Discurso durante a 132ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise sobre as controvérsias nas relações comerciais do Brasil com a Argentina. Realização do quarto Encontro Verde das Américas, no Rio de Janeiro.

Autor
Eduardo Azeredo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Eduardo Brandão de Azeredo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMERCIO EXTERIOR. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Análise sobre as controvérsias nas relações comerciais do Brasil com a Argentina. Realização do quarto Encontro Verde das Américas, no Rio de Janeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/2004 - Página 30313
Assunto
Outros > COMERCIO EXTERIOR. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • IMPORTANCIA, REAVALIAÇÃO, RELACIONAMENTO, NATUREZA COMERCIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, NECESSIDADE, NEGOCIAÇÃO, OBJETIVO, ATENDIMENTO, RECIPROCIDADE, INTERESSE.
  • IMPORTANCIA, DISCUSSÃO, PROBLEMA, AMBITO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, REFORÇO, CAPACIDADE, ORGANISMO INTERNACIONAL, MEDIAÇÃO, NEGOCIAÇÃO COMERCIAL MULTILATERAL.
  • IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, ENCONTRO, ECOLOGIA, AMERICA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANALISE, PROBLEMA, MEIO AMBIENTE, AMBITO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, NOCIVIDADE, EFEITO, REDUÇÃO, DESTRUIÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, RECURSOS AMBIENTAIS.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. EDUARDO AZEREDO (PSDB - MG. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, o Ministro das Relações Exteriores e Defesa Nacional, Embaixador Celso Amorim, fez uma viagem de trabalho a Buenos Aires para discutir as relações bilaterais entre o Brasil e a Argentina, bem como as dos dois países no âmbito do Mercosul.

A iniciativa parece ter tido por objetivo principal evitar novos tropeços no curso do intercâmbio comercial entre os dois vizinhos. A exemplo das restrições que a Argentina impôs recentemente às exportações brasileiras de geladeiras, fogões e máquinas de lavar, novos obstáculos estariam em vias de ser levantados. Agora, as limitações seriam contra as vendas brasileiras de sapato.

Do mesmo modo que em outros campos da atuação governamental, a ação pró-ativa é especialmente importante na diplomacia. Sobretudo quando se trata de relações especiais, como as existentes entre os dois maiores parceiros do Mercosul.

Pelo vulto econômico do intercâmbio comercial e pela longa e importante tradição histórica do relacionamento que mantêm no contexto das relações externas sul-americanas, Brasil e Argentina precisam estar sempre dispostos ao diálogo e à negociação.

Afinal, eles têm interesses comuns tão fortes que estão ligados numa aliança praticamente indissolúvel. Apesar disso, ou exatamente por isso, os desencontros e divergências entre eles são inevitáveis. E daí estão sempre a exigir revisão periódica, como a que levou o Ministro das Relações Exteriores e Defesa Nacional a Buenos Aires, nesse domingo.

Ocorre, entretanto, que nas últimas semanas os problemas nesse relacionamento vêm aumentando sua freqüência. Há, pois, uma sinalização de que as dificuldades não são apenas ocasionais. E isso deve preocupar e exigir maior atenção do Governo, desta Casa e do Congresso Nacional como um todo.

O exame e a discussão sobre as relações Brasil e Argentina parecem requerer amplitude e profundidade. Elas devem ir além da busca de soluções imediatas e pontuais e fazê-las normalizar o mais rapidamente possível.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é óbvio que o tratamento de matéria tão sensível, técnica e complexa cabe ao Ministério das Relações Exteriores e Defesa Nacional.

E este tem se mostrado competente e eficaz em solucionar questões tão ou mais difíceis, como as que vem ajudando equacionar no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

Entretanto, o que desejo chamar a atenção é para a necessidade de as relações Brasil-Argentina passarem por reavaliação sob a única ótica produtiva: a dos interesses que sejam recíprocos e comuns.

Um bom negócio tem de ser bom para as duas partes. Entre países, só assim geram a estabilidade e a previsibilidade indispensáveis à boa convivência e ao futuro.

O Brasil, seus empresários e exportadores não podem ser surpreendidos com restrições inesperadas que geram sobressalto e desconfiança.

Ora, se isso vem ocorrendo com freqüência no comércio com a Argentina é sintoma de que precisamos nos assentar de novo à mesa do diálogo e da negociação. Não apenas para dirimir dúvidas e dificuldades imediatas, mas também para analisar a fundo os pontos de discordância e as divergências, e extrair conclusões que levem a uma política duradoura de relacionamento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é legítimo que a Argentina e seus empresários busquem defender os chamados pontos sensíveis de sua economia e, particularmente, de seu parque industrial.

É necessário, contudo, que a solução desses problemas, cuja origem não é de responsabilidade do Brasil, seja debatida e efetuada no quadro da realidade do Mercosul, das obrigações e compromissos que ele impõe a todos os parceiros.

Se, portanto, as dificuldades internas argentinas exigem que o país vizinho proteja setores do seu parque industrial, que isso seja buscado em termos cooperativos. Caberá ao Brasil, no caso, a responsabilidade de dispor-se à negociação, inclusive procurando junto com os argentinos saídas que levem à complementariedade das duas economias.

Aliás, o desafio de sermos ao mesmo tempo parceiros e diferentes é o desafio fundamental do Mercosul. E pode-se dizer, sem dúvida, que reexaminar as questões que fazem a Argentina e o Brasil se desencontrarem é uma preliminar para o efetivo avanço do Mercosul e para a ampliação de sua capacidade como organismo multilateral de integração sul-americana.

A proposta do ex-presidente argentino Eduardo Duhalde de se criar uma taxa praticamente simbólica sobre as transações comerciais dos países do bloco pode ser um bom começo. Desde que, obviamente, ela não prejudique as transações comerciais entre os países do bloco.

Afinal, o Mercosul precisa contar com recursos para reduzir as assimetrias entre os países do Mercosul, para financiar a construção de instituições que o fortaleçam, como o Parlamento Comum e o Tribunal de Resolução de Controvérsias, bem como para ampliar e melhorar a infra-estrutura de transporte, logística e segurança exigidos por uma autêntica integração. 

No próximo dia 24, cada país do bloco enviará a Montevidéu representantes dos respectivos Ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores e Defesa Nacional para discutir a criação do imposto. A proposta de instituição do tributo já está sendo estudada pela Secretaria Técnica do Mercosul, Sr. Reginaldo Arcuri, que, aliás, participou de meu governo em Minas Gerais como Secretário de Estado de Indústria e Comércio. 

Em 20 de Dezembro próximo, deverá ser realizada em Ouro Preto nova reunião dos Presidentes das nações do Mercosul. Já chamado de Ouro Preto 2, essa reunião poderá ser tão importante quanto a que formalizou a criação do organismo, pois representará a oportunidade para o desenvolvimento institucional do Mercosul.

Inclusive por causa das turbulências que acontecem no relacionamento comercial Brasil-Argentina, o bloco vive hoje uma crise que, tudo indica, é benigna. Vamos dizer, uma crise de crescimento que certamente fará o Mercosul saltar da adolescência para a idade adulta.

Mas de agora até Dezembro, urge que as relações argentino-brasileiras sejam repassadas em exame de modo a apontar soluções de maior perenidade.

As divergências comerciais entre as duas nações podem ser novamente muito danosas agora que o Mercosul e a União Européia vão retomar suas negociações, após o impasse registrado semanas atrás.

O Brasil ter alcançado os recentes avanços na OMC, significou o País dar um passo decisivo e preliminar rumo a possíveis êxitos nas negociações com a União Européia e com a Alca. Não conseguir similar progresso e estabilização no intercâmbio com a Argentina seria colocar a perder não só o Mercosul, mas tudo isso.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, também quero registrar, como outro assunto, a realização do IV Encontro Verde das Américas, no Rio de Janeiro.

Os participantes terão a oportunidade de refletir e discutir temas que mostram as preocupações da comunidade internacional com o meio ambiente e de aproveitar a importante ocasião para focalizar a questão da água como ponto central da problemática geral do meio ambiente.

Em muitas regiões das Américas, os processos de desertificação, com suas conseqüências sócioambientais, reclamam análises atentas, investimentos e ações de curto, médio e longo prazo. Obviamente, esse quadro tem correlação direta com a escassez ou a falta de recursos hídricos.

Tais problemas não foram gerados hoje, mas agravaram-se nas últimas décadas.

Desde os primórdios da Terra, e na ponta da cadeia de degradação ambiental, a água tem pago um custo altíssimo: o preço da continuada pressão do homem sobre o meio ambiente para sobreviver e produzir alimentos.

Ocorre, no entanto, que a água é componente vital do ar atmosférico e do corpo humano e demais espécies viventes. Os recursos hídricos estão presentes também em inúmeras situações e atividades.

Para mencionar apenas algumas, elas incluem desde o abastecimento humano, industrial e agroindustrial até os cenários de turismo e lazer, passando pela dessedentação de animais domesticados e selvagens, a produção de energia elétrica, e a base da navegação fluvial e da pesca.

Apesar de tão diversos usos, a água é uma só: seu volume é o mesmo há milhões de anos. E não tem derivados como o petróleo, nem pode ser fabricada nos laboratórios mais sofisticados.

Ao contrário, é um parâmetro científico quando se procura, na imensidão do universo, indícios de vida noutros planetas.

Essa matéria-prima estratégica poderá tornar-se até uma “moeda de troca” internacional no terceiro milênio e condicionar conflitos por sua posse e uso.

Dados científicos revelam que apenas 1% da água doce do mundo se encontra disponível nos leitos dos córregos, riachos, rios, lagoas e lençóis freáticos.

Por outro lado, a agricultura demanda até 70% da água doce disponível para produzir alimentos, fibras e biomassa, para o abastecimento interno e exportação.

É igualmente interessante e educativo salientar a presença da água nas atividades industriais e agroindustriais. Só para se ter idéia, uma tonelada de aço laminado exige 85 mil litros de água; um barril de petróleo refinado, 290 mil litros; uma tonelada de tecido, 1 milhão de litros; um hectare de área cultivada para produção de grãos, 12 milhões de litros.

A Terra, com sua diversidade geográfica e de ecossistemas, abriga hoje 6,4 bilhões de pessoas. O Brasil atingirá 182 milhões no final de 2004, e a projeção é de que chegue a 259,8 milhões em 2050.

Atualmente, perto de 2,5 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso à água em quantidade e qualidade. No Brasil, são visíveis alguns problemas de abastecimento em regiões metropolitanas.

Assim, compete aos governos colocarem em prática programas cooperativos para reduzir as agressões ambientais no campo e nas cidades. E para preservar e melhorar a quantidade e qualidade dos recursos hídricos.

A abordagem do problema começa pela educação ambiental. Do berço à universidade, é preciso criar-se a consciência coletiva de que os recursos naturais são finitos e devem ser usados com inteligência.

Vale lembrar como exemplo a consciência positiva do consumidor, quanto à economia necessária, estimulada no Plano de Racionamento de Energia.

As intervenções da sociedade no meio ambiente requerem essa base educativa, conhecimentos científicos e tecnológicos, para que se preserve a sustentabilidade do desenvolvimento.

A qualidade dos corpos de água requer ainda que o relacionamento da comunidade com os recursos hídricos - a exemplo dos demais recursos naturais - se dê pela gestão compartilhada e descentralizada dos mesmos; por estratégias diferenciadas no cuidado com as bacias hidrográficas, e pela adoção do “Manejo Integrado de Bacias Hidrográficas”, com os seus princípios fundamentais.

Entre estes sobressaem a observação e o respeito à legislação ambiental vigente; a exploração do solo segundo sua capacidade de uso; o controle das fontes de poluição orgânica e inorgânica; a proteção e aumento da cobertura vegetal; a recuperação das áreas ambientais degradadas.

Esse esforço solidário exige talentos diversificados e tecnologia.

Mas vale a pena, porque, além da maior oferta de água em quantidade e qualidade para as comunidades, gera para as comunidades benefícios que correspondem aos princípios do manejo das bacias hidrográficas, e significam menos enchentes e menor custo agrícola, por exemplo.

Ter em mente a integração de todos esses objetivos é fundamental, por exemplo, no momento em que o governo brasileiro confirma, na proposta orçamentária para 2005, a decisão de aplicar 1 bilhão de reais no projeto da transposição do Rio São Francisco.

Apesar da função positiva que a transposição pode desempenhar no abastecimento e irrigação do semi-árido do Nordeste do Brasil, esse é um empreendimento que necessita de estudos e cuidados minuciosos.

Assegurar a alimentação hídrica perene dos mananciais do grande rio, desde sua nascente até sua foz, é uma preliminar essencial.

Já muito se discutiu aqui neste Plenário que distribuir a água, antes de se garantir o suprimento do rio através da recuperação ambiental da bacia do São Francisco e seus afluentes, significa matá-lo. Pois, como o escritor mineiro Wander Piroli celebrizou no título de um livro seu, de ficção, sobre o Rio das Velhas, “Os rios também morrem de sede”.

Quando Governador de Minas Gerais, criamos a Lei Robin Hood, que estimula, entre outras ações, a preservação dos recursos naturais, pois os municípios que preservam as áreas florestais e que cuidam do lixo e do esgoto recebem parcela maior na distribuição do ICMS. É uma experiência valiosa no campo da sustentabilidade do desenvolvimento por meio da gestão pública, conhecida como ICMS Ecológico.

Os instrumentos legais existentes no Brasil estão dentre os mais avançados na área ambiental. A Constituição de 1988 tornou a água um bem público que deve ser acessível a todos os brasileiros.

Portanto, a outorga de uso das águas de domínio da União somente será concedida, mediante critérios estabelecidos em Lei, pela Agência Nacional das Águas (ANA), subordinada ao Ministério do Meio Ambiente; a outorga daquelas de domínio do Estado, será concedida através dos órgãos estaduais competentes. O usuário não é dono da água.

Os recursos naturais são das maiores riquezas das Nações das Américas, e seu esgotamento por práticas abusivas comprometem as perspectivas do desenvolvimento nacional, do crescimento econômico e da esperada distribuição da renda.

O IV Encontro Verde das Américas constitui um fórum privilegiado para enfatizarmos novamente a alta relevância do meio ambiente como fonte de vida, sustentabilidade, geração de emprego e renda, bem-estar social e componente estratégico da redução das desigualdades sociais - a qual, por sua vez, pode ter efeitos positivos sobre os recursos naturais.

Naquele plenário de tamanha expressão, há de se confiar numa contribuição de alto nível para a solução dos problemas ambientais dos países das Américas, a partir do entendimento dos fatores a eles relacionados e do fato de que a questão ambiental demanda investimentos vultuosos. Isso porque o único pacto que a Natureza aceita é o da preservação e uso correto dos recursos finitos que ela coloca à disposição.

Esse é o nosso mundo. Essa é a nossa Casa. Cuidemos bem dela como um valioso passaporte para o futuro das Américas e de toda a Humanidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/2004 - Página 30313