Discurso durante a 171ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questão da importância da Alca para o desenvolvimento das Américas e, em especial, do Brasil.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Questão da importância da Alca para o desenvolvimento das Américas e, em especial, do Brasil.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 28/11/2003 - Página 39088
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, GOVERNO BRASILEIRO, DEFESA, INTERESSE NACIONAL, DEBATE, NEGOCIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), EMPENHO, ADAPTAÇÃO, POSSIBILIDADE, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, inicialmente agradeço a gentileza da Senadora Heloísa Helena por ter-me cedido o horário e ainda ser possível falar hoje. Procurarei ser breve depois de tanto tempo de trabalho hoje, mas também tendo participado, Senador Heráclito Fortes, com um prazer muito grande, Senador Suplicy, daquilo que V. Exª chamou realmente de mais do que uma aula, porque é uma aula com emoção; ela tem um valor muito maior; para mim tem um valor muito grande.

Encerrando hoje, quero referir algo que considero importante: o resultado da última reunião sobre a Alca em Miami.

Passados alguns dias do término daqueles trabalhos, urge tecermos algumas reflexões diante de encontro de tamanha importância para os destinos do Brasil e de seu povo. Desde que assumi o mandato de Senador da República, venho externando neste plenário, na Comissão de Relações Exteriores presidida pelo Senador Eduardo Suplicy e na Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul considerações e preocupações sobre esse processo de integração comercial envolvendo nosso País, que acompanha a tendência internacional de conformação de blocos regionais, para fazer face às transformações do cenário mundial.

Os Ministros dos 34 países, reunidos na capital da Flórida, reconheceram em sua “Declaração Ministerial”, a “significativa contribuição que a integração econômica, inclusive a Alca, aportará à consecução dos objetivos previstos na Cúpula das Américas: fortalecimento da democracia, criação de prosperidade e realização do potencial humano.”

Em resumo, reiteraram dois aspectos que gostaria de destacar:

a - O primeiro deles é que “a negociação da Alca continuará a levar em conta a ampla agenda social e econômica contida nos documentos já elaborados pela Cúpula.

           O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador Tourinho, peço a V. Exª permissão para prorrogar a sessão - com previsão de encerramento após quatro horas de duração -, para que V. Exª apresente o seu trabalho.

           O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Muito obrigado, pela sua atenção e consideração, Sr. Presidente.

           Mas, eu dizia que, com o objetivo de contribuir para elevar os níveis de vida, incrementar o emprego e melhorar as condições de trabalho de todos os povos das Américas, fortalecendo o diálogo social e a proteção social, melhorando os níveis de saúde e educação e, melhor, protegendo o meio ambiente e respeitando e valorizando a diversidade cultural.

           b - Em segundo lugar, reiteraram que “a Alca pode coexistir com acordos bilaterais e sub-regionais, na medida em que os direitos e obrigações dispostos nesses acordos não estejam cobertos ou excedam os direitos e obrigações da Alca; que também será compatível com as normas e disciplinas da Organização Mundial do Comércio (OMC). “ E que “os compromissos assumidos pelos países da Alca devem ser compatíveis com os princípios da soberania dos Estados e respectivos textos constitucionais.”

Estão aí pois sumarizados os pressupostos do que vem sendo considerando, por analistas da conjuntura e pela mídia internacional e nacional como um todo, um êxito do processo negociador na tentativa de concluir as negociações para a constituição da área de livre comércio até janeiro de 2005. Não há como não fazê-lo, em se considerando o fracasso da reunião anterior, do Comitê de Negociações Comerciais (CNC), em Port-of-Spain, que vislumbrou o impasse pelo acirramento de posições e a ausência de pragmatismo, em um contexto pontilhado de querelas dogmáticas e ideológicas. Pano de fundo obviamente inadequado para tratar de temas de comércio, assunto vital para os interesses brasileiros.

Alcançou-se em Miami, portanto, um entendimento mínimo possível, sob pena de repetirmos a cena de Port-of-Spain. A diplomacia brasileira está de parabéns, pois agiu desta feita á luz de suas tradições e pragmatismo de resultados. Os Estados Unidos recuaram sim, é verdade; mas levados pela realidade dos fatos políticos do momento, sobretudo por sediarem o palco das tratativas e se lembrarem bem do que representou o fiasco da reunião da Organização Mundial do Comércio, no seu território, em Seattle (1999).

Se por um lado, prevaleceu o bom senso e o entendimento para alcançar um texto minimamente consensual, por outro, resta a incerteza quanto aos possíveis desdobramentos em janeiro de 2005. Se os Estados Unidos abdicaram da sua insistência de incluir seus temas de predileção nas discussões, ou seja, serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual, o Brasil também viu fora delas suas proposições de maior interesse, ou seja, os três pilares da negociação agrícola: 1) redução do apoio interno aos produtores rurais; 2) subsídios às exportações; e 3) acesso a mercados. Assuntos esses todos, em tese, agora remetidos para discussão ou na órbita da OMC ou em eventuais acordos bilaterais a serem assinados entre os membros da área de livre comércio, sem obrigações extensivas a todos.

A Declaração de Miami deve, pois, ser vista como um documento político, de importância para o entendimento regional, porém incerto, vago, e que nos deixa preocupados e temerosos quanto aos destinos da integração regional à luz dos interesses da sociedade brasileira.

Nesse ponto, refiro-me ao setor agrícola brasileiro, que, por seu atual dinamismo, crescente competitividade e alta qualidade de seus produtos, cada vez mais responde pelos resultados positivos da nossa balança comercial. É dever de justiça enfatizar que o sucesso do agronegócio brasileiro foi alcançado sem apoio doméstico, sem subsídios e com aperto no crédito agrícola. E, sem proteção e apoio, nossa agricultura desenvolveu-se a passos folgados.

Nossos produtos mais competitivos da pauta agrícola recebem a proteção feroz das economias norte-americana e européia, seja por intermédio de barreiras tarifárias, seja por barreiras não tarifárias. Se foi ruim para o Brasil, sem dúvida, o fracasso da reunião da OMC em Cancún, bom também não foi o resultado da reunião da Alca em Miami, pois os assuntos de nosso maior peso específico não serão mais tratados como deveriam ser naquele concerto hemisférico.

O quadro atual das negociações não é tão positivo quanto alardeiam setores da imprensa brasileira, às vezes farto de elogios retóricos e desnecessários. Não precisamos disso. Precisamos de realismo. Em Cancún, chegou-se a endeusar a formação episódica do G-x como fruto da capacidade brasileira de articular propostas para enfrentar o poderio dos Estados Unidos e da União Européia.

Agora, em Miami, houve mais uma sucessão de elogios à capacidade dos nossos negociadores em encaminhar politicamente questões tão complexas e determinantes para o futuro do País. Disso também nunca tive dúvidas, pois a tradição da diplomacia brasileira é amplamente reconhecida. Venho defendendo neste plenário a crença na capacidade da nossa diplomacia no processo de decisões multilaterais no concerto internacional e na sua competência no sentido de dar consistência ao processo de integração hemisférica.

Estou convencido do caminho de maior inserção do Brasil na economia internacional como sendo o único para debelar as mazelas que comprometem o futuro das gerações de nossos conacionais. No entanto, sou pragmático. E não se pode perder de vista as complexidades do quadro internacional, sobretudo para um País que precisa crescer, e muito, e que detém apenas 1% dos fluxos do comércio mundial.

Como Secretário-Geral da Comissão Permanente do Mercosul e, na linha de minhas posições a respeito, venho enaltecendo os esforços para a construção de vias de comercialização com outros blocos e países. Em pronunciamentos anteriores no curso deste ano legislativo, alertei para minha profunda preocupação com um eventual processo de distanciamento do Brasil do eixo internacional de decisões, uma vez que estamos todos convencidos, Srªs e Srs. Senadores, de que grande parte das soluções de nossos problemas passa pelo equacionamento de nossa capacidade de atuação no setor externo.

Este é um momento em que, volto a insistir, precisamos ter firmeza e responsabilidade para adequar nossas possibilidades ao realismo do cenário internacional. Depois do fracasso da Reunião de Cancun, da OMC, para a liberalização do comércio agrícola e o acesso dos países em desenvolvimento aos mercados protegidos dos Estados Unidos e Europa, que compromete sobremaneira as nossas expectativas de crescimento e geração de riquezas advindas do resultado agrícola, vislumbra-se, agora, uma Alca onde os nossos aspectos mais positivos possivelmente estarão fora de pauta.

Contudo, não podemos aceitar passivamente o paradoxo de sermos alijados dos maiores mercados quando somos mais competitivos. Devemos estar muito atentos para o que possa acontecer. O Senado Federal deve mais que nunca acompanhar e participar do processo negociador. Aqui cito outra vez como extremamente importante e oportuno o projeto de lei que está em processo de aprovação nesta Casa, de autoria do Senador Eduardo Suplicy, que dará uma participação muito maior ao Senado Federal brasileiro no processo negociador.

O setor privado agrícola está muito preocupado com possíveis desfechos negativos nessas negociações. Acordos internacionais devem basear-se em pressupostos mínimos de entendimento entre as partes. A ideologização indevida e inadequada dos debates é um anacronismo muito custoso. O interesse nacional pode e deve ser preservado com pragmatismo e visão prática da nossa realidade e possibilidades.

Faço, pois, um apelo ao Governo Federal, por meio de seus principais negociadores comerciais: é fundamental procurar refletir as posições do empresariado nacional, sobretudo o agrícola, fonte fundamental da geração de excedentes na nossa balança comercial.

Dizia eu aqui desta tribuna, meses atrás, que acordos comerciais regionais internacionais não podem ser objeto pura e simplesmente de pressão assimétrica de uma parte. Isso não podemos aceitar. Devemos, pois, continuar a negociar, repito, com firmeza e responsabilidade.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Ouço, com muito prazer o Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Quero cumprimentá-lo, Senador Rodolpho Tourinho, pela seriedade com que tem procurado acompanhar tão de perto as negociações bilaterais e multilaterais, as diversas reuniões que o Governo brasileiro, pelo Itamaraty, tem realizado ao longo deste ano. Tenho observado, porque somos colegas tanto na Comissão Mista do Mercosul como na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, o seu empenho e interesse no assunto. V. Exª acompanhou os nossos representantes em algumas dessas reuniões e sempre tem trazido a sua reflexão. O que eu desejo registrar, e acho muito interessante, é que diferentemente de outros aspectos da política do Presidente Lula, observo que há como que uma maior harmonia e entrosamento no que diz respeito às diretrizes que o Itamaraty vem desenvolvendo nas nossas negociações. Em boa parte isso se deve ao esforço do Ministro Celso Amorim, que, antes das diversas negociações e reuniões, tem feito questão de vir antes dialogar conosco e mostrar um entrosamento, ouvindo as diversas opiniões - como a do Senador Rodolpho Tourinho e de outros que têm colaborado seriamente com sugestões - como as que estão consubstanciadas em seu pronunciamento. Isso tem colaborado para essa maior harmonia. Então, V. Exª coloca algumas sugestões, reconhecendo a habilidade dos nossos representantes nessa última reunião de Miami, que deram um passo realista e que mostraram a importância da defesa do interesse nacional. Fizeram também com que o Governo norte-americano flexibilizasse significativamente a sua posição, levando-se em conta interesses que precisam ser defendidos, e até dos agricultores brasileiros, diante das barreiras de proteção que são feitas nos Estados Unidos e na Europa, e também com respeito aos outros segmentos de produção brasileira. Então, avalio que o Ministro Celso Amorim tenha grande interesse em conhecer o pronunciamento de V. Exª, e creio que seja um passo positivo também. Estamos realizando diversas audiências públicas. Hoje, haveria uma audiência com o Professor Dalmo Dalari e com a Srª Salete Maccalóz - sobre os aspectos jurídicos da Alca e de tantas outras - mas tivemos que adiar em função dos nossos trabalhos tão intensos. Agradeço o apoio que V. Exª também está dando ao projeto de lei que institui normas e diretrizes para as nossas negociações bilaterais e multilaterais. Cumprimento-o pela contribuição que está dando. Muito obrigado.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy. Tenho sido testemunha da mudança que tem havido no relacionamento entre o Senado Federal e o Ministério das Relações Exteriores e Defesa Nacional. E tenho absoluta convicção na atuação de V. Exª.

Ao encerrar, Sr. Presidente, digo que não precisamos de vitórias episódicas; o Governo certamente delas necessita e as tem utilizado competentemente para matéria de consumo político interno.

O momento político, no entanto, requer maturidade política e muita competência. Estamos diante de um quadro internacional muito complexo e repleto de estratagemas. Realismo e pragmatismo devem ser a tônica. Urge estarmos preparados para defender nossas pretensões, sabedores do que está efetivamente em jogo. O que perdemos ou ganhamos efetivamente em Cancun e Miami? Quais são nossas alternativas para uma possível encruzilhada em 2005? Devemos defender o interesse nacional sempre, porém com a ponderação e a seriedade necessárias.

O ano próximo será vital para o Brasil. O futuro dos mercados, bem como investimentos para a geração de progresso para nossa população estarão sendo decididos. Não se permite demora em saber o que queremos para as gerações futuras. E o preço a pagar. Daqui do Senado, estaremos muito atentos aos próximos passos, pois sou partidário de uma maior participação do Legislativo brasileiro, como V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, no processo de formulação da política externa brasileira.

Sou otimista, pragmático e acredito piamente nas possibilidades do nosso País, Sr. Presidente, Senador Mão Santa, devemos dar passos concretos e objetivos para produzir riquezas, combater a miséria e ajudar na construção de uma sociedade mais justa, que nos orgulhe como cidadãos. É disso que precisamos, e não de heróis, pois, como disse Bertold Brecht, “triste é o país que deles precisa”.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/11/2003 - Página 39088