Discurso durante a 130ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da revitalização do rio São Francisco em vez da transposição de suas águas. Divisão do projeto da lei que trata da biossegurança em dois grandes temas: a regulamentação da questão dos transgênicos e a pesquisa com células-tronco.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Defesa da revitalização do rio São Francisco em vez da transposição de suas águas. Divisão do projeto da lei que trata da biossegurança em dois grandes temas: a regulamentação da questão dos transgênicos e a pesquisa com células-tronco.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 18/09/2004 - Página 29927
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • IMPORTANCIA, SENADO, ATENÇÃO, DEBATE, POLEMICA, COMPLEXIDADE, PROJETO DE LEI, SEGURANÇA, BIOTECNOLOGIA, PESQUISA, EMBRIÃO, VALOR TERAPEUTICO.
  • DEFESA, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, REVIGORAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, APROVEITAMENTO, PROPOSTA, ELABORAÇÃO, COMISSÃO, SENADO, SOLUÇÃO, PROBLEMA.
  • COMENTARIO, NOCIVIDADE, EFEITO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, compartilho da emoção do Senador Paulo Paim, pois ontem foi o aniversário da emancipação política da minha querida Alagoas. Na próxima semana, farei um pronunciamento, introduzindo uma homenagem ao grande Lêdo Ivo*, sem dúvida, uma das mais importantes personalidades da poesia do nosso País, que, para alegria de todos nós, é também alagoano.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, tivemos a oportunidade ou talvez tenhamos perdido a oportunidade, porque não havia quorum na Casa, de fazer o debate sobre dois temas extremamente polêmicos. Um deles refere-se à utilização de células-tronco, assunto de alta complexidade científica que gostaria não fosse tratado como anexo ou penduricalho do projeto de transgênicos, devendo fazer parte, sim, do projeto de reprodução assistida.

            Ontem, mais uma vez, sentindo-me na obrigação de defender minhas posições, ia pedir verificação de quorum, mas como, infelizmente, o Governo não coloca Parlamentares na Casa para votar, não foi votada ou discutida matéria alguma, ainda que fosse importante pelo menos a discussão.

            Sei que o debate sobre ciência é de alta complexidade, sempre o foi na história da humanidade, e que deveria ocorrer entre os senhores da ciência, de aventais brancos, supostamente imunes a paixões. Mas isso nunca ocorreu, pois as mais importantes contendas do mundo da ciência foram até para a baixaria, portanto, sem a chamada racionalidade científica.

            Em todos os aspectos, Senador Edison Lobão, da Álgebra à Geometria, do setores supostamente mais frios como a Matemática à teoria da evolução, enfim, em muitos aspectos da ciência, esses debates de alta complexidade sempre foram movidos - é importante que o sejam - por concepções éticas, filosóficas, de foro íntimo. Sendo assim, é muito importante que o debate seja feito nesta Casa.

            É evidente que não podemos aceitar que o debate seja escamoteado, escondido, sendo o projeto simplesmente, no tapetão, no suposto acordo de Líderes, aprovado de qualquer maneira na Casa, o que não vai ocorrer, pois todos os Senadores são iguais. Pode haver Senador que tenha mais que o seu voto por ter articulações políticas suficientes para isso, mas Senador algum, a não ser que seja vencido pelo voto, pode vencer pela força, pois não tem autoridade política de não fazer o debate.

            Portanto, não adianta os defensores dos transgênicos encherem minha caixa de e-mails afirmando que os ambientalistas são apenas urubus na carniça do Chico Mendes, expressões absolutamente deploráveis e abomináveis, porque, senão, vamos para o outro lado da história dizer que quem defende transgênicos são aqueles que apenas se preocupam em alimentar os porcos da Europa, porque a soja transgênica, inclusive do Brasil, só serve para alimentar os porcos europeus.

            Para que o debate seja feito com a alta complexidade que o tema exige, por envolver diretamente tantos conceitos, é importante que ocorra na Casa, especialmente no Plenário, independentemente de comissão, porque há vários Senadores que não participam de comissões e que têm o direito de participar da discussão.

            O debate vai chegar a esta Casa o mais rápido possível, e todos sabiam que, independentemente de o projeto ser votado ontem, não haveria tempo suficiente de a Câmara apreciá-lo, pois há mais de 12 medidas provisórias trancando a pauta. É evidente que os governos podem fazer o que quiserem, inclusive editar medida provisória para garantir o cultivo dos transgênicos, pondo em risco a vida de crianças, que podem ser pegas por doenças crônico-degenerativas gravíssimas, e arriscando os próprios interesses comerciais do Brasil, que deverá buscar parceiros comerciais em vários lugares do mundo que preferem que não haja a produção de soja ou de qualquer alimento transgênico.

            O debate é longo, e espero que chegue à Casa realmente reproduzindo a alta complexidade que o tema exige. Um governo que não fosse favorável aos transgênicos poderia, por exemplo, mandar queimar a produção, indenizar os produtores e incentivar, com assistência técnica e subsídio agrícola, a plantação de produtos voltados para o mercado interno, para produzir comida e alimento para os famintos do Brasil ou para buscar parceiros comerciais internacionais que vislumbrem outras possibilidades e que não querem a importação de produtos transgênicos.

            Mas esse debate virá a esta Casa. Sr. Presidente, neste fim de semana visitarei o meu querido sertão. E lá verei como aqui em Brasília, embelezada pela floração de ipês amarelos, a craibeira, árvore típica de Alagoas, Senador Lobão, pertencente à mesma família tabebuia* dos ipês. Ao mesmo tempo em que me emocionarei com a floração das craibeiras, relembrando os ipês de Brasília também, estarei numa região muito pobre, onde as pessoas passam fome e sede: a região do nosso rio São Francisco. Por mais que alguns queiram, de uma forma supostamente racional, que de racional nada tem, debater a transposição do rio São Francisco, supostamente para atender os nossos outros irmãos nordestinos que não teriam água para beber, é sempre importante lembrar que, a poucos quilômetros do próprio rio São Francisco, nos Estados de Alagoas, de Sergipe, da Bahia, muitas pessoas têm a oportunidade de ver o rio e não podem se apropriar da água do rio para abastecimento humano, animal ou projetos de irrigação.

            Mais o meu apelo é motivado tanto pelo povo de Alagoas como de outras regiões do Brasil, não por uma visão apaixonada do rio São Francisco. Aquele rio, um verdadeiro abraço de Deus, o velho Opara(?), rio-mar, que foi batizado como rio São Francisco justamente porque foi visto pela caravana de Américo Vespúcio no dia de São Francisco. Foi chamado de rio da integração nacional, que desperta paixões, grandes debates, está morrendo. Está morrendo! É inadmissível que alguém não consiga ver as questões seriíssimas porque passa hoje o nosso rio São Francisco. Não é possível que o atual Governo reproduza a mesma cantilena enfadonha e mentirosa do Governo Fernando Henrique para ludibriar o povo nordestino, dizendo que a transposição é a panacéia para o Nordeste.

            É gravíssimo esse tipo de conduta. Ela significa sem dúvida um falso moralismo. Para evitar que a transposição do rio São Francisco acabe viabilizando interesses de empreiteiras, construtores, consultores e acabe por entrar no rol das obras inacabadas, é de fundamental importância que possamos promover a revitalização dele. Não é à-toa que, com as últimas chuvas, problemas gravíssimos ocorreram nas cidades, inclusive às margens do rio São Francisco. Isso porque, como o rio não tem mais profundidade, em função do assoreamento provocado pelo desmatamento das matas ciliares, pelo desmatamento do que resta de Mata Atlântica local, em função das carvoarias, em função da agricultura itinerante. É de fundamental importância investir lá.

            Eu já disse várias vezes que a Comissão de Revitalização do Rio São Francisco produziu um trabalho excelente, sob a coordenação do então Senador Waldeck Ornelas. Tive a oportunidade de participar da comissão, fizemos várias audiências públicas, apresentamos uma proposta concreta, ágil e eficaz para revitalizar o rio São Francisco, que vai desde a recomposição das matas ciliares ao problema do desbarramento, do desassoreamento, da questão da agricultura, das carvoarias.

            Hoje o rio São Francisco fornece em toneladas de peixe menos de 10% do que fornecia há menos de 8 anos, o que mostra um impacto gigantesco. Se querem fazer uma grande obra, que não seja mais uma obra faraônica, que ocupe os meios de comunicação, ludibrie a opinião pública e tenha pouco impacto na vida das pessoas. Por que não se faz um projeto de saneamento? São mais de 503 Municípios no Vale do São Francisco. Só na beira do São Francisco, jogando seus dejetos in natura no rio, são praticamente 97 Municípios, poluindo o rio; 503 Municípios no Vale do São Francisco poluindo os afluentes do rio.

            Saneamento básico é um grande projeto, pois dinamiza a economia, gera empregos, gera renda, melhora a vida tanto do ponto de vista ambiental, com a preservação do rio, quanto do ponto de vista humano, pois milhares de pessoas vêem os filhos brincando na lama, junto com o lixo, junto com fezes. Então é de fundamental importância que se faça esse projeto.

            Sei que esse debate mal está começando. Por mais que o Governo tente, da mesma forma que o Governo anterior, ludibriar a opinião pública, dizendo que isso é bom para o Nordeste e vai resolver o problema dos irmãos nordestinos, é uma farsa, Senador Paim. É uma farsa, é uma farsa técnica que se está tentando, mais uma vez, vender para a opinião pública. Os interesses de fato são das empreiteiras, das construtoras, das consultoras e do agroshow, porque são grandes projetos para viabilizar o interesse não do pequeno e do médio produtor rural, mas da produção agrícola vinculada ao agroshow, que melhora talvez a balança comercial, mas não dinamiza a economia local, não gera emprego, não gera renda, não produz alimentos a baixo preço no Brasil, o que sem dúvida é de fundamental importância.

            Então, mais uma vez, o nosso apelo para que esse debate seja feito com a maior rapidez possível. Por mais que o Governo já tenha dito que vai viabilizar, já tenha feito previsão orçamentária inclusive para viabilizar isso, vai ser uma guerra daqui para a frente, primeiro, porque existem instâncias, espaços legais, como os conselhos, os comitês de bacia, que obrigatoriamente têm que fazer esse debate e ouvir a população de uma forma em geral.

            Deixo aqui, mais uma vez, o meu apelo pela revitalização do nosso rio São Francisco, pelos investimentos em outros componentes de matriz energética. Sempre que se fala em projeto de irrigação ou abastecimento de água no rio São Francisco, mais uma vez vem o debate do conflito da utilização das águas, em que, em função de a água ser utilizada como principal componente da matriz energética, imediatamente se diz que não pode viabilizar nenhum projeto de irrigação, em função dos problemas gravíssimos em relação à geração de energia.

            Portanto, Sr. Presidente, apenas para mais uma vez fazer o apelo em relação à revitalização do nosso querido rio São Francisco.

            Obrigada.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Heloísa Helena, V. Exª me permite um aparte?

            A SRª HELOÍSA HELENA (P - SOL - AL) - Concedo um aparte ao Senador Paulo Paim.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Cumprimento V. Exª, que faz um bom debate, ressaltando a preocupação com os pequenos. V. Exª traz também à tona o debate da biossegurança. Também entendo que esses são temas delicadíssimos: a questão das células-tronco, como muitos dizem, a semente da vida, e a semente vegetal. Sobre eles tem que ser feito um debate amplo, total, geral e irrestrito, porque as opiniões são as mais diversas. O setor religioso tem uma visão; o científico, outro. Por isso, cumprimento V. Exª, que sabe a realidade do meu Estado, onde 99% dos gaúchos plantam a soja transgênica.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Até porque não têm outra alternativa. Se tivessem, com certeza, plantariam outra coisa.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Exatamente. É uma realidade, eles já plantavam há mais de 10 anos. Esse debate teria que ser enfrentado. É o que V. Exª está fazendo, propondo que se faça um grande debate. Tenho conversado muito aqui com setores, inclusive do meu Partido, que têm posição diferenciada em relação à soja transgênica. Mesmo aqueles que eram contrários à edição de uma medida provisória, entendem, neste momento, que é melhor a edição de uma medida provisória, seja por meio de alteração em uma MP, ou por meio de edição pelo Governo, revalidando-a por mais um período, para que possamos efetivamente debater a biossegurança em toda sua extensão, não só da semente vegetal, mas também, da semente da vida, com o tempo adequado. Então, faço apenas este aparte a V. Exª. Não estou aqui, em nenhum momento, polarizando com V. Exª, até porque V. Exª sabe do respeito que tenho pela sua história, pela sua posição e pela sua trajetória, mas quero dizer que entendo que é correto. O Projeto de Biossegurança não pode ser votado do dia para a noite. É um Projeto para quarenta, cinqüenta, quem sabe, cem anos, até que haja outra alteração. É por isso que é preciso encontrar alguma saída. Falo aqui, como Senador pelo Rio Grande do Sul, de forma muito realista. O Projeto de Biossegurança tem que ser debatido com o carinho e o respeito que o momento exige. É por isso que fiz o aparte a V. Exª, que ainda está dentro do seu tempo, naturalmente.

            A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Agradeço ao nosso querido Senador pelo aparte. Espero que neste debate sobre a questão da reprodução assistida, efetivamente, possam ser discutidas as questões relacionadas à célula-tronco e que possamos garantir a agilidade necessária ao debate da reprodução assistida - já temos projetos aqui na Casa -, em vez de nos apropriarmos de um projeto que pode, no futuro, causar seqüelas gravíssimas para as pessoas. É polêmica - é verdade - a utilização dos transgênicos. Existem pesquisas para todos os gostos, cientistas para todas as posições políticas e também técnicas. Então, é fundamental que façamos este debate. Em vez de utilizar determinadas mães e pais que vivenciam uma situação de dor pessoal muito grande em função de suas crianças, dos seus jovens, dos adultos, que precisam da abordagem científica, do desenvolvimento científico para, quem sabe, buscar alternativas para minimizar a dor dessas pessoas; em vez de usar essas famílias para, de fato, passar um projeto de garantia plena para a utilização dos transgênicos, façamos da forma diferenciada como é, para que possamos qualificar o debate com a sociedade e não ficar montando determinadas farsas técnicas, emocionais e políticas para ludibriar a opinião pública. Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/09/2004 - Página 29927