Discurso durante a 141ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem aos professores pelo transcurso de seu dia. Repúdio à autorização para plantio e comercialização de produtos transgênicos. Questões relacionadas à transposição das águas do rio São Francisco.

Autor
Heloísa Helena (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA AGRICOLA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Homenagem aos professores pelo transcurso de seu dia. Repúdio à autorização para plantio e comercialização de produtos transgênicos. Questões relacionadas à transposição das águas do rio São Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2004 - Página 31460
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA AGRICOLA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • HOMENAGEM, PROFESSOR, ESPECIFICAÇÃO, MULHER, ATUAÇÃO, EDUCAÇÃO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • REPUDIO, CONDUTA, GOVERNO FEDERAL, APROVAÇÃO, LAVOURA, PRODUTO TRANSGENICO, MANIPULAÇÃO, INFORMAÇÃO, RISCOS, MEIO AMBIENTE, SAUDE, POPULAÇÃO, CRITICA, SUJEIÇÃO, EMPRESA MULTINACIONAL.
  • DENUNCIA, IRREGULARIDADE, GOVERNO FEDERAL, PROCESSO, LICITAÇÃO, LICENÇA, IMPACTO AMBIENTAL, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ATENDIMENTO, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO.
  • APOIO, DEBATE, COMITE, BACIA HIDROGRAFICA, RIO SÃO FRANCISCO, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, TRANSPOSIÇÃO, RIO.

A SRª HELOÍSA HELENA (P-SOL - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Senador Valdir Raupp, Senador Efraim, funcionários da Casa, eu ia até fazer um aparte ao Senador Efraim, mas como vou tratar de outros temas também, preferi fazer uma saudação muito especial. Eu sempre brinco, Efraim, é meio como se estivéssemos legislando em causa própria, falando dos trabalhadores da Educação, porque somos também trabalhadores da Educação. Fico muito feliz em ser professora, em ser trabalhadora da Educação da Universidade Federal do meu Estado e tive muitas experiências, desde a minha infância, com educadoras, que foram experiências extremamente importantes para mim, menina pobre, filha de família pobre, e que sempre fui tratada com carinho, com abraços e afetos pela gigantesca maioria dos professores com os quais tive a vantagem de conviver.

E desde a Dona Rosinha, Efraim. Eu era muito doente, não pude ir para a escola muito cedo. Tinha tanta asma! Imaginem os meus adversários políticos hoje. Todo mundo dizia que eu não ia passar de nove anos, que ia morrer cedo, porque tinha tanto problema de asma - asma ainda tenho hoje -, muitos problemas renais, era bem magricelazinha, superdoente. E aí, como eu era muito magricela e muito doente, sofria de muita asma, tinha uma vantagem, porque eu não entrava na palmatória lá no casebre da nossa Rosinha, que me ensinou a ler e a escrever e tinha imensa palmatória na porta da entrada, para sinalizar aos alunos peraltas do que lhes podia acontecer. Como eu só vivia com crise de asma e, para completar, o lugar era muito pequenininho, muito úmido - a minha casa também era muito úmida -, aí que é que ficava mesmo com crise de asma direto.

            A dona Salete, que foi minha professora também no Primário - claro que eu deveria homenagear todas, porque todas foram importantes na minha vida - que ainda mora em Palmeira dos Índios, foi uma pessoa muito especial. Ela nem se recorda de que fui sua aluna, com certeza, mas ela foi muito especial porque conseguiu me incentivar e me fazer ver determinadas potencialidades para o estudo que eu não reconhecia em mim, e que eu poderia fazer determinadas coisas. Então, com carinho e com afeto, sempre me incentivou.

Dona Petrúcia, também no Primário, foi minha professora de Português. O meu primeiro discurso - eu nem imaginava e nem sonhava que faria um discurso, muito menos no Senado da República - foi dona Petrúcia que fez para mim, no Dia das Mães, para eu ler na catedral de Palmeira dos Índios. E começava com aquela frase histórica: “Ser mãe é padecer no paraíso”. Irmã Antonina, uma freira holandesa, maravilhosa, que junto com as outras freiras sempre me tratou com carinho, com afeto. Enfim, todas as pessoas com as quais eu tive oportunidade de conviver ao longo da minha vida; as minhas professoras da universidade, que depois passaram a ser minhas colegas de universidade, cada uma com sua característica especial, cada uma com o seu conhecimento técnico, com a sua solidariedade, com a sua coragem, com o seu afeto; professoras da universidade, que sei que dei muito trabalho a elas e que depois se tornaram minhas grandes colegas, companheiras de trabalho, companheiras de muitas e muitas lutas.

Por isso, Senador Efraim Morais, sei que V. Exª sentiu o mesmo quando aqui estávamos votando a farsa da PEC da Previdência. Nada mais doloroso para mim do que chegar a várias cidades ou ao interior do Estado e encontrar trabalhadoras da educação, professoras completamente desesperadas, ganhando um salário mínimo e com a perspectiva de se aposentarem. Assisti a isto: estávamos em novembro e elas pensavam em se aposentar em dezembro, depois de muitos anos de trabalho, o que não é uma coisa qualquer. Nós que somos professores de universidade sabemos o que significa o cotidiano numa sala de aula. Imaginem o que é ser professora de 50, 60 meninos, ganhando um salário mínimo e, muitas vezes, tendo que deixar seus filhos em casa. A maioria são mulheres. Muitas delas, quando chegam em casa após um exaustivo dia de trabalho, já nem têm paciência para fazer a lição de casa com os seus filhos. Refiro-me a todas as trabalhadoras da educação. Por essa razão, eu ficava muito danada contra essa farsa do Governo em fazer a reforma da Previdência. Quando eu chegava ao meu Estado, as professoras diziam: Heloísa, eu não vou agüentar mais; estou para me aposentar daqui a 15 dias e agora mudam-se as regras? Terei que trabalhar mais sete ou oito anos, para não perder até 35% da aposentadoria.

Então, presto a minha homenagem a todos os professores, especialmente às mulheres trabalhadoras da educação, que se dedicam aos filhos da pobreza, nas escolas públicas. Então, a todas essas mulheres que também foram presença fundamental na minha vida, a minha homenagem e a minha solidariedade.

Quero, também, Sr. Presidente, repudiar a ação do Governo em relação à Medida Provisória que legitima o plantio e a comercialização dos transgênicos. Infelizmente, Sr. Presidente, com essa MP, de fato, estamos soterrando pesquisas, dados, relatórios e depoimentos de cientistas consagrados pelo mundo, que sempre alertaram sobre os graves riscos da utilização dos transgênicos, os seus agravos ao meio ambiente e à saúde humana. E o Governo, com a velha cantilena de que os produtores já plantaram, não cumpre a sua obrigação: disponibilizar sementes não-transgênicas para o pequeno e o médio produtor plantar e, depois, comercializar as suas safras sem essa maldita dependência da Monsanto ou das grandes multinacionais americanas. Então, o Brasil, ao mesmo tempo em que sepulta todos os dados técnicos apresentados por cientistas de todo o mundo, mostrando os agravos ao meio ambiente e à saúde humana, ainda mostra a sua covardia em relação à impossibilidade de escolher parceiros comerciais internacionais. O País perde economicamente, porque, em vez de escolher nichos comerciais importantes, como a China e a Europa, que não aceitam a importação de soja transgênica, acaba viabilizando uma medida como essa.

Sr. Presidente, quero também compartilhar com a Casa a minha alegria. Ontem tive a oportunidade de participar de uma das audiências públicas do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, que trata da transposição desse rio.

Infelizmente, o Governo, mais uma vez, rasgou a legislação em vigor no País, porque desencadeou dois processos, o de licitação de maquinário e o de licenciamento ambiental, sem a devida autorização do Comitê da Bacia Hidrográfica.

A lei manda que o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco defina as prioridades. Isso foi feito, mas o Governo rasgou-as. A Ana sequer teve a oportunidade - não poderia fazê-lo antes das resoluções do Comitê - de definir sobre a outorga na captação de águas.

O Governo foi à última reunião do Comitê da Bacia Hidrográfica e pediu vista do processo, em vez de apresentar um relatório contestando as decisões. Rasgou a lei, desencadeou os processos de licitação e de licenciamento ambiental, passando por cima da legislação em vigor.

O mais grave, Senador Efraim Morais - V. Exª que é de um Estado onde as pessoas sonham com a transposição -, é que a cantilena enfadonha e mentirosa do Governo, além do crime da demagogia de dizer que o projeto de transposição é para matar a sede dos nossos irmãos nordestinos, está conseguindo promover a divisão do Nordeste. Não podemos deixar que o Governo, com isso, consiga dividir o Nordeste entre os Estados que têm o rio e os que supostamente seriam beneficiados com ele.

É importante deixar absolutamente claro, Senador Marcelo Crivella, que menos de 5% da obra estará perto do semi-árido. Oitenta por cento das regiões a serem beneficiadas com a transposição são dos grandes latifundiários e dos seus mecanismos de agroshow. Efetivamente, não é para matar a sede da população nordestina. Até porque o rio sequer conseguiu cumprir o seu destino, que é o abastecimento humano e animal, o projeto de irrigação da Bacia Hidrográfica. Nem o Governo Fernando Henrique e nem o atual investiu em outros componentes de matriz energética, para que o rio não seja utilizado apenas para a produção de energia.

Foi muito importante o debate de ontem. Infelizmente, só houve representação do Ministério do Meio Ambiente. O Ministério da Integração não estava presente, e espero que participe de toda a agenda do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco.

Senador Efraim Morais, estou predispondo-me a visitar os outros Estados que supostamente seriam beneficiados com a transposição do rio para mostrar a farsa técnica e a fraude política do atual Governo, que vende à opinião pública um projeto como se fosse a panacéia para resolver os males do Nordeste, e não é.

Saúdo todos os participantes daquele evento. Havia muita gente em Propriá, de Alagoas, de Sergipe, muitos técnicos extremamente qualificados, pescadores, agricultores, membros da Igreja Católica, evangélicos, participando da reunião do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco.

Tudo ficou muito claro. E fica muito difícil que membros do Governo façam a contestação técnica; não conseguem fazê-la e preferem ludibriar a opinião pública. Dados para a revitalização do rio São Francisco não têm. Todos os anos, colocamos recursos para a revitalização do rio São Francisco e, como o Governo faz balcão de negócios sujos, liberando emenda para a sua base de bajulação, esses recursos não são liberados.

Trata-se de debate de alta complexidade. Revitalizar um rio não é coisa simples, é de alta complexidade técnica: recomposição das matas ciliares; combate ao desbarrancamento, ao assoreamento, à agricultura itinerante, à destruição das matas para a produção de carvão vegetal; o saneamento básico para 513 Municípios que jogam seus esgotos in natura ou diretamente no rio São Francisco - 97 deles - e o restante nos afluentes, na Bacia Hidrográfica do São Francisco.

Se o Governo quer viabilizar dinheiro para empreiteiras, construtoras e seus serviçais da política, que faça o saneamento básico de 513 Municípios que estão na Bacia Hidrográfica do rio São Francisco. Agora, por favor, esse discurso demagógico de que a transposição é para matar a sede do povo nordestino, não! Essa medida absolutamente deplorável de dividir o povo nordestino é um crime e nos traz uma tristeza profunda.

Por isso, o Comitê da Bacia Hidrográfica iniciou o debate, fez e fará várias plenárias no sentido de esclarecer a população nordestina e a população brasileira. O povo brasileiro sabe o que significam obras faraônicas: alguns poucos ganham muito dinheiro e depois essas obras vão para o rol das obras inacabadas.

Espero que o Senado faça debate, com audiências públicas, à luz de todos os argumentos técnicos que serão apresentados. Nem vou mencionar o que dizem uns irresponsáveis. Ah!... Romero, não é você quem diz isso, porque, se fosse, eu ia dizer aqui que era você. Não é, não. Com Romero eu brigo por outras razões. O povo do Norte não sabe - o Senador Romero Jucá sabe, pois é nordestino - o que é rio seco. Quando eu conversava com a minha querida companheira Marina, com o Tião, com o Geraldo Mesquita, eu percebia como é difícil para quem é do Norte entender, Senador Paulo Octávio, o que é o Nordeste. As pessoas não conseguem entender quando se diz que o rio está seco; muitos rios do Nordeste, afluentes importantes do rio São Francisco, secaram; e isso não foi há cem anos. Eu tenho 42 anos e vi muitos rios, meus filhos brincaram em rios.

Eu disse minha idade, não foi, Romero? Sabe o que se diz quando uma mulher diz a idade? Crivella, há um ditado que diz assim: nunca confie em uma mulher que diz a idade, porque ela é capaz de dizer qualquer coisa.

Assim, em razão de tudo o que eu disse anteriormente, do desmatamento das matas ciliares, dos problemas gravíssimos que foram acontecendo, muitos rios que viabilizavam a sobrevivência de famílias nordestinas hoje servem apenas para pequenos campinhos de futebol para a meninada do Nordeste. Portanto, é um problema gravíssimo.

Existem uns ridículos que dizem assim: oh, mas são as gotinhas que iriam cair no mar! Imaginem isso! Combinaram com o mar isso? Precisam combinar com o mar, senão ele começa a fazer o que está fazendo na foz, justamente na divisa de Alagoas e Sergipe, comendo povoados inteiros. Claro, porque o rio não tem força. A dádiva de Deus foi muito bem equilibrada, para que a força do mar - na sua humildade, por isso é muito forte - ficasse uns centímetros abaixo dos rios, para que pudesse de todos os rios receber água.

No entanto, a partir do momento em que o rio perde a sua força, porque a música de Luiz Gonzaga já não serve - o rio São Francisco vai bater no meio do mar -, o mar vai consumindo os povoados na beira, justamente na foz de Alagoas e Sergipe, povoados que já foram destruídos inteiramente pela força do mar; e o mar faz a chamada cunha de salinidade dentro do rio.

Não é à toa que hoje menos de 1% das espécies de peixe que há dez anos se pescava no rio São Francisco sobreviveu. Não é à toa que hoje se pesca, em tonelada de peixe, menos de 10% do que se pescava há oito anos. Só isso demonstra claramente o gigantesco impacto ambiental por que passa o rio São Francisco.

Se o Governo quer fazer grandes obras, por que não assume o compromisso de revitalizar por cinco anos o rio São Francisco, com investimentos em outros componentes de matriz energética - para que o rio possa cumprir seu destino - e no saneamento básico de 503 Municípios, que impedirá a poluição do rio e estabelecerá melhores dias para as famílias pobres que vêem seus filhos na rua, brincando no meio do esgoto, além de gerar empregos, dinamizar a economia e gerar renda? Por que não fazer isso?

Infelizmente, o projeto de transposição do rio São Francisco caracteriza uma farsa técnica, uma fraude política que tenta dividir o povo nordestino entre Estados onde passa o rio e Estados que supostamente seriam beneficiados com ele. Isso nada mais é do que o velho artifício de colocar dinheiro no bolso de empreiteiras, de construtores, de grandes latifundiários e certamente nas mãos de seus serviçais da política.

Portanto, Senador Efraim Morais, coloco-me à disposição para ir à nossa querida Paraíba debater sobre a transposição do rio São Francisco.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2004 - Página 31460