Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Surto de hantavirose no Distrito Federal.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Surto de hantavirose no Distrito Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/2004 - Página 31641
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REITERAÇÃO, APREENSÃO, EPIDEMIA, DOENÇA GRAVE, DISTRITO FEDERAL (DF), ENTORNO, OCORRENCIA, MORTE, ELOGIO, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), MINISTERIO DA SAUDE (MS), REGISTRO, DADOS, IMPORTANCIA, CAMPANHA, ESCLARECIMENTOS, PROCEDIMENTO, PREVENÇÃO, CONTAMINAÇÃO.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meados do mês de junho, estive nesta tribuna expressando minha grave preocupação com o surto de hantavirose que eclodiu no Distrito Federal e no seu Entorno a partir do dia 22 de maio, data em que se registrou o primeiro caso suspeito - depois confirmado - da moléstia. Naquela oportunidade, falei do sentimento de grande apreensão que se generalizara na cidade de São Sebastião a partir da ocorrência de nada menos do que cinco mortes num período inferior a uma semana. Destaquei, outrossim, a mobilização, diligente e ordeira, da população daquela cidade no enfrentamento da grave ameaça com que se defrontava. Reconheci, como não poderia deixar de fazê-lo, a pronta resposta do Governo do Distrito Federal, em cooperação com o Ministério da Saúde, no esforço de frear a disseminação da enfermidade e de assegurar a plena assistência médico-hospitalar aos infectados.

A preocupação que manifestei desta tribuna três meses atrás, Senhor Presidente, não carecia de fundamento. Ao contrário, a consulta à literatura médica deixa bem clara a gravidade da hantavirose, haja vista a taxa de letalidade nela observada, da ordem de 40% a 50%. E, de lá para cá, a progressão dos fatos aqui no Distrito Federal e no Entorno só veio validar a justeza de meus temores.

Nas Américas e no Brasil, os primeiros casos de hantavirose foram descritos em 1993, tendo sido registrados, até a presente data, 1.910 casos. Os países com maior número de registros são Argentina, Estados Unidos da América, Chile e Brasil. Em nosso País, até o corrente ano, contavam-se 350 casos distribuídos em onze Estados.

Infelizmente, o recente surto no Distrito Federal vem representando significativo acréscimo nesse número. Afinal, desde meu pronunciamento anterior, não cessaram de aumentar os números de casos comprovados e de óbitos provocados pela doença. Até o presente, já são 33 os casos comprovados, tendo ocorrido 15 mortes, ao passo que os 18 pacientes restantes evoluíram para a cura. Já o número de casos suspeitos de hantavirose acompanhados pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal desde aquele fatídico 22 de maio é muito maior: nada menos que 170 pessoas que receberam atendimento na rede local de saúde enquadraram-se na definição de caso suspeito.

Não menos preocupante foi a disseminação da enfermidade para outras localidades do Distrito Federal e de seu Entorno. Em junho, todas as preocupações voltavam-se para São Sebastião. Hoje, embora essa cidade ainda apresente um número de casos muito maior do que qualquer outra, ela responde por pouco mais de um terço do total, pois, no Distrito Federal, já há registros no Paranoá, na Ceilândia, no Recanto das Emas, em Brasília, em Sobradinho, em Brazlândia, em Planaltina e no Gama, enquanto, em Goiás, registram-se casos em Pirenópolis, Cristalina, Valparaíso, Santo Antônio do Descoberto e Luziânia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entre as diversas providências adotadas pelas autoridades do Distrito Federal para fazer face à emergência representada pelo surto de hantavirose, está a elaboração de um mapa epidemiológico que traça o perfil das vítimas da doença. Elaborado pelo Departamento de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde local, esse mapa mostra que a maioria das vítimas é homem - 57% contra 43% de mulheres -, tem idade mediana de 26 anos e reside na zona urbana. Quando foi divulgado esse mapa, eram 23 as vítimas confirmadas no Distrito Federal e 13 delas tinha local de contágio definido. Essas se haviam infectado, todas, na zona rural.

O mapa mostra, ainda, que se vem confirmando, no presente surto, a taxa de letalidade descrita na literatura médica. De 28 casos considerados no Distrito Federal e Entorno, 13 evoluíram para óbito, configurando uma taxa de mortalidade da ordem de 46,4%. Se considerados apenas os casos do Distrito Federal, essa taxa decresce um pouco, situando-se em 43,5%.

Um dado do mapa elaborado pelos técnicos do Departamento de Vigilância Epidemiológica chama a atenção, contudo, deixando patente a importância de que todos os cidadãos, tanto aqueles que habitam a área urbana como aqueles que residem no meio rural, exerçam absoluto rigor nos cuidados preventivos para evitar a infecção pelo hantavírus.

Refiro-me ao fato de que, no Brasil, 74,2% dos casos confirmados da moléstia envolveram vítimas que desenvolviam algum tipo de trabalho no campo. No Distrito Federal, diferentemente, pessoas com outras atividades, a maioria delas do setor de prestação de serviços, foram infectadas pelo hantavírus. Como aponta o Dr. Expedito Luna, Diretor de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, “isso mostra que, aqui, as pessoas estão sendo contaminadas durante atividades de lazer, não no trabalho, ao contrário do restante do País”.

Graças aos pertinazes esforços desenvolvidos pelas autoridades sanitárias, desde o início do surto, com o objetivo de identificar possíveis áreas de contágio pelo hantavírus, chegou-se a decretar a interdição de duas áreas verdes no Distrito Federal. No dia 18 do mês passado, a Secretaria de Saúde recomendou a proibição para visitação pública de matas às margens do córrego Capão Comprido, na zona rural de São Sebastião, e de uma lagoa conhecida como Poção, no bairro Boqueirão, nas proximidades da barragem do Paranoá.

É que técnicos daquela Secretaria concluíram que vítimas do hantavírus tiveram contato com roedores silvestres, os transmissores da doença, nas duas regiões, pois lá estiveram antes de manifestar os sintomas. Assim, ninguém poderá freqüentar as áreas até a conclusão de um estudo ambiental que avaliará as ações necessárias para diminuir as chances de contaminação. A decisão, tomada de forma preventiva, evitará que outros freqüentadores sejam infectados. Os técnicos levaram em consideração, ainda, que as duas áreas são inadequadas para visitação, na medida em que não são parques ecológicos, mas, sim, matas fechadas, exatamente o hábitat dos roedores silvestres. Para chegar até os corpos d’água, locais onde costumavam banhar-se, os visitantes precisavam percorrer trilhas dentro da mata, situação em que o contato com roedores silvestres era praticamente inevitável. Foi nesse deslocamento até o córrego e a lagoa que as vítimas antes mencionadas possivelmente se contaminaram, na avaliação do Dr. Arnaldo Bernardino, Secretário de Saúde do Distrito Federal.

O Ministério Público do Distrito Federal também tem procurado dar sua contribuição no enfrentamento da emergência que estamos vivendo. A instituição criou um grupo permanente, que se vem reunindo desde o dia 20 do mês passado, para acompanhar, fiscalizar e discutir os trabalhos de prevenção da hantavirose. O grupo que enviou à Secretaria de Saúde uma lista com recomendações está especialmente empenhado em saber como está o acesso da população às campanhas educativas. O Ministério Público também questionará a Secretaria de Saúde a respeito do treinamento dos médicos e dos meios disponíveis para o diagnóstico da hantavirose.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os especialistas na matéria já têm algumas convicções quanto às causas do surto de hantavirose que assola o Distrito Federal. Pesquisadores do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília afirmam que ele está diretamente relacionado à expansão urbana desordenada e aos hábitos ainda retrógrados de parcelas da população rural. O crescimento descontrolado das cidades tem sido uma das causas da devastação do cerrado, que se tem acelerado visivelmente nos últimos anos. As investigações indicam que a progressiva destruição desse ecossistema contribui para a constituição de um ambiente favorável à manifestação do vírus.

A eliminação de áreas cada vez maiores do seu hábitat acaba por afugentar os predadores naturais dos roedores do cerrado, como as cobras, as corujas, os gaviões e os cachorros do mato, favorecendo, assim, a proliferação daqueles. De outra parte, a deterioração do ambiente natural faz, também, escassearem as fontes normais de alimentação dos ratos silvestres, impelindo-os a buscarem rações de animais domésticos, restos de refeições humanas e produtos agrícolas estocados sem os devidos cuidados.

Parece também certo que a abundante precipitação pluviométrica que caracterizou a última estação chuvosa, com a subseqüente ocorrência de temperaturas bastante elevadas, foi outra causa determinante da maior proliferação dos roedores do cerrado. Felizmente, os especialistas afirmam que o início, em breve, de mais um período de chuvas será eficaz para deter a disseminação do hantavírus.

De toda maneira, é imprescindível que sejam tomadas todas as medidas necessárias para que, no início da próxima estação seca, no outono de 2005, a população do Distrito Federal e do Entorno não venha a sofrer, mais uma vez, o flagelo da hantavirose. Deve ser dada continuidade às campanhas de esclarecimento à população, até que todos estejam suficientemente orientados quanto às formas de prevenir o contágio. Da mesma forma, é necessário perseverar nos esforços de identificação dos locais onde as pessoas estão sendo contaminadas e nos trabalhos de coleta de roedores a fim de determinar as espécies portadoras do vírus e a taxa de indivíduos infectados.

No médio e no longo prazo, urge estabelecer critérios rigorosos para a expansão urbana, assegurando-se a preservação dos ecossistemas. Tanto quanto isso, importa garantir que os critérios estabelecidos sejam efetivamente respeitados. Afinal, não podemos tolerar que o crescimento desenfreado das cidades destrua o delicado equilíbrio dos ecossistemas, acabando por colocar em sério risco a própria saúde humana.

Não podemos esquecer, Srªs e Srs. Senadores, que a hantavirose é uma moléstia muito grave, que leva à morte cerca de metade das suas vítimas. Todos os esforços devem ser envidados para combatê-la!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/2004 - Página 31641