Discurso durante a 137ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre as conseqüências sócio-econômicas negativas advindas da pirataria no Brasil.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Considerações sobre as conseqüências sócio-econômicas negativas advindas da pirataria no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2004 - Página 31767
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, EFEITO, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, ILEGALIDADE, INDUSTRIA, FALSIFICAÇÃO, REPRODUÇÃO, DIVERSIDADE, PRODUTO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, BEBIDA, BEBIDA ALCOOLICA, CIGARRO, MUSICA, TELECOMUNICAÇÃO, PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL.
  • CRITICA, OMISSÃO, TOLERANCIA, ESTADO, COMBATE, INDUSTRIA, FALSIFICAÇÃO, FAVORECIMENTO, ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO.
  • IMPORTANCIA, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CAMARA DOS DEPUTADOS, INVESTIGAÇÃO, FRAUDE, DIVERSIDADE, SETOR, ECONOMIA NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REORGANIZAÇÃO, ESTADO, EFICACIA, COMBATE, FRAUDE, MERCADO INTERNO.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente , Srªs e Srs. Senadores, a pirataria é um problema complexo, enraizado na cultura do povo brasileiro em razão de vários fatores. Um deles é o fato de tratar-se de negócio extremamente lucrativo, tendo em vista não receber impacto de impostos ou qualquer outra modalidade de fiscalização. Outro importante aspecto reside nas leis brasileiras, que não inibem de maneira eficaz a prática da pirataria e, assim, estimulam a sua impunidade. Por fim, a chaga do desemprego e do desespero social tende a justificar e a proteger a pirataria, permitindo a grupos criminosos ampliar seus negócios sem que o Estado consiga reprimi-los.

É importante ressaltar que a tolerância brasileira à pirataria vem desfiando o tecido social. Ao invés de a população se movimentar contrariamente, acaba incentivando a prática da pirataria, como se estivesse fazendo um bom negócio pelo fato de comprar mercadorias por preço inferior ao do comércio formal. Observamos, assim, que o prejuízo é fartamente distribuído: o consumidor adquire produtos de má qualidade, e o comerciante estabelecido, ao deixar de vender, tem seu negócio ameaçado, descontando esse efeito sobre seus empregados, os quais, na maioria das vezes, perdem seu vínculo empregatício.

O Estado, por seu turno, não se empenha devidamente na repressão, por considerar a pirataria uma atividade exercida apenas por indivíduos menos favorecidos, que, pelas dificuldades impostas pelo mercado de trabalho, procuram ganhar a vida informalmente ou, na pior das condições, aliando-se ao crime.

A cruel realidade demonstrada pela prática da pirataria fica patente pela concorrência desleal e aviltante que exerce sobre o mercado legal. No “mercado pirata” não há custos de pesquisa, de desenvolvimento do produto, de produção, de salários e seus encargos, de impostos, de distribuição e venda do produto. Significa afirmar que, em última instância, os piratas têm praticamente todo o preço de sua mercadoria constituído de lucro.

A prática da pirataria afeta negativamente a sociedade sob diversos prismas. O primeiro, como já mencionei, é a redução do número de empregos formais, gerando, como resultado adicional, a sobrecarga do sistema previdenciário. Em seguida, elencaria o sucateamento e o fechamento das indústrias nacionais em decorrência da avalanche de produtos que, burlando o fisco, chegam aos consumidores por preço abaixo do praticado pelo mercado legal. O terceiro é o desestímulo à pesquisa e à cultura pela falta de respeito aos direitos editoriais e autorais, resultado, em grande parte, da fuga dos investidores nacionais e internacionais, que sofrem a concorrência desleal dos que operam à margem da lei. Poderia ressaltar ainda um grande conjunto de efeitos colaterais gerados pela pirataria, tais como a produção de medicamentos falsos e geradores de danos irreparáveis à saúde e a adulteração de combustíveis, que compromete a economia e o meio ambiente.

Cansativo seria listar os crimes interligados aos interesses de falsificadores, contrabandistas e sonegadores. Como a sociedade não identifica claramente o sistema que comercializa mercadorias na ilegalidade, e o Estado, por ação ou omissão, contribui para esta prática ilegal, o mercado clandestino fica à disposição das organizações criminosas nacionais e internacionais.

Ao contrário do que se poderia esperar, a pirataria é, em geral, combatida microscopicamente por delegacias, onde sequer as informações de um inquérito policial são aproveitadas nos demais inquéritos, limitando-se a reportar o produto de uma apreensão. Deixa-se, portanto, de investigar toda a rede criminal envolvida.

É importante registrar o grandioso trabalho realizado pela CPI da Câmara dos Deputados sobre a pirataria, cujo relator é meu colega de partido, o Deputado Josias Quintal. Essa Comissão realizou profundas investigações e recebeu várias denúncias sobre a atuação da pirataria em diversos segmentos econômicos. Portanto, breves comentários se fazem necessários, para ilustrar às Senhoras e aos Senhores Senadores a dimensão que pode tomar esse tipo de delito. Para tanto, destaco alguns setores.

O setor de bebidas abrange diversos produtos, que vão das águas comercializáveis às bebidas alcoólicas de alto teor. É um setor em que ocorre um enorme quantitativo financeiro de sonegação, aliado a possíveis falsificações ou desconformidade dos produtos vendidos com as normas sanitárias. Na avaliação da Secretaria da Receita Federal, esse setor, ao lado do setor tabagista, é um dos mais suscetíveis à sonegação fiscal, com a evasão estimada em torno de R$1,5 bilhão a R$2 bilhões.

A história da indústria do tabaco no Brasil apresenta momentos em que a elevação tributária foi uma forma rápida de aumentar a arrecadação, bem como de auxiliar a política pública antitabagista. Tal conduta, porém, gerou efeitos adversos, pois serviu de estímulo à ilegalidade. Somando-se as dificuldades na fiscalização de nossas fronteiras, o resultado foi a conversão do mercado ilegal de cigarros em uma atividade extremamente rentável.

O valor dos cigarros comercializados no Brasil atinge a cifra de R$8,5 bilhões, dos quais R$1,9 bilhão no mercado ilegal. Com esses números é possível calcular que, contabilizando-se apenas os impostos indiretos que deixam de ser recolhidos em razão da ilegalidade, atinge-se o total de R$1,4 bilhão por ano.

Esse cenário de ilegalidades que impera no mercado brasileiro tem conseqüências danosas na agricultura, onde os produtores da cultura do fumo, organizados em esquema de agricultura familiar, perdem com a redução da demanda, sem deixar de mencionar a concorrência nociva sobre a indústria e a oferta de produtos de baixo preço e qualidade duvidosa aos consumidores. Portanto, toda a sociedade perde, pois deixa de ser beneficiada com os investimentos sociais de que tanto necessita.

A pirataria tem-se alastrado no mercado da música brasileira, principalmente nos últimos cinco anos, com o avanço da tecnologia digital e a maior disponibilidade de hardware. As vendas de música no Brasil efetivadas pelos piratas atingem, infelizmente, a marca de quase dois terços do total, o que coloca nosso país na 3º colocação do ranking mundial de pirataria de música.

Desse modo, não há condições de competição da indústria fonográfica com a indústria pirata, uma vez que no preço da primeira há diversos componentes do custo como fabricação, marketing, impostos, custos de gravação, de distribuição, direitos autorais, entre outros, enquanto a indústria pirata tem apenas o custo do CD.

A possibilidade de a indústria musical fechar as portas no Brasil é concreta. Estima-se que 30% dos postos de trabalho foram fechados, considerando-se gravadoras, fabricantes, comércio varejista e toda a cadeia produtiva da música, algo em torno de 60.000 postos formais. Além disso, 30%, dos artistas que eram contratados de gravadoras hoje são independentes. Segundo a Associação Brasileira de Produtores de Discos, 2.000 pontos de venda de CDs foram fechados nos últimos cinco anos no Brasil. O número de lançamentos caiu em quase 30%, e estima-se a perda da arrecadação tributária, em decorrência da pirataria de CDs, em R$500 milhões.

A produção de software também sofre dos mesmos problemas de pirataria que recaem sobre a indústria fonográfica, dada a facilidade com que cópias de programas são vendidas no mercado informal e ilegal. Estima-se que, se houvesse diminuição em mais de 10 pontos percentuais na pirataria de software, US$3,2 bilhões seriam adicionados de forma indireta ao resto da economia brasileira, assim como a geração de 13.000 novos empregos e a elevação da arrecadação na ordem de US$335 milhões.

Para o desconhecimento de muitos, a pirataria também atinge o setor das telecomunicações, abrangendo a exploração ilegal de mão-de-obra especializada ociosa, os furtos de sinais eletromagnéticos e o desrespeito aos direitos autorais. Como ocorre com os demais setores da economia, a pirataria elimina postos de trabalho formais nos concessionários de televisão por assinatura, construindo paralelamente um mercado ilegal e de difícil controle. Como conseqüência, além de atingir a área fiscal, repercute no meio empresarial por meio da fuga de capitais de investimento e do retrocesso na qualidade dos serviços. Tudo isso culmina no desaquecimento da indústria, no aumento de custos e tarifas e na queda na oferta de novos serviços.

Ressalto que o crime organizado talvez seja o segmento que mais lucrará se não houver uma repressão mais competente dos crimes de pirataria sobre os serviços de TV por assinatura e telecomunicações. Além de auferir ganhos com receitas alternativas, o crime pode expandir seus domínios na indústria de mão-de-obra e conquistar, por meio de pequenas redes locais, poderosos instrumentos de comunicação com as comunidades que, enfim, serão vítimas desta dominação.

Srªs e Srs. Senadores, ninguém ignora a venda de produtos falsificados nas ruas de todas as grandes cidades, sob a complacência mais ou menos conivente de fiscalizações e autoridades locais.

Em nível mais geral, há que se mencionar a conjuntura econômica do Brasil, pois são vários anos de crescimento escasso e desemprego que, sem dúvida, induzem à economia informal. Ademais, o agravamento da concorrência ilegal pode ser predatória e, muitas vezes, se vale de instrumentos do Estado para, de maneira sutil, livrar-se de concorrentes menores.

As organizações criminosas, que formam imensa rede de práticas de pirataria, se aproveitam de brechas na legislação e da impunidade. Mas o que mais preocupa é a perigosa banalização dos pequenos delitos, da omissão e tolerância do Estado, justificada muitas vezes pelo desemprego e pela corrupção dos agentes públicos. Forma-se, dessa forma, um clima de inércia do poder público, o que favorece a ação do crime organizado.

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, é imprescindível a reorganização do Estado, para que possa guiar nossa sociedade no sentido de uma reeducação cultural, criando um ambiente em que não mais se aceite, com tanta facilidade e naturalidade, a prática da pirataria, atividade que, se algo rápido não for feito, minará como um câncer, a resistência do corpo social, não dando chances para recuperação.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2004 - Página 31767