Discurso durante a 137ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Posicionamento contrário ao projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Posicionamento contrário ao projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2004 - Página 31737
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, PROMESSA, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, CERIMONIA RELIGIOSA, HOMENAGEM, RIO SÃO FRANCISCO.
  • APREENSÃO, COMUNIDADE, MEMBROS, CONVITE, BACIA HIDROGRAFICA, RIO SÃO FRANCISCO, PROJETO, FAVORECIMENTO, LATIFUNDIO, REGISTRO, TRABALHO, COMISSÃO ESPECIAL, SENADO, RELATOR, WALDECK ORNELAS, EX SENADOR, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, ESPECIALISTA, PROPOSTA, RECUPERAÇÃO, MEIO AMBIENTE, COMBATE, EROSÃO, CRITICA, DESCONHECIMENTO, GOVERNO FEDERAL.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-Sol - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez vou tratar de um tema que tem sido cantado em verso e prosa pelo Governo Lula, tal qual vinha sendo feito pelo Governo FHC, que acabou minimizando esse debate em face da crise do setor elétrico. Agora, o Governo Lula repete a velha cantilena, enfadonha e mentirosa, de ludibriar a opinião pública como se o projeto da transposição do rio São Francisco fosse a panacéia que curaria os males do nosso povo nordestino.

Na segunda-feira, tive a oportunidade de participar de uma missa dentro do canyon do São Francisco, com os Padres Eraldo e Luciano, a família do Sr. Vicente, que vinha fazendo isso há muito tempo, e lideranças locais. Em 4 de outubro, Dia de São Francisco, comemora-se o batismo cristão do rio São Francisco. A caravela de Américo Vespúcio, há 503 anos, batizou o rio Opará - como era chamado pelos povos indígenas, ou seja, rio-mar, em face de sua grande extensão - de rio São Francisco.

Mais uma vez, a comunidade local, assim como a comunidade científica e todos os integrantes do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, tem mostrado, mediante audiências públicas e debates, a preocupação com esse projeto, que nada mais é do que uma obra faraônica a ser executada para satisfazer o interesse de grandes latifundiários do Nordeste.

O problema, Sr. Presidente, é que muitas coisas são feitas e rapidamente esquecidas. Esta Casa, inclusive, teve o ensejo de produzir um trabalho seriíssimo com a Comissão que estudou a revitalização do rio São Francisco. Na época, o Relator foi o Senador Waldeck Ornélas, que praticamente acumulou a função de Presidente e Relator dessa Comissão e fez um trabalho seriíssimo, do qual tive a oportunidade de participar. Foram várias audiências públicas, onde foram ouvidos técnicos importantíssimos, especialistas e cientistas que estiveram aqui. O relatório do Senador Waldeck Ornélas, aprovado pela Comissão, mostra propostas concretas, ágeis e eficazes para minimizar a situação gravíssima por que passa o rio São Francisco. Vai desde a necessidade de alternativas para minimizar o desmatamento, seja pela agricultura itinerante, seja pelas carvoarias, e a necessidade de revitalização das matas ciliares, o combate ao assoreamento, o combate ao desbarrancamento, a necessidade de investimentos em outros componentes de matrizes energéticas para que o rio possa cumprir o seu destino, que é o abastecimento humano e animal, bem como os projetos de irrigação para a própria região e não a utilização apenas para a produção de energia.

Houve várias propostas extremamente importantes, mas todo o trabalho que a Comissão fez está sendo jogado no lixo, todas as audiências públicas, os debates, as propostas que têm sido feitas pelos comitês de bacia estão sendo jogadas no lixo pela histeria insana, pela quase que -- não sei que atributo dar - megalomania com a qual agora o Governo Lula e o Ministro da Integração, todos, mais uma vez, ludibriam a opinião pública, dizendo que esse projeto é para combater a sede dos nossos irmãos nordestinos.

Ora, qualquer pessoa de bom senso concordaria se fosse um projeto para combater a sede dos nossos irmãos nordestinos, inclusive daqueles que são pobres, que hoje passam fome e sede no Vale do são Francisco, não apenas na periferia das grandes cidades. Na periferia de Maceió, há milhares de famílias que passam as madrugadas acordadas para encher o baldinho de água no jardim ou no pequeno quintal para usar nas suas necessidades durante o dia. Em São José da Tapera e em vários lugares do sertão de Alagoas, há gente que sabe da existência do rio, que às vezes vê o rio, mas não consegue água do rio para o próprio abastecimento, para um animal ou para um projeto de irrigação.

Mais uma vez o Governo Lula - o Ministro da Integração, a cúpula palaciana do Governo - tenta ludibriar a opinião pública, dizendo que o projeto é para matar a sede dos irmãos nordestinos, quando na verdade não é. Menos de 5% da canalização a ser feita será próxima da área do semi-árido do Nordeste. De fato, é um projeto que se destina a garantir lucros para os grandes latifundiários, para o “agroshow”, para aqueles que plantam soja para fazer ração para os porcos europeus, ou para produzir fruta que nunca é vista por uma criança nordestina, mas que vai compor arranjos belíssimos dos hotéis americanos ou da Europa.

Esta semana, dia 14, em Propriá, haverá mais um debate do Comitê da Bacia Hidrográfica, e é fundamental que todos se posicionem em relação a esse projeto.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Pois não, Senador Heráclito, com todo o prazer.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senadora Heloísa Helena, não é o primeiro pronunciamento que V. Exª aborda nesta Casa, de tema tão delicado. Há cerca de dois meses, esse mesmo assunto foi aqui tratado, e V. Exª chamou-me a atenção para alguns fatos que, até então, tinham me passado despercebidos. Aproveitei esse período de campanha, quando se sobrevoa muito o Estado do Piauí e se percorre praticamente todo o trajeto do Rio Parnaíba, que hipoteticamente é um dos rios que participaria dessa interligação, e vi exatamente a irresponsabilidade deste Projeto. Esse rio está morrendo; os seus afluentes estão morrendo. Uma dragagem do rio e a recuperação do seu leito seria o mínimo e o passo inicial. Depois de tudo isso feito é que se poderia pensar em uma integração desse porte. Creio que é uma temeridade, uma irresponsabilidade o que se está pensando e o que se está fazendo. Por conseqüência de todo esse desmatamento desordenado, estamos vivendo em Gilbués, no meu Estado, um processo de desertificação galopante. Voando de Brasília a Teresina, percebemos como é impressionante a velocidade da desertificação, que não é de agora, mas da década de 40 ou 50. De forma que, entrar numa aventura dessas sem corrigir os rios que participariam desse sonho é uma temeridade, uma irresponsabilidade. Concordo plenamente com V. Exª. Há cerca de dois anos, membros do Ministério Público do Piauí fizeram uma viagem de inspeção às nascentes do rio Parnaíba, e tenho um relatório sobre isso. Inclusive, V. Exª deu a idéia de solicitar a esse grupo que fez a viagem - salvo engano chamada Salvem o rio Parnaíba - para que nos tragam o relatório, e então vamos ver o que se passa por lá. Eu era garoto, e o rio Parnaíba era navegável, os famosos vapores traziam não só passageiros como também e produtos do sul do Piauí, as nossas riquezas. Hoje, não é mais navegável. Era preciso, primeiro, para se ter uma atitude lógica e de bom senso, que se olhasse para isso e não se tentasse entrar num projeto de aventura, de empreiteiros e de projetistas, que ninguém sabe qual será a conseqüência. Outro dia, ouvi o Senhor Presidente dizendo que era a mesma coisa que se pegar uma caneca de água e andar alguns quilômetros para dar a quem tem sede. Só que, neste caso, a caneca está furada e quando chegar ao destino não haverá mais água. Assim, vai faltar para os que têm sede e para os que não tinham sede até o momento. De forma que louvo V. Exª pelo pronunciamento e sugiro que abrace a idéia e alerte o País, porque pelos alertas de V. Exª e dos que se juntam, poderemos evitar uma catástrofe neste País. Muito obrigado.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Muito obrigada.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL) - Pois não.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA ) - Eu gostaria de ir ao encontro da posição de V. Exª, apoiando-a. É muito importante esse grito de alerta a favor da nossa região, o Nordeste, contra o que se pretende fazer no rio São Francisco. Digo isso, Senadora Heloísa Helena, não somente para acompanhar a posição competente de Waldeck Ornelas, que V. Exª citou, que teve um imenso trabalho. Acompanhei - de longe, mas acompanhei - aquele exaustivo trabalho dele, que é completo. Penso que não podemos pensar em nenhum projeto sobre o rio São Francisco, se não partimos dessas conclusões - algumas podem ter de ser revistas, mas temos de partir dali. Tenho certeza também de que, enquanto convivermos com problemas de fome e de pobreza no nosso território - falo especificamente da Bahia, onde imensos projetos podem ser feitos -, não podemos pensar em outro tipo de aproveitamento do rio São Francisco que não seja o aproveitamento local. Tem de se fazer em cada Estado e há muito por ser feito. Também tem de se recuperar o rio, antes de qualquer coisa. Parabenizo V. Exª por essa posição, que acompanho com enorme satisfação.

A Srª Heloísa Helena (P-Sol - AL) - Agradeço a V. Exªs, Senadores Rodolpho Tourinho e Heráclito Fortes, pelos apartes.

Há duas coisas neste debate que me irritam e, ao mesmo tempo, me entristecem profundamente. A primeira é quando alguns mentirosos - alguns deles, além de mentirosos, são delinqüentes, pois querem encher seus respectivos bolsos, ou por meio de consultorias ou por meio de empreiteiras ou por meio de construtoras, que supostamente seriam beneficiadas com esse projeto - fazem o discurso da racionalidade técnica. É tudo mentira.

O outro argumento que usam para ludibriar a opinião pública é a necessidade de sensibilização da população. Alguns dizem: “Oh, como esses Estado são egoístas, não querem disponibilizar algumas gotas dos rios para combater a sede dos nossos irmãos nordestinos!” Um me causa profunda indignação, o outro, profunda tristeza. É evidente que, se fosse para garantir o abastecimento urbano de milhares dos nosso irmãos, tanto no Vale do São Francisco, como lembra V. Exª, como em outros Estados, todos teríamos o maior prazer em disponibilizar isso.

Digo sempre que todo Governo quer fazer um grande projeto. Parece que todas as pessoas que ocupam um grande espaço público são movidas pela vaidade - quase uma tara - de dizer que têm que fazer uma grande obra. Muitas dessas grandes obras estão no rol das obras inacabadas. Muita gente comeu o dinheiro, as obras estão inacabadas e nada foi feito.

Se o Governo quer fazer um grande projeto, tem um desafio: garantir o saneamento básico em 503 Municípios do Vale do São Francisco que estão jogando seus esgotos in natura ou nos afluentes ou dentro do próprio rio São Francisco. Quer fazer um grande projeto? Faça o saneamento básico de 503 Municípios, garanta a revitalização do rio e a recomposição das matas ciliares, invista em outros componentes e matrizes energéticas. O que não pode é ludibriar a opinião pública, dizendo que o que fazem visa salvar o Nordeste, quando, na verdade, o dinheiro é disponibilizado para encher a pança dos grandes latifundiários. Os grandes latifundiários serão beneficiados com o projeto da transposição, pois produzirão manga para enfeitar as mesas dos hotéis americanos ou soja para fazer ração para alimentar os porcos da Europa, enquanto os nordestinos passam fome e têm sede tanto no Vale do São Francisco como fora dele.

Portanto, precisamos ter a coragem de analisar a disponibilidade de recursos hídricos existentes hoje em vários outros Estados, tanto de águas subterrâneas como dos muitos açudes construídos em propriedades privadas, o que impossibilita o acesso da população local à água. Vamos rediscutir a utilização da água que hoje está disponível em outros Estados em vez de fazer propaganda enganosa, porque, infelizmente, a transposição do São Francisco é uma propaganda enganosa que não resolverá o problema de fome e de sede do povo nordestino. Apenas, mais uma vez, encherá a pança dos grandes latifundiários que não produzem para o Brasil, mas apenas para a exportação.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2004 - Página 31737