessados no debate público deveriam estar mais preocupados com o neoconservadorismo triunfante nos EUA (dos neocons , como são qualificados os ideólogos do atual governo) do que com o liberalismo. Este está declinando. É só ver como se amplia a resistência ao livre comércio na opinião pública daquele país, como o Estado americano intervém cada vez mais para beneficiar grandes empresas, como aumentam as restrições à liberdade individual em nome da segurança etc. Surge um Estado menor (os impostos são cortados) com uma política mais conservadora.

Terminado o diálogo, vieram as perguntas do público e, necessariamente, a alfinetada: o senhor, que foi "acusado" de comandar um governo neoliberal, não acha que o presidente Lula está fazendo a mesma coisa?

Respondi que, ao atuar com responsabilidade no plano econômico, o governo Lula talvez possa, neste aspecto, ser considerado herdeiro do meu, mesmo que não goste muito da herança. Mas, acrescentei, nem fui ou sou "neoliberal" nem o governo atual deve ser assim qualificado. Seguir os fundamentos sólidos que deixei para manejar o Orçamento, respeitar a lei de responsabilidade fiscal, manter o câmbio flutuando e ter metas de controle da inflação, não são razões para qualificar a política do governo Lula como neoliberal.

Em outros aspectos o governo atual é muito diferente do anterior. Por exemplo, no trato da cultura, na questão da liberdade de informação, no funcionamento das agências reguladoras, na forma das parcerias entre o setor público e o privado, enfim, na forma de conceber as relações entre o Estado e a sociedade e de gerir a máquina pública. Essas diferenças, entretanto, não tornam o governo Lula menos neoliberal nem o governo anterior mais próximo daquela qualificação.

Tanto antes como agora (com maior velocidade antes) o gasto público na área social se expandiu. No governo passado ele saltou de 11% para 14% do PIB. Isso permitiu criar uma "rede de proteção social", com as bolsas-escola, os programas de combate ao trabalho infantil, as bolsas-alimentação etc., além do assentamento de mais de 500 mil famílias no campo, a criação de linhas de crédito para a agricultura familiar e assim por diante. Foram sentadas as bases para que o atual governo, trocando os nomes, pudesse continuar e, Deus queira, expandir os programas sociais que reduzem a pobreza. Tomara também isso continue a ser feito mantendo parcerias com a sociedade civil e não aumentando a ação burocrática do Estado.

Ao respeitar os fundamentos para que a economia de mercado funcione, ambos os governos não o fazem com o propósito de eliminar ou de diminuir a ação do Estado. Muito menos porque pensem que o mercado seja o princípio único ou principal para regular a ação das pessoas e assegurar seu bem-estar. Diante da crise fiscal e das dívidas conseqüentes, o preço da acomodação entre as restrições do mercado e a necessidade da ação pública foi um aumento mais ou menos contínuo dos impostos. Preço duro porque limita o vigor econômico do país, mas que teve de ser pago em razão das distorções geradas pela inflação anterior ao Plano Real e pela indisciplina fiscal dela decorrente.

Pode-se e deve-se questionar o nível suportável da carga fiscal, da taxa de juros que o Banco Central pratica para controlar a inflação, assim como é pertinente indagar se e quando, no passado, teria sido mais oportuno desvalorizar o real. Os mais desconhecedores das rugosidades da vida política e econômica sempre dirão que "faltou coragem" para tomar decisões melhores. Os mais maliciosos dirão que não desvalorizar o real foi um ardil eleitoral, e assim por diante, em uma tentativa simplista de culpar governos passados pelos males do presente. Argumentação que bem poderia ter sido utilizada por mim para "culpar" meus antecessores. Nunca o fiz porque, não sendo ilusionista nem maldoso, sei que há mais coisas entre o céu e a terra do que a vã verborragia.

De toda maneira, esperneando ou não, o governo atual é herdeiro de um período no qual a sociedade e o governo aprenderam a lidar com a inflação, de um sistema de câmbio flutuante que, em 1999, nos tirou da camisa-de-força da rigidez cambial sem que a inflação disparasse, de uma Lei de Responsabilidade Fiscal e da privatização dos bancos estaduais que impedem o surgimento de focos inflacionários autônomos desafiadores das políticas do governo federal etc. E, o que é de notar, nos livramos de muitos dos males apontados, com sacrifícios e erros, mas mantendo uma economia agrícola e industrial sólida, capaz de produzir para o mercado interno e de exportar, graças à abertura dos mercados, seguida de políticas de promoção de investimentos e de inovação, como o Moderfrota e as iniciativas da Embrapa, para citar apenas dois exemplos. E graças aos ganhos de produtividade obtidos com a estabilização e com a valorização do real, pois já é tempo também de reconhecer que, a despeito de seus inconvenientes, ela permitiu a importação mais barata de equipamentos.

O importante hoje é evitar retrocessos - que às vezes são pouco perceptíveis no início, como vem ocorrendo com a Lei de Responsabilidade Fiscal - e avançar na definição de regras claras do jogo e no fortalecimento de instrumentos adequados ao desenvolvimento. O risco não está no "neoliberalismo", mas nos sinais de aparelhamento do Estado e de um dirigismo econômico e político tão anacrônico e negativo para o desenvolvimento e para a democracia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2004 - Página 29583