Discurso durante a 129ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o conflito comercial com a China, a respeito dos níveis de contaminação da soja brasileira.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR.:
  • Considerações sobre o conflito comercial com a China, a respeito dos níveis de contaminação da soja brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2004 - Página 29765
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • IMPORTANCIA, ANALISE, CONFLITO, NATUREZA COMERCIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, REFERENCIA, PROBLEMA, CONTAMINAÇÃO, SOJA, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, OPORTUNIDADE, AMPLIAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, QUADRO DE PESSOAL, ESPECIALIZAÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, GARANTIA, EFICACIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PROTEÇÃO, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: o conflito comercial com a China a respeito dos níveis de contaminação da soja brasileira, agora que foi sobrestado, deve ser analisado, para que dele extraiamos lições para o futuro da política comercial brasileira.

Digo “sobrestado” porque, certamente, outros atritos surgirão no futuro, se não quanto à soja, quanto a outro produto qualquer. Poderão surgir, ainda, conflitos semelhantes em relação a outros países.

Ora, a 11ª Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que há pouco se realizou em São Paulo, destacou a importância do incremento do comércio entre países em desenvolvimento como forma de reduzir sua dependência em relação aos países ricos.

Ainda que todos concordem ser desejável o aumento do comércio internacional entre os países do sul, não podemos ter ilusões ideológicas acerca da natureza das relações que se desenvolverão: o comércio internacional é um jogo pesado, que exige firmeza e sangue-frio de seus participantes.

Assim, ao obstar o desembarque de vários carregamentos de soja brasileira, a bordo de navios já atracados, a China demonstrou, mais uma vez, a dureza com a qual sempre conduziu suas relações comerciais.

Recapitulando as circunstâncias do incidente: o organismo chinês responsável pela quarentena barrou a entrega dos grãos e proibiu o comércio com diversos produtores de soja, que contribuem para o grosso das exportações brasileiras para aquele país.

A contaminação da soja embarcada por sementes tratadas com fungicida foi a razão alegada para o embargo, não obstante só terem sido encontradas 21 sementes desse tipo em uma carga de 60 mil toneladas de soja.

Em decorrência do embargo, o expressivo balanço do setor agroexportador brasileiro esteve em risco. A China é o principal importador daquele grão e a manutenção do bloqueio teria um custo inimaginável.

Mas teria sido coincidência que o embargo tenha sido decretado em um momento em que os preços da soja estavam em seu pico histórico, mas em vias de baixar, devido à iminência da safra nos Estados Unidos? Foi por acaso que ocorreu no momento exato em que o Presidente da República estava em viagem à China, evitando-se, assim, uma resposta mais dura do Brasil, que poderia gerar um incidente diplomático ainda mais sério?

Como disse a Folha de S.Paulo em editorial concernente ao caso: “A China, pragmaticamente, não tem amigos, mas interesses, que defende acima de tudo”. Não só a China, Srªs e Srs. Senadores, põe seus interesses acima de suas amizades no tocante a questões mercantis. Todos os grandes países do mundo assim se comportam.

Essa constatação não deve causar espanto. Em um domínio baseado na concorrência, como o comércio internacional, cada participante deve lançar mão de todos os recursos disponíveis para manter e avançar suas posições.

Naturalmente, não estou defendendo a adoção de práticas desleais ou o início de guerras comerciais, mas gostaria de alertar que devemos estar prontos para também defendermos nossos interesses perante outros países.

Em todo o mundo, há poucos anos, diversos formuladores de políticas, sobretudo no mundo em desenvolvimento, passaram a acreditar que o livre comércio era um valor supremo, que deveria ser implantado a qualquer custo. Assim, cada país deveria quebrar suas próprias barreiras comerciais, independentemente de outras considerações. A simples racionalidade econômica acabaria por demonstrar as vantagens de tal comportamento e, dessa forma, o bom exemplo se espalharia a todas as nações do globo.

Não foi isso que aconteceu, Sr. Presidente. Os países que se abriram totalmente apenas puderam assistir à manutenção e ao fortalecimento do sistema protecionista dos países desenvolvidos. Nesses países, os subsídios, as cotas de importação, as barreiras fitossanitárias, as normas antidumping e todos os demais instrumentos de defesa de mercado mantiveram- se integralmente ou mesmo se ampliaram.

Como os países ricos, a China, na defesa de seus interesses, vale-se de todos os recursos possíveis. Apenas os ingênuos poderiam acreditar que, simplesmente, uma amizade preferencial com o Brasil poderia fazer com que aquele país agisse de maneira diferente.

O Brasil, não obstante suas dificuldades, consegue obter, em alguns setores de economia, como o agronegócio, uma produtividade e uma excelência que são exemplos para o mundo. Quanto melhores nossos indicadores nessas áreas, mais incomodaremos nossos concorrentes, razão pela qual o nosso litigioso comercial tende a aumentar nos próximos anos.

Dessa forma, o proceder da China deve servir-nos de alerta: todos queremos o aumento do comércio internacional, mormente entre os países em desenvolvimento, mas temos de nos acautelar contra os imprevistos advindos de outros países.

Para a defesa de nossos interesses perante outros países e nos foros internacionais, é essencial que ampliemos nosso quadro de funcionários especializados em comércio exterior, pois, a despeito de sua competência e dedicação, os diplomatas dedicados a esse tema ainda são poucos e não dispõem de uma infra-estrutura adequada para a importantíssima missão que desempenham.

Se o Brasil pretende alcançar seu objetivo de ser um dos grandes exportadores do mundo, não deverá descurar de seus interesses, pois em um jogo de nível tão alto apenas os jogadores preparados podem triunfar.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2004 - Página 29765