Discurso durante a 140ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

O perigo da tuberculose.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • O perigo da tuberculose.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2004 - Página 31317
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, AGRAVAÇÃO, INCIDENCIA, TUBERCULOSE, BRASIL, DECRETAÇÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), SITUAÇÃO, EMERGENCIA.
  • CRITICA, SITUAÇÃO, MANUTENÇÃO, POBREZA, PRECARIEDADE, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO, SUBDESENVOLVIMENTO, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, INCIDENCIA, DOENÇA.
  • IMPORTANCIA, ANUNCIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ADOÇÃO, PROVIDENCIA, REVERSÃO, SITUAÇÃO, EFICACIA, DIAGNOSTICO, MANUTENÇÃO, TRATAMENTO, TUBERCULOSE.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente Srªs e Srs Senadores, a tuberculose é uma das enfermidades mais antigas e conhecidas do mundo. Ela não é, contudo, uma doença do passado, como muitos pensam. Bem ao contrário, a tuberculose está em Estado de Emergência decretado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como enfermidade reemergente, desde 1993.

Nada menos que um terço da população mundial está infectada pelo M. tuberculosiss, enquanto cerca de 2,3% dela apresenta a doença. Por ano, ocorrem 8 milhões e meio de casos e 3 milhões de mortes, a maioria em países em desenvolvimento, sendo a tuberculose responsável por 25% das mortes evitáveis em jovens. Além disso, a tuberculose é a principal causa de morte entre os pacientes HIV positivos, sendo responsável por 1/3 das mortes por AIDS no mundo.

Anualmente, notificam-se, no Brasil, perto de 100 mil casos de tuberculose, sendo 85 mil desses, novos casos. Morrem, no País, cerca de 6 mil pacientes por ano. Calcula-se que, do total da população, 35 milhões a 45 milhões de pessoas estejam infectadas.

Os principais fatores que contribuem para a manutenção e agravamento do problema são a persistência da pobreza em nossa sociedade e a ocorrência da AIDS nos grandes centros urbanos. A maioria dos casos de tuberculose no Brasil ocorre em pacientes do sexo masculino e em idade reprodutiva, prejudicando ainda mais as condições de vida das famílias carentes, maiores vítimas da moléstia. A triste realidade é que a pobreza gera a tuberculose, que, por sua vez, gera mais pobreza, num perverso círculo vicioso.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a tuberculose é transmitida por bactérias que se propagam pelas vias respiratórias. A doença se manifesta com maior freqüência nas áreas subdesenvolvidas, pois está relacionada com as condições de vida da população. O crescimento populacional nas periferias das grandes cidades contribuiu para o aumento do número de casos no País. Observa-se uma grande concentração da ocorrência da tuberculose em todas as grandes metrópoles brasileiras. Outro fator agravante da situação, em todo o mundo, é a associação da tuberculose com a AIDS. No Brasil, 8% dos pacientes com tuberculose também têm AIDS.

Causada pelo bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis), a tuberculose é transmitida quando um doente espirra ou tosse perto de outra pessoa, em contato íntimo e prolongado. Qualquer pessoa pode ser contagiada pela tuberculose: basta estar com o sistema imunológico deficiente ao entrar em contato com o bacilo. A bactéria fica no ar, depois de expelida pela tosse ou espirro de um doente.

Os sintomas mais comuns são tosse com expectoração por mais de três semanas, febre vespertina, dor torácica, perda de peso e do apetite e falta de ar. Cerca de 90% dos casos de tuberculose são pulmonares, mas a doença pode atingir várias outras partes do corpo, como o sistema linfático, a pleura e as meninges, entre outras.

A tuberculose é mais comum em jovens e adultos, embora as crianças tenham mais facilidade de contrair a doença. A principal medida para controlar a tuberculose é o diagnóstico precoce, para o imediato tratamento adequado. Todas as pessoas que apresentam tosse com catarro há mais de três semanas, acompanhada ou não dos outros sintomas da doença, devem procurar uma unidade do Sistema Único de Saúde (SUS) para realizar o exame do escarro. Qualquer unidade do SUS é capaz de fazer o diagnóstico e oferecer o tratamento da doença.

A partir da década de 50, com a descoberta do tratamento eficaz contra a tuberculose, foi permitido aos pacientes retornar ao convívio social. O tratamento, que antes era de um ano ou mais, hoje dura apenas seis meses.

Os postos ligados à rede do SUS oferecem gratuitamente os remédios usados no combate à doença. O Brasil adota a estratégia de controle da tuberculose recomendada internacionalmente e denominada DOTS (Directly Observed Treatment Short Course - Tratamento de curta duração sob observação direta). Por meio do DOTS, os doentes recebem, além da medicação completa - composta pela combinação de três quimioterápicos -, acompanhamento pelos profissionais nos postos, centros de saúde ou hospitais, ou das equipes de saúde da família.

A medicação deve ser tomada durante seis meses, sem interrupção. Enquanto o paciente não inicia o tratamento, ele pode transmitir a doença, por meio da fala, espirro ou tosse. O Ministério da Saúde estima que um paciente pulmonar bacilífero, se não tratado, pode infectar, em um ano, de 10 a 15 pessoas. Uma vez iniciado o tratamento, o paciente normalmente pára de transmitir a doença em, no máximo, 15 dias. Como a via aérea é a principal via de transmissão da tuberculose, aumentar a ventilação do ambiente e cobrir a boca e o nariz quando ocorrer tosse ou espirro ajudam a reduzir a transmissão.

Nos dois primeiros dias de tratamento, o paciente já sente melhoras. Exatamente por isso, muitos acham que foram curados e abandonam o uso da medicação. O abandono do tratamento pode levar o paciente a adquirir a tuberculose multirresistente, que é a forma mais difícil de tratar. No Brasil, ainda são registrados poucos casos dessa forma mais grave da tuberculose. No total, são 1.300, sendo 90% deles decorrentes do abandono do tratamento.

Com efeito, no caso da tuberculose, seguir o tratamento à risca, sem interrupções, até o seu final, tem importância vital. Se o paciente deixa de tomar os remédios antes de estar completamente curado, o bacilo torna-se resistente a eles. Nesse caso, tornam-se necessárias drogas mais potentes e mais caras, mas, mesmo com seu uso, a chance de cura reduz-se drasticamente: em vez de 100%, a possibilidade de cura cai para 20%.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil foi um dos países participantes, no mês de março passado, do II Fórum Mundial do Programa Stop TB - movimento global para acelerar ações sociais e políticas para o controle da tuberculose no mundo. O encontro foi realizado em Nova Delhi, na Índia, país onde a tuberculose representa um flagelo de maior proporção do que em qualquer outro. O Exmº Sr. Ministro da Saúde, Dr. Humberto Costa, esteve presente no fórum, representando o Brasil.

Além do Brasil, outros 21 países participaram da reunião. Juntas, essas nações concentram 80% dos casos de tuberculose do planeta. As principais metas do Programa Stop TB são: até 2005, descobrir 70% dos casos estimados de tuberculose e curar 85% deles; até 2010, reduzir em 50% as mortes e a prevalência da doença; e, até 2050, reduzir a incidência da doença para menos de um caso por milhão de habitantes no mundo.

Para atingir as metas do Programa Stop TB, a principal aposta da Organização Mundial de Saúde é a generalização da estratégia DOTS, já mencionada, de tratamento sob observação direta. A estratégia DOTS, na verdade, consiste de cinco elementos: compromisso político; diagnóstico de pacientes da tuberculose por baciloscopia; observação direta dos pacientes tratados com drogas antituberculosas; acesso a quantidades adequadas de remédios de qualidade; e acompanhamento de cada paciente diagnosticado.

A idéia da observação direta do paciente implica que ele receba a medicação e tenha todo o seu tratamento observado pelos serviços de saúde, estratégia que tem apresentado excelentes resultados mundo afora: cura pacientes, salva vidas, reduz a transmissão e previne o aparecimento e a disseminação da tuberculose resistente a múltiplas drogas, conhecida como tuberculose multirresistente ou TB-MR. No Brasil, a estratégia DOTS é desenvolvida da seguinte forma: na primeira fase do tratamento, com duração de dois meses, fazem-se um mínimo de três observações semanais, e, na segunda fase, com quatro meses de duração, faz-se uma observação semanal.

Em âmbito mundial, o combate à tuberculose tem apresentado resultados positivos. Desde 1995, 10 milhões de pessoas que contraíram tuberculose foram diagnosticadas e tratadas de acordo com a estratégia internacionalmente recomendada de controle da doença. Nada menos que 90% desses pacientes moram em países em desenvolvimento.

Dos 192 países que fazem parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), 155 já adotam as normas de controle da doença. Ao todo, mais de 60% da população mundial têm acesso a serviços de saúde que seguem as estratégias internacionais para combater a tuberculose, segundo dados de um relatório da OMS.

O Brasil, apesar de adotar as normas internacionais de controle da tuberculose, permanece incluído naquele grupo de 22 países com maior número absoluto de casos da doença. Atualmente, está na vigésima-primeira posição.

Segundo o médico Christopher Dye, coordenador e um dos autores do relatório da OMS sobre a tuberculose no mundo, o desempenho do Brasil no combate à moléstia é fraco, em comparação com o de outros países. Na opinião do Dr. Dye, o Brasil, devido à falta de investimentos, tem resultados piores do que países mais pobres, como Índia, Indonésia, Paquistão e até Bangladesh. Em suas palavras,

“Esses países têm muito menos recursos para implementar programas de controle da tuberculose do que o Brasil, ou seja, o Brasil tem um desempenho relativamente fraco. O Brasil... tem os recursos para fazer um controle eficiente da tuberculose, e, mesmo assim, ainda não vimos, lá, o progresso que vimos em outros países, como os da Ásia.”

Confrontado com essa manifestação, o Ministro da Saúde, Dr. Humberto Costa, concordou com a avaliação da agência da ONU. “O Brasil, por sua estrutura de saúde pública, poderia ter indicadores bem melhores do que tem hoje”, disse o Ministro, que anunciou um pacote de mudanças para reverter esse quadro, acrescentando que as falhas do Brasil na área se concentram, principalmente, no diagnóstico da doença e no tratamento não-continuado.

Ambas as questões são destacadas pelo relatório da OMS, que salienta, ainda, que a abrangência da estratégia DOTS sobre a população vem caindo nos dois últimos anos examinados. Em 2001, a estratégia DOTS atingia 32% da população. Em 2002, o índice caiu para 25%, mais uma má notícia para o sistema de saúde brasileiro, segundo o Dr. Dye. Disse o técnico da OMS: “A porcentagem que recomendamos é 100%. É isso que o Brasil deveria estar tentando atingir. O fato da porcentagem estar em queda indica uma negligência no que diz respeito à introdução da estratégia DOTS.”

Para o Ministro Humberto Costa, essa suposta negligência deve ser atribuída à resistência do governo anterior em descentralizar os programas de combate. Na sua avaliação, o Brasil falhou nos governos anteriores por ter um programa de saúde da família que não fazia diagnóstico nem tratamento de tuberculose. Os pacientes tinham que se deslocar para centros especializados, muitas vezes longe de suas residências.

Para tentar reverter esse quadro negativo, o Ministro da Saúde anunciou, em março passado, um pacote de medidas, afirmando sua certeza de que, no próximo relatório da OMS sobre a tuberculose, o Brasil estará em situação bem mais confortável, e milhares de pessoas que hoje não têm tratamento o terão e obterão a cura.

Entre as medidas anunciadas pelo Governo Federal, está a injeção de 117 milhões de reais a mais, por ano, na área, além da criação de forças-tarefa para intervir nas coordenações estaduais dos programas de combate à doença.

É auspicioso registrar que, pela primeira vez, a luta contra a tuberculose está entre as 16 ações prioritárias do Ministério da Saúde. A meta do Governo é curar 50 mil e 500 tuberculosos até 2005. Para isso, o Ministério pretende reestruturar o seu Programa de Controle da Tuberculose (PCT). A qualificação das equipes que atendem os doentes é uma das ações previstas. Outra iniciativa será o reforço das atividades de diagnóstico, com repasse de equipamentos aos laboratórios das unidades de saúde pública do País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como reconhece o próprio Ministro da Saúde, o Brasil, com a estrutura de saúde pública que possui, poderia apresentar indicadores bem melhores do que aqueles exibidos hoje no combate à tuberculose.

Saudamos enfaticamente, portanto, a disposição de Sua Excelência de reforçar significativamente os recursos destinados ao controle dessa enfermidade tão grave. Esperamos que se fortaleça a disposição dos diversos níveis de governo e do conjunto da sociedade de erradicar, definitivamente, esse mal que ainda aflige tantos brasileiros.

            Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2004 - Página 31317