Discurso durante a 137ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre questões referentes ao setor elétrico.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Considerações sobre questões referentes ao setor elétrico.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2004 - Página 31748
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • CRITICA, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, SETOR, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA, PREJUIZO, AUMENTO, CONSUMO, POPULAÇÃO, APRESENTAÇÃO, DADOS, ELOGIO, ANUNCIO, GOVERNO FEDERAL, LICITAÇÃO, LINHA DE TRANSMISSÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, INICIATIVA PRIVADA, INFRAESTRUTURA, SETOR, ENERGIA ELETRICA, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, SUJEIÇÃO, POLITICA, SUPERAVIT, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • REPUDIO, DESCUMPRIMENTO, GOVERNO FEDERAL, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, APROVAÇÃO, SENADO, COBRANÇA, TRANSMISSÃO, ENERGIA ELETRICA, VINCULAÇÃO, DISTANCIA, CONSUMO, PROVOCAÇÃO, PREJUIZO, INVESTIMENTO, INICIATIVA PRIVADA.
  • QUESTIONAMENTO, DESCUMPRIMENTO, GOVERNO, ACORDO, PREJUIZO, MODELO, SISTEMA ELETRICO, PAIS.
  • REGISTRO, ANALISE, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, ENERGIA ELETRICA.
  • CRITICA, CONTRATO, GESTÃO, CRIAÇÃO, OUVIDORIA GERAL, VINCULAÇÃO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), PRESIDENCIA DA REPUBLICA, AGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, ENERGIA ELETRICA, IMPEDIMENTO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, SENADO.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para tratar de dois temas que considero extremamente importantes no que se refere à infra-estrutura do País: a questão do setor elétrico brasileiro e as modificações que estão sendo feitas na Lei das Agências Reguladoras.

Na verdade, o Estado brasileiro perdeu há muito tempo a capacidade de investir em infra-estrutura, seja no setor elétrico, seja na área de estradas ou de saneamento. Quando me refiro ao Estado brasileiro, faço alusão aos três níveis de Governo: federal, estadual e municipal.

Os investimentos públicos e privados, por exemplo, na área de energia, que atingiram US$15,4 bilhões em 1987, reduziram-se drasticamente para US$4,3 bilhões em 1995, ou seja, houve uma queda brutal. Em oito anos, por conseguinte, os investimentos no setor elétrico brasileiro caíram, de maneira uniforme e consistente, a um terço do valor. Na década de 80, a média anual de investimentos foi de US$12,6 bilhões, ao passo que, na década de 90, foi de apenas US$6,5 bilhões. Isso significa que, de uma década para outra, o investimento médio anual no sistema elétrico brasileiro foi reduzido à metade, tanto que chegamos ao final da década de 90 com problemas nessas áreas, como não podia deixar de ser.

Enquanto os investimentos caíam assustadoramente, por ouro lado, aumentava a demanda por energia elétrica, sobretudo a partir da década de 70, quando os índices de consumo de energia estiveram sempre acima dos índices de crescimento do Produto Interno Bruto brasileiro. Isso foi acelerado a partir do Plano Real, que elevou a renda da população e fez crescer muito o consumo de energia. Com isso, foi preciso acelerar - e é preciso acelerar neste momento, com novos investimentos.

Sr. Presidente, entre 1999 e 2004, foram acrescentados 20.630 MW à capacidade instalada brasileira. Somente entre 1999 e 2001, acresceram-se 10.000 MW. E esse é o grande problema. Mesmo com esse acréscimo à capacidade instalada, houve racionamento no País, tamanho o desgaste da infra-estrutura até aquela data.

Preocupa-me o fato de que, em termos de energia, é preciso pensarmos pelo menos cinco anos à frente. E por que cinco anos? O prazo para a construção de uma termoelétrica é de três anos, e de cinco ou seis anos para uma hidroelétrica. Ao cogitarmos um prazo tão longo - e é necessário que seja assim - preocupa-me o fato de que, nos anos 2003 e 2004, não foi realizada nenhuma nova licitação para outorga de energia elétrica. Hoje temos uma folga razoável no sistema - fruto da entrada de novas usinas de operação, fruto ainda dos efeitos do racionamento, fruto de muita chuva em um período do ano passado -, mas é preciso pensar para frente, tendo em vista que qualquer ação que se tome hoje terá um reflexo muito demorado.

Quanto à transmissão de energia, lembro que o Governo anunciou esta semana que novas linhas foram colocadas em licitação, tendo sido passadas para a iniciativa privada e para o Governo. Nesse ponto, considero que tem sido um sucesso essa questão da linha de transmissão.

Aliás, a Ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff - que considero uma das melhores figuras desse Ministério todo, por ser competente, capaz, e por conhecer a fundo o setor elétrico brasileiro -, certamente, na elaboração de um novo modelo de licitação para geração no sistema elétrico brasileiro, foi buscar inspiração no modelo de licitação para as linhas de transmissão, porque este sistema tem dado certo no País e não tem tido problema.

Quando analisamos as necessidades de investimentos - incluindo tanto a transmissão quanto a geração e a distribuição - chegamos à conclusão de que o País necessita de cerca de 20 bilhões de dólares por ano para investimentos em energia. Isso equivale a aproximadamente metade da necessidade de investimento em infra-estrutura no País, incluindo estradas, portos e outras questões.

Nesse sentido, ao refletirmos sobre esses 20 bilhões(?) em investimentos, chegamos à conclusão de que, em face das limitações de uma política do Fundo Monetário Internacional seguida pelo Governo brasileiro - assim como ocorria no Governo anterior -, que se reflete na necessidade de um superávit primário acima até do que seria aceitável, não há condições de se utilizarem todos os recursos gerados no sistema da Eletrobrás para investimentos no sistema elétrico brasileiro. Por isso precisamos - queiramos ou não - da iniciativa privada para complementar esses investimentos na área de energia. E essa complementação deve ocorrer nas áreas de geração, de transmissão e também de distribuição.

E que obstáculos haveria, neste momento, para a entrada da iniciativa privada ou para a retomada de investimentos pela iniciativa privada no sistema elétrico brasileiro? O primeiro ponto se refere ao novo modelo do sistema elétrico brasileiro, que traz uma inquietação muito grande para a iniciativa privada, pois se descumpre no País, neste momento, o artigo de uma lei aprovada aqui no Senado, que diz respeito ao fator locacional na área de transmissão. Ou seja, a transmissão deve ser cobrada pela distância em que é usada. Esse era um defeito do sistema, que teve de ser corrigido. O tema foi objeto de longa discussão com o Ministério de Minas e Energia, com a Eletrobrás, com todo o setor elétrico privado, foi objeto de acordo aqui no Senado, onde foi aprovado, através de uma emenda de minha autoria, foi sancionado pelo Senhor Presidente da República, transformado em lei e está sendo descumprido pelo Governo.

Esse simples descumprimento por parte do Governo traz uma inquietação muito grande à iniciativa privada. Se é capaz de descumprir um artigo que foi construído conjuntamente por quem, pela lógica, deveria ser, pelos políticos e pela iniciativa privada, o que poderá ocorrer em relação a mudanças de regras do jogo se já está se descumprindo um artigo de uma lei aprovada nesta Casa? É um sinal extremamente ruim que é passado para o sistema privado e para quem necessita, como necessita este País, de investimentos privados na área de energia elétrica.

Existe um outro ponto, além desse sinal locacional da transmissão que, repito, virou lei, que foi um acordo feito no Senado, não no plenário mas no gabinete do Líder do Governo, Senador Aloizio Mercadante, feito por mim e pelo Senador Delcídio Amaral com a Ministra Dilma Rousseff, que, como já disse, conhece o assunto, é uma das melhores figuras do Governo, tem capacidade e competência.

No caso específico do descumprimento tanto da lei quanto desse acordo a que vou me referir, tenho quase certeza de que a Ministra Dilma Rousseff não sabe, efetivamente, o que está acontecendo neste momento. Esse acordo que foi feito com a Ministra está sendo descumprido. Ele diz respeito a uma definição de energia velha e energia nova no novo modelo. É um assunto extremamente técnico para se explicar aqui, mas é muito fácil dizer que houve um acordo feito no gabinete do Líder do Governo que foi quebrado. Ele não está sendo cumprido.

Então, cerca de 3.500 megawatts que teriam de ser considerados energia nova, por serem fruto de um acordo, não estão sendo considerados dessa forma. E mais: eles estão sendo colocados em dúvida para que geração estatal venha a ocupar o lugar da iniciativa privada nesse acordo, o que é um absurdo. Acordo tem de ser cumprido.

Aqui, no Senado Federal, temos tido alguns problemas com o Governo em relação a isso. Esse é um problema específico grave não pelo que ele representa, porque, no fundo, em relação à capacidade instalada do País na área de energia elétrica, 3.500 megawatts representam muito pouco, mas pelo que representa o não-cumprimento de uma palavra. A iniciativa privada tem a absoluta convicção de que, se esse acordo feito no gabinete do Líder do Governo não é cumprido, outros acordos poderão não ser cumpridos quando estiverem frente a frente a iniciativa privada e o Governo Federal.

Então, são dois pontos extremamente importantes e simples de serem resolvidos e que colocam em xeque o novo modelo do sistema elétrico brasileiro que está em vigor.

Ao olhar à frente, devemos considerar não só acordo descumprido e lei não cumprida, mas também a questão do marco regulatório do setor elétrico brasileiro e, de uma forma geral, de todas as agências reguladoras.

A Câmara dos Deputados está analisando um projeto de lei que traz mudanças na lei das agências reguladoras. O Governo falou um pouco demais no começo, de uma forma genérica, chegando até a atacar as agências reguladoras, atribuindo a elas culpa que não tinham e citando outros pontos que, penso eu, dificultam ao Governo voltar atrás.

Tenho certeza de que os dois pontos que abordarei dizem respeito a essa família de problemas criados sem nenhuma razão. Existem dois pontos absolutamente incompreensíveis - não havia necessidade de aventá-los - que impedirão, tenho certeza, aqui no Senado, a aprovação das modificações das agências reguladoras. São de naturezas distintas, mas, no fundo, têm o mesmo tom ou o mesmo objetivo, apesar de não terem a menor importância ou a importância que a eles está sendo dada no projeto do Governo.

O primeiro ponto diz respeito aos contratos de gestão que deverão ser feitos com as agências. Para que esses contratos possam ser feitos, serão fixadas metas com as agências. E se não forem cumpridas, para simplificar o raciocínio, as agências serão penalizadas. Como? Penalizadas no seu orçamento. Ora, isso significa interferir na vida financeira da agência reguladora, tirar a sua autoridade e submeter a agência reguladora aos ditames, à política de cada Ministério, o que está errado. Uma coisa é o Governo, outra é o Estado. É preciso compreender claramente o papel da agência reguladora para se ter total convicção de que é absolutamente desnecessária a fixação de um contração de gestão.

No contrato de gestão seriam fixadas metas. A fixação dessas metas é algo absolutamente subjetivo e, às vezes, aleatório. Como fixar, por exemplo, uma meta na Agência Nacional de Petróleo? Fixar-se-ia a quantidade que, a cada ano, a Agência deveria licitar? Isso prejudicaria a qualidade da licitação. Seria fixada a quantidade de petróleo a ser descoberta? Isso seria outro absurdo. Quer dizer, há uma imensa dificuldade na fixação dessas metas. E, pior ainda, se essas metas fossem fixadas de uma forma não coerente e objetiva e não fossem cumpridas, seria necessário enfrentar outro problema, que seria a perda de autonomia financeira das agências.

Essa experiência de contratos de gestão com agências reguladoras não existe em muitos lugares do mundo. Aliás, conseguimos detectar, até para analisar o que está sendo feito no mundo, apenas dois países que utilizam esses contratos de gestão: Peru e Tanzânia. Não me parece que apenas o exemplo desses dois países venha a servir como uma base muito grande de apoio para que essa experiência internacional possa, efetivamente, valer aqui no Brasil. Esse é o primeiro ponto que considero necessário ser esquecido no projeto das agências reguladoras.

O segundo ponto diz respeito à ouvidoria. O projeto também estabelece que haverá uma ouvidoria, que já existe em quase todas as agências. Mas ela não se subordinará à agência, mas, sim, teoricamente, ao Ministro ou ao Presidente da República. Significa que a agência perde a sua autonomia também por passar a ter um canal de comunicação institucional ou com a Presidência da República ou com o Ministério num assunto que deve ser resolvido em nível da agência. É possível aperfeiçoar o texto em relação à ouvidoria? Sim, mas nunca o mantendo da forma como está.

Como podemos ver, esses dois problemas analisados friamente significam muito pouco, impedem hoje e vão impedir, com certeza, aqui no Senado, uma aprovação dessa lei das agências reguladoras. Pior que isso: o impedimento não é tanto em relação a se aprovar ou não de forma mais rápida ou menos rápida o projeto aqui. Eles impedem que os investidores venham ao País, mesmo os brasileiros, aportar recursos para essa área tão importante de infra-estrutura.

Existe um terceiro ponto, que é polêmico para alguns, mas não para mim, pela experiência que tive, referente à lei das agências reguladoras - aliás, é proposta do Governo - e ao poder de concessão. No projeto novo, em análise na Câmara dos Deputados, essas concessões seriam feitas pelos Ministérios e não mais pelas agências, como ocorre atualmente.

Quanto a essa mudança de regra aparentemente polêmica, entendo que o Governo está coberto de razões ao propor, no projeto de lei, que a questão seja tratada pelos Ministérios. Somente o Ministério poderá efetivamente cumprir uma política do Governo e determinar onde as concessões devem ser feitas. Isso não pode ficar a cargo de uma agência, que, no entanto, fará todo o processo de concessão, ficando a decisão acerca do que fazer sob responsabilidade do Ministério.

Sr. Presidente, entre os cinco tópicos que abordei, essa questão da concessão parece-me não ter problema algum. É lógico que assim também deve ser feito em cada Ministério, mas o Governo deve pensar nestes quatro pontos: na lei que não está sendo cumprida referente ao sinal locacional da transmissão; no acordo do Ministério com o Senado que não está sendo cumprido com relação a energia nova e energia velha; nos contratos de gestão na nova lei de agências reguladoras que se propõe; na ouvidoria, que pode ser aperfeiçoada.

Sr. Presidente, são quatro pontos. Se formos analisar friamente, chegaremos à conclusão de que é muito pouca coisa para que se possa finalizar todo esse processo de reforma do sistema elétrico brasileiro e estabelecer um marco regulatório que dê confiança aos investidores. O que os investidores querem - tenho absoluta convicção disso - não é só o que está escrito no papel, mas a atitude do Governo em relação ao que virá depois, porque são longos anos de convivência durante uma concessão.

Encerro o meu pronunciamento, deixando este alerta e esta sugestão ao Governo: se quiser buscar, de imediato, relação normal com o mercado, se quiser buscar investimento, já que, em 2004, não se fez licitação alguma na área de geração, vamos simplificar. Por meio da resolução desses quatro pontos, definitivamente - tenho certeza disso -, estabeleceremos um melhor canal e um melhor diálogo com o sistema privado brasileiro.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2004 - Página 31748