Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcrição de artigo intitulado "Serra e a democracia", de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no jornal Correio Braziliense, edição de 3 de outubro do corrente.

Autor
Eduardo Azeredo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Eduardo Brandão de Azeredo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Transcrição de artigo intitulado "Serra e a democracia", de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no jornal Correio Braziliense, edição de 3 de outubro do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2004 - Página 31917
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUTORIA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, APOIO, JOSE SERRA, CANDIDATO, PREFEITO DE CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMBATE, EXCLUSIVIDADE, PARTIDO POLITICO, IMPORTANCIA, DIVERSIDADE, DEMOCRACIA.

            O SR. EDUARDO AZEREDO (PSDB - MG. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna, neste momento, para registrar o artigo intitulado “Serra e a democracia”, de autoria do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no Jornal Correio Braziliense de 3 de outubro do corrente.

            Em seu artigo, o ex-Presidente trata da importância da eleição de José Serra para a Prefeitura de São Paulo, o que fortalecerá uma liderança importante para o Estado e para o Brasil, além de “combater” a democracia de um só partido dominante, evitando a força de rolos compressores e dando legitimidade a opções “não só de poder, mas de pontos de vista sobre o País, o Governo e a sociedade”.

Sr. Presidente, requeiro que o artigo citado acima e que encaminho em anexo seja considerado como parte integrante deste pronunciamento, para que passe a constar dos Anais do Senado Federal.

            Era o que tinha a dizer.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO AZEREDO EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, Inciso 1º e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

Correio Braziliense, 3 de outubro de 2004”

Serra e a democracia

Por Fernando Henrique Cardoso

Parece desnecessário explicar por que voto em José Serra para prefeito de São Paulo. Amigos há 40 anos, companheiros nas lutas democráticas do PMDB contra o regime militar, fundadores do PSDB, sempre estivemos juntos politicamente. Mais ainda, nas duas ocasiões em que trabalhou comigo, como ministro do Planejamento e, depois, da Saúde, vi de perto como a tenacidade de Serra, somada a seu inegável espírito público, o torna um administrador de mão-cheia. Jamais se deixou de reconhecer a inteligência de Serra. Sua experiência no governo permitiu que a essa qualidade se juntasse outra, rara entre os políticos comuns: a capacidade de realizar. Não há dúvida, portanto, sobre quem melhor pode servir a São Paulo.

Fosse só isso, votaria em Serra e não precisaria dizer mais nada. No momento, entretanto, a eleição de Serra ganha uma dimensão política que transcende seus méritos pessoais e as necessidades da cidade de São Paulo.

Até certo ponto, o que está em causa é o risco de se consolidar no Brasil um estilo não-democrático de utilização das regras democráticas. Não se trata de terrorismo pré-eleitoral. Não penso que a democracia, entendida no conceito formal, esteja a perigo. Há, todavia, sinais inquietantes de perda do sentimento genuinamente republicano de conduzir o processo político.

No Brasil sempre se alegou a fragilidade do sistema de partidos como um impedimento para os avanços democráticos. E isso é verdadeiro. O que jamais se imaginou é que pudesse haver, como no presente, uma democracia arriscada de ser caudatária de um partido único, tanto pela fragilidade dos demais como pela organização e pelo apetite pantagruélico do partido que chegou ao poder nacional.

Já é discutível a cobrança de dízimo de dinheiro público para fazer com que funcionários nomeados em comissão encham as burras do partido. Mais grave é o despudor com que se jogam ministros e altos funcionários na briga eleitoral. Não que não devessem ou não pudessem participar da disputa eleitoral. Mas, recorrendo ao latim para qualificar tão antigos procedimentos, modus in rebus. Em outras palavras, falta senso de medida. A avalanche de viagens eleitorais dos ministros aos Estados, o aluguel maciço de jatinhos, a riqueza da propaganda eleitoral, paga no caso com dinheiro privado, mas obtido com a abundância que os jornais noticiam, começam a arranhar o decoro republicano. E isso no Brasil todo.

Se dessa voracidade resultar uma votação esmagadora no pólo hoje dominante, meu Deus, como será possível dar sustentação às alternativas, não só de poder, mas de pontos de vista sobre o País, o governo e a sociedade? Os ímpetos antidemocráticos estão à mostra. Alguns, é verdade, são contidos verbalmente pelo presidente, mas apenas verbalmente. Ora se arremete contra a liberdade de imprensa, ora contra a liberdade de produção e divulgação cultural por meio de regulamentações inibidoras ou, ainda, se fazem "censuras" a discursos de ministros e até do presidente, para que, a critério do funcionário censor, possam posar melhor para a História. Quando não, são projetos de lei que inibem e querem um controle, para além do razoável, das ações da sociedade civil, de suas ONGs.

Também no plano econômico se propõem fórmulas para resolver uma questão importante - a do investimento em infra-estrutura - eivadas, na sua forma original, de suspeição quanto à isenção na escolha dos parceiros privados.

Como democrata convicto e, portanto, como alguém que acredita nas escolhas populares e as respeita, confio em que o eleitorado irá corrigir esse risco de hegemonia não anunciada. Ele distribuirá seus votos de modo a que se possa constituir um pólo oposto aos desmandos acima mencionados. Se assim for, haverá uma correção dos desvios que começam a ocorrer e da falta da compostura necessária para consolidar uma democracia saudável, dentro da boa tradição republicana.

Começa a ser reconhecida a probabilidade de um resultado mais equilibrado nas próximas eleições. As pesquisas de intenção de voto indicam que haverá uma razoável diversidade de vencedores. Isso é salutar. A propósito, não faz sentido contar como votos dados a "aliados do governo" os que são obtidos por legendas coligadas localmente às oposições, como, por exemplo, o PSB de São Bernardo do Campo, ou o PTB em Belém, ou ainda o PMDB em Campo Grande. A correção de rumo do processo político, entretanto, não dependerá exclusivamente dos eleitores, nem a eles se poderá lançar a culpa de eventuais descaminhos. Se os partidos que se opõem ao hegemonismo petista não forem capazes de mostrar a diferença, continuaremos submetidos à força avassaladora da propaganda e dos interesses privados e partidários que se estão organizando no âmago do Estado.

Por todas essas razões, se é certo que eu votaria em cada cidade nos candidatos do PSDB e de seus aliados, com muito mais convicção votarei em José Serra. Sua vitória, além de ser a vitória do melhor candidato, será um sinal de alerta a quem só vê pela frente o poder, mesmo que construído à custa da dissolução prática da maioria dos partidos numa "base governista" formada não se sabe se para votar algo bom para o País ou apenas para amortecer vozes que apontem divergências e caminhos eventualmente melhores.

A eleição de Serra ajudará a construção de um outro pólo, uma conjunção de forças sociais e de partidos, capaz de disputar as eleições de 2006. E fortalecerá uma liderança importante para São Paulo e para o Brasil. É cedo para cantar vitória, faltam algumas semanas para o segundo turno. Falta muito mais tempo para as eleições de 2006, sobre as quais qualquer palpite, a esta altura, é vão. Mas não é cedo, já estamos até atrasados, na crítica à "democracia" de um só partido dominante. Vença quem vencer nas eleições municipais e, mais tarde, nas estaduais e federais, o importante é que a vitória resulte verdadeiramente de opções, e não da força de rolos compressores.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi Presidente da República


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2004 - Página 31917