Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise da campanha eleitoral em curso, fazendo um balanço do desempenho do PMDB. Defesa da reforma político-partidária. Elogios à atuação do presidente Lula em nível internacional, criticando, porém, sua postura ética durante a realização do primeiro turno das eleições municipais.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. REFORMA POLITICA.:
  • Análise da campanha eleitoral em curso, fazendo um balanço do desempenho do PMDB. Defesa da reforma político-partidária. Elogios à atuação do presidente Lula em nível internacional, criticando, porém, sua postura ética durante a realização do primeiro turno das eleições municipais.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2004 - Página 31907
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, ELEIÇÃO MUNICIPAL, AVALIAÇÃO, RESULTADO, PRIMEIRO TURNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), DEFESA, REFORÇO, INDEPENDENCIA, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, REGISTRO, HISTORIA, DEMOCRACIA, BRASIL.
  • COMENTARIO, BIOGRAFIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, HISTORIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), FRUSTRAÇÃO, EXECUÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, RESSALVA, ELOGIO, POLITICA EXTERNA.
  • CRITICA, FALTA, ETICA, PARTICIPAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CAMPANHA ELEITORAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, REFORMA POLITICA, FINANCIAMENTO, SETOR PUBLICO, CAMPANHA ELEITORAL, COMBATE, ORIGEM, CORRUPÇÃO, REFORÇO, PARTIDO POLITICO, REGULAMENTAÇÃO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador, a exemplo do que acontecia na Câmara, V. Exª obriga, muitas vezes, a Casa a trabalhar nas segundas e sextas-feiras. Entre as suas várias e brilhantes atitudes, essa merece, realmente, o nosso respeito. Houve uma época em que, principalmente nas sextas-feiras, no Senado, fazíamos como que uma academia de debates. Debatíamos e discutíamos os assuntos mais variados; os apartes eram longos, e isso foi algo realmente muito importante. Espero que voltemos a fazê-lo.

Estamos no final de uma campanha, caminhado para o segundo turno. O que dizer dessa campanha, o que dizer dessa eleição?

O PMDB ficou numa posição terciária, acompanhando a disputa entre PT e PSDB, à exceção de uma ou outra capital, tendo presença quase que insignificante nas grandes cidades.

É uma pena, mas, mesmo assim, é interessante, pois se trata do Partido que conseguiu mais Prefeituras no Brasil. Ficou em terceiro lugar, apesar de não ter candidato em São Paulo, em Florianópolis, em Curitiba, em Belo Horizonte, em Salvador e nas grandes cidades do Brasil.

Isso é fruto de uma orientação errada que vem de longe. Na última eleição, eu tentei. Menos por mim, mais pelo Partido, andei pelo Brasil inteiro, defendendo uma candidatura à Presidência da República. Eu me apresentava como candidato, mas poderia ser o Itamar Franco. O PMDB deveria marcar e definir sua posição, dizer o que era e o que queria, mas se dividiu entre um grupo que apoiava a candidatura do Lula, à frente do qual estava o Governador do Paraná, Roberto Requião, e outro que já estava agarrado com o Serra e sua candidatura.

A coisa foi tão estranha que, na hora da convenção - acho que ganhávamos a convenção -, não foi colocada em disputa a minha candidatura, mas a chapa do Serra e da candidata a vice, do PMDB: sim ou não? E fomos para essa campanha.

Devemos fazer uma ampla análise e reflexão sobre os nossos destinos e os do País.

O PMDB já foi um grande Partido. Marcou sua passagem, na época da ditadura, quando o Brasil estava numa angústia, sem saída, e as pessoas olhavam para nós como se aquele regime militar tivesse vindo para durar dezenas e dezenas de anos.

Naquela época, dentro do Partido, havia uma briga violenta. Havia os revolucionários, que queriam fazer uma revolução armada; os guerrilheiros, que queriam imitar Cuba e fazer o serviço por guerrilha; os que queriam renunciar à vida partidária, à cadeira no Parlamento e ir embora para casa; os que queriam a extinção do Partido, para deixar a Arena como partido único; e os que defendiam a campanha do voto em branco. Numa primeira etapa, essa campanha foi tão intensa que, em 1970, a Arena ficou em primeiro lugar e o voto branco, em segundo. O MDB ficou lá atrás, em terceiro lugar.

Quando dessa expectativa de desaparecimento do MDB, nós nos reunimos. O MDB do Rio Grande do Sul sempre foi um Partido diferente, modéstia à parte, embora tenha sido o que mais sofreu, mais apanhou e que mais teve cassações: João Goulart, que foi deposto, era dali; Brizola, o maior adversário do regime anterior, era dali; o Dr. Getúlio, que já tinha uma luta, em 1954, quando o depuseram e ele se suicidou - eram as mesmas forças de 1964 -, era dali. Então, pagamos um preço caro, com muitas cassações, muita violência, muita tortura. Ninguém sofreu o que o Rio Grande do Sul sofreu. Talvez por isso e pelo estilo do gaúcho, a resistência saiu do Rio Grande do Sul. Foi lá que nós nos reunimos e fizemos um congresso nacional em determinado momento, para determinar o que era o MDB. O MDB não era um partido, era uma frente, mas tínhamos que ter um objetivo único, comum. Nosso objetivo foi definido nessa reunião de todo o Brasil, no Rio Grande do Sul. Definimos quatro teses: anistia, diretas já, Assembléia Nacional Constituinte e fim da tortura.

A partir daí, houve uma movimentação. Naquela época, todo o PT de hoje estava no MDB, também todo o PDT, o Partido Comunista, o PCdoB, Linha Revolucionária. Eu fui presidente e chefe das Oposições. Nós abrigávamos todos e todos convivíamos, diga-se de passagem, no Rio Grande do Sul, muito bem. O que não tínhamos era uma linha de conduta. Por isso, cada um seguia a sua. A partir daí, repito, houve uma movimentação. No momento em que o PMDB passou a seguir uma linguagem só, as bases vieram, o povo saiu às ruas, o povo se identificou com a gente. Foi ali, com o povo na rua, que conquistamos a democracia. E foi uma grande vitória.

O PMDB é o único partido na história deste País, porque o Brasil não não tem biografia partidária, pois aqui os partidos não deixaram nada na história. Na Argentina, por exemplo, há o Partido Radical e o Partido Peronista, que vêm do século retrasado. No Uruguai, há os Blancos e os Colorados, que existem há séculos. No Paraguai, o Partido Colorado tem mais de 150 anos. No Brasil, o partido mais antigo de vivência permanente é o PMDB e não sei quantos anos tem.

Por isso, meus companheiros, meu Presidente, fomos às ruas, e o povo ganhou. Elegemos o Presidente da República, Tancredo Neves. Parece que ali Deus disse ao Brasil o que disse a Moisés, que conduziu o povo judeu por quarenta anos no meio do deserto. Quando chegou a hora da terra prometida, Deus disse: “Tu não vais”. “Mas, por que não?”, argumentou Moisés. Disse Deus: “Porque duvidaste quando te mandei bater na pedra para que saísse água; tu duvidaste que da pedra sairia água. Tu não vais”. E Moisés ficou.

Eu não sei qual foi o erro do Dr. Ulysses, nem do PMDB, mas a verdade é que, quando chegamos ao governo, Deus nos disse: “Vocês não vão”. E Dr. Tancredo morreu. E pior, entrou o Sarney. Uma bela pessoa, um grande companheiro. O problema do Dr. Sarney é que até hoje ele não é PMDB nem PFL. Dr. Sarney é o Dr. Sarney. Ele tem os amigos e os adversários. Hoje, quem acompanha a imprensa, verifica que não há maior lulista no Brasil do que o Dr. Sarney, telefonando ao Quércia, a todo mundo, chamando para votar no PT.

Então, o PMDB ficou à margem e não teve coragem de dizer que perdemos, mas que vamos continuar nossa luta na Oposição. Ficou metade no Governo e metade na Oposição. Perdeu a credibilidade e estamos nisso até agora.

No Rio Grande do Sul, vamos começar agora a fazer o trabalho que fizemos há trinta anos. Começaremos devagar, como quem não quer nada, e vamos nos reunir para debater. Debater anistia? Não, nós já temos. Debater eleição direta? Não, nós já temos. Debater Constituinte? Não. Vamos debater o Brasil de hoje e a realidade do Brasil de hoje.

Digo a V. Exªs que lamento porque, quando Lula ganhou, pensei que a minha missão estava cumprida. Sinceramente, confiei no Lula. Na campanha dele, tive a honra de recebê-lo em minha casa para jantar. Jantou comigo, e até defendi, já que o PMDB não teria candidatura própria, que, se déssemos um vice para o Lula - que poderia ser o Jarbas Vasconcelos -, faríamos uma revolução pacífica, uma transformação na sociedade.

Mas, infelizmente, estamos muito aquém daquilo que imaginávamos. Eu lhes digo com mágoa, com tristeza, mas este Governo - não que eu diga, nem tenho autoridade para dizer - não é o governo que eu queria. Mas, cá entre nós, não é o governo que o PT queria! Não é o governo pelo qual o PT saiu às praças e lutou. Olha, foi linda a campanha dos vinte anos do PT! É por isso que o Lula tem esse prestígio, essa credibilidade, que ele merece, no mundo inteiro. Não há, olhando para os lados, um exemplo a médio e curto prazo, de um cidadão que renasceu, porque era para ele morrer ali, na sua terra, onde 70% das crianças morriam antes de chegar a um ano de idade, no seu Pernambuco, na sua cidade natal. Não morreu. Seu pai abandonou a família - mulher e sete filhos -, saiu por ali. Sua mãe, os irmãos e ele entraram num pau-de-arara e foram para São Paulo e lá se atiraram no meio de uma multidão. E ele resistiu. Foi trabalhar, trabalhou de engraxate e em tudo que foi possível. Disse para ele que conseguiu uma maravilha, que foi um curso de formação profissional, a partir do qual conseguiu emprego na indústria metalúrgica. E nesse emprego foi entrando e participou da vida sindical. E, participando da vida sindical, foi convidado, e, naquela luta política a favor da democracia, ele entrou. Entrou e criou um partido. O Lula, terceiro ano, quarto ano, sei lá o quê, criou um partido que o mundo ainda não havia criado, um partido de trabalhadores. O mundo tinha um partido comunista, um partido socialista, mas um partido de trabalhadores, que ninguém levou a sério. Todo mundo achou que era ridículo, que não tinha consistência. Como vai acontecer um partido desse? Pois esse partido cresceu, se transformou num grande partido. Foi a primeira vez e perdeu, foi a segunda vez e perdeu, e terminou ganhando a eleição para Presidente da República.

Chegando à Presidência, a campanha que ele fez foi fantástica. Nunca me esqueço, vi emocionado quando a Globo... Falando em Globo, agora o Jornal Nacional é a Voz do Brasil. Quer dizer, quem diria que o PT faria com que o Jornal Nacional da Globo virasse a Voz do Brasil. Aliás, quero fazer justiça à Voz do Brasil. Outro dia, terminei de ouvir o Jornal Nacional da Globo, liguei o rádio na Voz do Brasil, que estava desmentindo o que a Globo estava dizendo. A Globo dizia que o Brasil era uma maravilha, sim. E a Voz do Brasil, o Governo, dizia: olha, temos muitos problemas, isso é assim, assim... Para saber como é o Brasil real é melhor ouvir a Voz do Brasil do que o Jornal Nacional. O Jornal Nacional está dando, pelo menos vai dar até as eleições, uma coisa fantástica.

É claro que aquilo que o PT dizia nesta Casa da Globo, na véspera das eleições anteriores, a Oposição pode dizer da Globo agora. A Globo é uma organização séria: “Hay Governo? Estou com o Governo”.

Mas, o que quero dizer é que, quando, na campanha passada, o Lula debatia, levava aqueles seus blocos de trabalho, falando sobre a energia elétrica, que a estavam estudando há seis, nós nos reuníamos e dávamos o nome das pessoas, dos melhores técnicos do Brasil, dos maiores técnicos do mundo e entregávamos a proposta. Era ganharmos o governo e, no dia seguinte, eles assumiriam. E o problema da miséria e da fome? Essa é a questão mais séria que existe. Els diziam: “nessa questão, estamos reunindo igreja, sindicato, trabalhadores, universidades, sociedade, estamos trazendo os técnicos do mundo para debater. Esse aqui é o Programa Fome Zero, está aqui o projeto”. Eu enlouqueci. Pensei: está resolvido.

Hoje, cheguei à conclusão de que aqueles trabalhos do PT são iguais ao que o PMDB fez, quando foi para o governo e, depois, o Sr. Tancredo morreu. O célebre documento “Esperança e Mudança”. Um documento que V. Exª deve conhecer, um dos documentos mais lindos que conheço. Uma programação do Brasil, uma proposta para o Brasil. Vários técnicos se reuniram e debatemos. Foi uma maravilha o documento, mas era um documento propositivo e não de ação do governo. Estamos vendo, agora, que aqueles documentos que o Lula fez eram muito bonitos, mas ainda não começaram a trabalhar, porque, na maioria, eram teses propositivas, não eram propostas. Eles não falaram: “quanto ao problema da fome, no primeiro mês, vamos fazer isso; no segundo mês, vamos fazer aquilo; depois, vamos fazer isso; depois, vamos fazer aquilo”. Não há setor do Governo que se tenha encaminhado nesse sentido.

Então, repito que, mesmo assim, Lula tem credibilidade internacional. Quero fazer justiça: nas questões internacionais, Lula está tendo muita competência. Penso que, na ONU, defenderá a obrigatoriedade da baixa dos juros e já tem autoridade para seguir e comandar o mundo no sentido de que o Brasil não pode, à custa da fome, do suor e do sangue da sua gente, mandar 150 bilhões para o pagamento de taxa de juros e ficar devendo mais, por não se abater o principal.

Meu amigo Paulo Paim, Exmº Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, vejo coisas profundamente estranhas. Vejo o dinheiro andar e rolar no Brasil. Pelo que observei, o dinheiro não pode ter vindo da contribuição dos Parlamentares: é dinheiro grosso. Vi o show de dois grandes artistas nacionais, que não sei se foi patrocinado pelo Banco do Brasil - não tenho idéia de quem paga. Só na minha região, foram três vezes, e dizem que cada show sai por R$70 mil.

O Presidente pediu desculpas. Mas, no Rio Grande do Sul, quiseram cassar o nosso candidato a Prefeito de Nova Hamburgo. Na inauguração de uma obra fechada - não recordo qual era -, estavam os candidatos do PT e do PMDB, e o Governador os convidou para sentar à mesa. Eles foram, e quiseram cassar o mandato; quase cassaram.

O Presidente da República vai a São Paulo, participa da inauguração de uma obra que não era federal, mas do Município, da capital, e impõe que o povo vote na Prefeita, que é a grande candidata. Ele se deu conta, pediu desculpas no dia seguinte. Não sei se a desculpa resolve, mas ele a pediu. O resultado da eleição saiu no domingo, e, na segunda-feira, na sala do Palácio do Planalto, na mesa redonda do Presidente da República - que veio do Palácio do Catete e era usada por Getúlio -, estavam os Ministros mais importantes do Brasil, o Presidente da República e os Prefeitos das capitais ou das grandes cidades em que o PT tinha ganho no primeiro turno. Lá estavam, convocados pelo Presidente da República. Para serem felicitados? Também, mas para se transformarem em cabos eleitorais e se atirarem em São Paulo, a fim de garantir a eleição da Prefeita daquela capital no segundo turno. Cá entre nós, não consigo entender. Ainda tiraram fotografias! Não entendo! Não entendo essa assessoria que perde o sentido da grandeza; que perde o sentido do que é o cargo de Presidente. Claro que o Presidente da República está trabalhando, torcendo, esforçando-se para que o PT ganhe; isso é normal.

O Sr. Antonio Carlos está magoado; nos jornais de hoje, diz que vai começar a criticar o Presidente e a apontar as coisas erradas. Em primeiro lugar, o Sr. Antonio Carlos não deveria começar a fazer isso, já que está aqui, e, sendo ele do Governo ou da Oposição, o errado deve ser dito. Está magoado, porque o PT - que não sei se tinha candidato ou não -, na Bahia, vai apoiar a candidatura do PDT; queria que a Bahia ficasse neutra, para que o candidato dele, no segundo turno, pudesse entrar.

É natural que o PT da Bahia apóie o candidato do PDT, que é da Base. Acho natural que o Presidente mande votar; que o PT, no Rio Grande do Sul, peça para as pessoas votarem no candidato Pont, do PT. Agora, reunir, no Palácio Piratini ou na sala e na mesa de trabalho presidencial, o Ministro da Fazenda, o Presidente do Banco do Brasil, o Ministro do Planejamento, os Ministros que tocam o Governo com os Prefeitos eleitos no primeiro turno - e não foi para agradecer, mas para pedir: “vamos dar uma mão para São Paulo, Salvador e Porto Alegre; são todos em São Paulo, Porto Alegre” - é falta de compostura. O Fernando Henrique no Governo não faria isso - talvez fizesse pior -, mas, pelo menos, não deixaria rastro por onde andasse; teria a fórmula de fazer o que deve ser feito com um mínimo de consciência. O PT, não: arromba a porta, abre, tira fotografia, chama todos para assistirem. Não entendo, sinceramente!

Saio daqui convencido de que ou se aprova o gasto público na campanha eleitoral, ou dá-se início a uma deterioração que não sei onde acabará.

A coisa, hoje, atingiu um rumo. Repito o que sempre disse: a corrupção no Brasil começa na campanha eleitoral. Essa convicção que tenho consolidou-se no Governo Collor. Quando fizemos a CPI do Collor, vimos que tudo que aconteceu depois começou na campanha eleitoral. O Sr. Collor era um homem sério, Prefeito de Alagoas, metido a moralista; pregava a verdade e a pureza. Mas, enquanto fazia isso na campanha, o Sr. PC Farias, coordenando-a, ia às empresas e comprava votos, dizendo: “Se você der tanto, durante alguns anos o Imposto de Renda não chegará à sua casa”; “se você der tanto para a campanha eleitoral, a fiscalização da Previdência não chegará à sua casa”. Isso ficou provado. E quando começou? Na campanha eleitoral.

A corrupção começa na campanha eleitoral - é o que estamos vendo. Mas existe outro fato muito maior. Antigamente, havia corrupção: empreiteiras davam dinheiro. Mas havia o empresariado que ajudava de maneira moral, e não existia nada de errado. No Rio Grande do Sul, havia muito disso: as grandes empresas ajudavam até o Partido Comunista; davam mais para um, mais para outro. Agora a situação mudou: os empresários querem escolher o candidato; dão tudo para um e nada para os outros. Aconteceu isso no Rio Grande do Sul, onde um candidato levou tudo, e os outros, nada; o PMDB, Partido do Governo no Rio Grande do Sul, não levou nada.

Então, nesta eleição, há um estágio avançado com relação às anteriores, nas quais havia os candidatos, os empresários e os banqueiros, que escolhiam aqueles que queriam ajudar. Agora, não; querem influenciar na escolha do candidato. Atualmente é assim: “vocês não podem apresentar candidato, tem que ser o fulano de tal”.

Ou vamos para a verba pública de campanha, ou, sinceramente, todos vão locupletar-se, e a seriedade vai desaparecer. O mínimo de moralidade pública vai desaparecer.

Sei que estou abusando, Sr. Presidente, mas já somos tão poucos agora, que, se V. Exª permitir, darei os apartes.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - O Regimento infelizmente aponta, mediante o acordo feito com os Líderes, que, neste período, depois de encerrado o tempo - e estou sendo tolerante com V. Exª, com muita satisfação -, não se permita o aparte. Penso que, desse modo, V. Exª até pode aprofundar mais o tema do seu pronunciamento.

Depois, o Senador Antero Paes de Barros fará uso da palavra, e o Senador Leomar Quintanilha, o próximo inscrito, também terá seus vinte minutos.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Peço desculpas, mas, conforme todos sabemos, nós temos muitos vícios e muitas qualidades. Cumprir o Regimento é uma regra que levamos ao pé da letra. Regimento é regimento.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Pedro Simon, V. Exª sabe da minha posição. É claro que vou concordar se ambos quiserem cumprimentar V. Exª pelo brilhante pronunciamento, em um minuto, como já fiz com outros oradores.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Longe de mim.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Se estivesse no Plenário, eu pediria um aparte a V. Exª, pode ter certeza, mesmo com o tempo esgotado.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Encerro, Sr. Presidente, agradecendo a V. Exª, que foi mais que tolerante.

Temos de ter a coragem de fazer uma reforma. É claro que a reforma política tem que entrar no jogo. Quando o Governo quis iniciar a reforma da Previdência e a reforma tributária, fui um dos que aconselharam e lutaram. Eu disse que não considerava que nada era mais importante do que a reforma política. Ela tinha que ser feita no início, quando o Governo era puro, era virgem, tinha entrado e poderia fazê-la. Não sei qual é a intenção do Governo hoje, mas a reforma político-partidária tem que ser feita.

Os Partidos de aluguel não podem continuar a existir. Não pode haver campanha séria com dez candidatos falando, todos pelo mesmo tempo, em um debate, quando apenas dois são candidatos para valer. Um exemplo disso foi o debate entre a Prefeita e o Serra, quando oito candidatos só estavam ali para fazer de conta. Não podemos fazer uma campanha partidária com debates em que legendas de aluguéis ficam de lados contrários só para tumultuar o debate. A reforma partidária é necessária.

Voto convencido, com paixão, para que os espaços gratuitos no rádio e na televisão sejam ao vivo. Não que o candidato deva falar ao vivo, na hora, mas os programas devem ser gravados ao vivo: ele deve gravar, ele deve falar.

Hoje, mais do que nunca, observamos que o que aconteceu com o Lula pegou. Transformar a pessoa é o segredo do marqueteiro, que deve esconder ao máximo o candidato e o que ele pensa, e mostrar um programa bonito e festivo, que não diz nada com nada. No final, ganha o melhor programa. Aliás, penso que deveria ser feito concurso para se saber qual é o melhor marqueteiro.

As eleições deveriam ter debate como o dos Estados Unidos, onde os dois candidatos falam. Foi algo sensacional. Assisti o debate dos candidatos americanos, do qual participa apenas um jornalista, para acompanhar, sem fazer interferências, e vi o candidato democrata olhar para o candidato republicano e dizer que se lembrava de quando os Estados Unidos sofreram a maior ameaça externa da sua história, no ano de 1962, quando os russos implantaram usinas nucleares em Cuba, orientadas para bombardear os Estados Unidos.

Aquela ameaça foi para valer, foi clara, real e concreta. O Presidente Kennedy, antes de fazer qualquer coisa, foi à ONU e à França falar com o Presidente De Gaulle, e disse ao Presidente francês: “Presidente, nós, dos Estados Unidos, estamos vivendo a maior crise da nossa história. Nunca aconteceu algo assim: as ogivas nucleares estão endereçadas aos Estados Unidos. Precisamos fazer alguma coisa. Trouxe as fotos de satélite e quero mostrar-lhe para que veja o que está acontecendo”. O Presidente De Gaulle disse: “Presidente Kennedy, perdão. Eu não quero ver foto nenhuma. O senhor está me dizendo e a sua palavra basta. A França está com o senhor”.

Perguntava, então, o candidato democrata ao Bush: “Em que lugar do mundo o senhor vai, leva a sua palavra e alguém acredita? Como está o americano hoje, que naquela época era o deus, o salvador do mundo, e que agora é o ridículo do mundo todo?”

Na verdade, a campanha deve ser feita assim, ao vivo, com cada candidato dizendo o que sente, sem precisar gastar 80% do que despende hoje um candidato na campanha de televisão, que é gratuita. Deve ser feita sem se precisar gastar, só com verbas públicas, e deve haver uma redefinição do quadro partidário. A legenda pode ser pequena, como a do PC do B, que tem tradição, tem história. Mas não pode haver legendas de aluguel, que pulam para lá e para cá, que são agarradas apenas ceder espaço político. Essas legendas não elegem nenhum deputado. Entretanto, partidos mandam deputados seus para elas, para que fiquem sendo deles e, na campanha, ganhem espaço na televisão - que ganham por terem um deputado.

Com relação ao Presidente Lula, acho que ainda é tempo de, no segundo turno, ele ter a austeridade e a seriedade que não teve no primeiro. Que ele entenda que ganhar é muito bom, mas ganhar perdendo o patrimônio maior que ele tem, que é o patrimônio ético, é algo de que terminará se arrependendo.

Sr. Presidente, digo isso com muita mágoa, mas entendo que era a minha obrigação falar nesta tribuna. Muito obrigado pela tolerância de V. Exª


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2004 - Página 31907