Discurso durante a 141ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Passagem, hoje, do Dia do Professor. A crise social brasileira, com destaque para a falta de empregos, insegurança e criminalidade. Críticas à política de elevação do superávit primário.

Autor
Marcelo Crivella (PL - Partido Liberal/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Passagem, hoje, do Dia do Professor. A crise social brasileira, com destaque para a falta de empregos, insegurança e criminalidade. Críticas à política de elevação do superávit primário.
Aparteantes
Heráclito Fortes, Paulo Octávio.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2004 - Página 31466
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, DIA, PROFESSOR, COMENTARIO, CRISE, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, CRISE, NATUREZA SOCIAL, BRASIL, RESULTADO, INEFICACIA, INJUSTIÇA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA MONETARIA, GOVERNO FEDERAL.
  • NECESSIDADE, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, IMPORTANCIA, UTILIZAÇÃO, SUPERAVIT, SETOR PRIMARIO, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, CRIAÇÃO, EMPREGO, BRASIL.

O SR. MARCELO CRIVELLA (PL - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, não posso começar meu pronunciamento sem lembrar dos professores, categoria que é inspiração para todo nós.

A educação no Brasil passa por um momento, eu diria, aflitivo. Há uma demanda muito grande na pré-escola, principalmente nas áreas mais pobres do Brasil. Não existe pré-escola no semi-árido, não existem creches suficientes. Nas próprias capitais do Brasil, no Rio de Janeiro, por exemplo, ainda há 40 mil crianças de zero a dois anos que se encontram na fila aguardando uma vaga para creche e 70 mil na pré-escola.

No momento em que parabenizo os professores, sei que lutam contra dificuldades enormes. Falta, às vezes, a boa merenda, faltam instalações, falta treinamento, mas os professores e professoras do Brasil são de um denodo, de uma galhardia, de um heroísmo extraordinário e graças a eles o Brasil, se não tem uma economia pujante por falta de uma política econômica mais lúcida, é, sem sombra de dúvida, o país que mais cresceu nos últimos cem anos e que se desenvolve formando grandes cidades e grandes centros.

Parabéns a todos os professores e professoras deste nosso Brasil!

Sr. Presidente, o motivo de eu estar aqui hoje é porque quero fazer o lançamento, no Senado Federal, de uma frente parlamentar por uma política de pleno emprego.

Acabo de participar de uma eleição à Prefeitura do Rio de Janeiro, durante a qual visitei muitas comunidades carentes. A cidade do Rio de Janeiro tem mais de 700 e devo ter ido a cerca de 200. Fiquei assustado com a crise social.

Sr. Presidente, morei na África por quase dez anos e nunca vi as cenas dramáticas de miséria, de desemprego, de falta de assistência, de saneamento, de habitação que vi na cidade do Rio de Janeiro e nas comunidades do Rio de Janeiro.

Quero saudar também aqueles que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado.

Essa crise social esmagadora tem trazido um preço muito alto, socialmente falando, à população do Brasil, e o pano de fundo disso tudo é o desemprego. Todos os indicadores sociais perversos, no mundo todo, em todas as sociedades, em todos os tempos, têm relação direta com o desemprego: seqüestro, estupro, narcotráfico, homicídio, latrocínio, roubo. Os índices aumentam na medida em que aumenta também o índice do desemprego, que já vitima 22 milhões de brasileiros, que se encontram desempregados ou subempregados em estratégias de sobrevivência à margem, muitos deles, da criminalidade. São 22 milhões de brasileiros, segundo números do IBGE.

Na Grande Rio, a população da área metropolitana do Rio de Janeiro já conta com mais de 1,2 milhão de desempregados. E quando falamos em desempregados e subempregados nessas estatísticas do IBGE, não deixamos de contar aqueles que trabalham recebendo um salário mínimo, muitas vezes sem assistência trabalhista, e que mal conseguem ganhar para sobreviver. E cada vez mais se paga um salário mínimo no Brasil porque há uma oferta extraordinária de mão-de-obra. Nestes tempos de economia neoliberal, o mercado regula tudo: havendo muita oferta, cai o preço, diminui a demanda. E hoje a mão-de-obra do brasileiro encontra-se neste estágio: existe muita oferta de médico, de engenheiro, de pedreiro, de carpinteiro, de auxiliar disso e daquilo e, portanto, os salários estão cada vez mais baixos.

O Brasil atravessa, então, como disse, a pior crise social da sua história, determinada por níveis recordes de desemprego, de subemprego e de marginalização social. São visíveis os reflexos dessa crise, em termos de queda da renda do trabalho dos ocupados, de insegurança da sociedade em geral e de criminalidade. Há uma degenerescência do tecido social, com a desagregação de milhões de famílias e de indivíduos submetidos a condições materiais precárias. Acima de tudo, estamos liquidando literalmente com as perspectivas de vida dos jovens de todos os segmentos sociais, que não encontram chances de ascensão social, sendo que muitos estão efetivamente em descenso social.

Quero lembrar que desses números citados da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, de 1,241 milhão de desempregados, 45% estão abaixo dos 26 anos de idade. A matriz da crise social é o alto desemprego e o subemprego e o alto desemprego é uma determinação da política econômica neoliberal.

Elegemos o Presidente Lula na expectativa de que a política econômica recessiva e desempregadora do governo anterior fosse revertida. Não foi. Em lugar disso, foi aprofundada. O superávit primário, que são recursos retirados da sociedade pelo Estado acima do que o Estado lhe devolve, como compra de bens e serviços, foi aumentado, em lugar de diminuído ou eliminado. As taxas de juros foram agressivamente elevadas de um golpe e depois reduzidas a conta-gotas; mas recentemente aumentadas de novo e mantidas atualmente em patamares intoleráveis. O resultado tem sido um agravamento do desemprego e do subemprego já em níveis de depressão econômica em algumas metrópoles. A sociedade brasileira já identificou, pelo que se vê em todas as pesquisas de opinião, que o alto desemprego e a queda de renda do trabalho que lhe está associada são decorrentes, fundamentalmente, do tipo de política econômica que adotamos dos anos 90 para cá. Isso tem que ser revertido.

Temos a esperança de que o Presidente Lula compreenda o clamor social por uma política de pleno emprego e redirecione nesse objetivo as políticas públicas. Esse é um imperativo de nossa estabilidade social e, em última instância, de nossa estabilidade política.

A reversão da política em curso passa por uma retomada vigorosa do dispêndio público. Os ideólogos neoliberais espalharam a noção de que o Estado brasileiro está quebrado e, portanto, não pode investir. É uma falácia, o Estado brasileiro arrecada por ano acima do que gasta quase 70 bilhões de reais. Esse foi o superávit do ano passado. Aliás, os 4,25% de superávit são intoleráveis a uma economia como a nossa. Nesse primeiro quadrimestre de 2004 chegaram a 6,75%. As verbas contingenciadas pelo Governo alcançaram, nos quatro primeiros meses do ano, o valor de R$30 bilhões - impostos recolhidos de brasileiros e empresas que não foram devolvidos à sociedade em forma de investimentos, de compra de bens e serviços. O resultado disso tudo é que o Brasil vive hoje essa falácia. Como pode um Estado estar quebrado se faz um superávit tão alto?

Ainda me lembro que, no princípio deste ano, em uma visita à Argentina, conversando com a Senadora Kirchner, esposa do Presidente e Presidente do Senado argentino, S. Exª me dizia que a Argentina pratica um superávit de 3% e já acha alto, tem a intenção de negociar em níveis mais baixos com o FMI. Posição completamente diferente do nosso Secretário de Tesouro, Dr. Levy, que em reunião recente em Nova Iorque, no FMI, foi quem propôs aumentar o superávit, já em níveis intoleráveis de 4,25% para 4,5%. Imagine, Senador Paulo Octávio, que os técnicos do Fundo Monetário Internacional, representantes diretos de banqueiros - e V. Exª sabe que os banqueiros sempre querem ganhar mais -, recomendaram ao Brasil que baixasse os níveis do seu superávit econômico, o superávit primário. E o nosso Secretário do Tesouro se voluntariando a aumentar...

É claro que o Secretário não vive as dificuldades de um pai desempregado, não passa pelo drama de uma mulher com um filho ou uma filha no colo na fila de um hospital com o sistema de saúde caótico que vivemos. Talvez nunca tenha visitado uma comunidade carente, como visitei na época da eleição e encontrei uma senhora chorando, porque seu marido, um senhor de menos de 60 anos, como não conseguia atendimento médico para tratar de hemorróidas, tomou um litro de querosene e morreu.

Essa é a situação do Brasil, das comunidades, o Brasil das grandes cidades, o Brasil que é vítima do crime organizado, da captura de tantas crianças pelo narcotráfico, deste Brasil que, parece, não passa pelos gabinetes dos nossos técnicos do Ministério da Fazenda!

O Estado brasileiro arrecada por ano acima do que gasta: quase 70 bilhões de reais - é o chamado superávit primário. Esse dinheiro é esterilizado na política monetária sem qualquer função na atividade econômica e nas políticas públicas, seja de serviços seja de infra-estrutura. É dinheiro retirado da produção privada de bens e serviços e que não volta ao circuito da produção de bens e serviços. No entanto, pode tornar-se a base de um programa de retomada econômica no Brasil.

Os ideólogos neoliberais sustentam que o superávit primário é necessário para pagar os juros da dívida pública ou para conter a inflação. Entretanto, os juros da dívida pública têm sido recorrentemente pagos com o aumento da própria dívida, pois seus titulares não têm como investir no setor produtivo numa situação de demanda persistentemente em queda, por causa do desemprego e da redução da renda do trabalho. Assim, são os próprios receptores do serviço da dívida pública que impõem o aumento desta. O dinheiro do superávit não faz falta para pagá-la. E se o Governo não o usa para aumentar o dispêndio, é recessivo e desempregador. Tecnicamente, é ridículo dizer que reduzir o superávit equivale a dar calote na dívida.

A outra vertente recessiva e desempregadora da política econômica são as taxas básicas de juros escorchantes que se têm praticado no Brasil. Fala-se na necessidade de aumentar o superávit primário para pagar os juros da dívida pública, mas não se fala em reduzir a taxa de juros básica para diminuir a necessidade desse superávit. Os governos, o anterior e o atual, jamais se explicaram ou se explicam em relação a essa contradição. Dizem que a taxa de juros é uma imposição do mercado. Entretanto, qual é a função do Banco Central senão arbitrar soberanamente a taxa básica de juros? Na realidade, a taxa é alta não porque o “mercado” quer, mas porque o Banco Central atende ao que o “mercado” quer.

Uma política de promoção do pleno emprego, tal como preconizamos, passa por uma redução drástica, pelo menos enquanto durar o alto desemprego, do superávit primário no Orçamento público. Passa também por uma redução drástica, para patamares internacionais, da taxa básica de juros. E, para que isso possa ser feito sem fuga de capitais especulativos para o exterior, exige também o controle de capitais a curto prazo. Implica, além disso, a administração do câmbio num nível favorável às exportações, para que não haja dúvida sobre o nosso comprometimento de pagar a dívida externa com superávit comercial.

Entretanto, a chave do sucesso de uma política de promoção do pleno emprego no Brasil contemporâneo é o aumento do dispêndio público a partir da redução do superávit primário. Essa expansão do gasto público jamais geraria inflação. Primeiro, porque é financiada diretamente por impostos recolhidos da sociedade. E, segundo, porque, com o alto desemprego e a renda do trabalho em queda, partimos de uma situação de demanda extremamente reduzida - o que impede uma inflação de demanda. No que o crescimento retomasse e a demanda aumentasse, enfrentaríamos a inflação com uma política de rendas como nos países industrializados da Europa Ocidental no pós-guerra.

A mobilização de quase R$70 bilhões anuais para o dispêndio não inflacionário em serviços públicos básicos e em infra-estrutura reduziria drasticamente o desemprego e o subemprego, e mudaria para melhor as condições sociais brasileiras em poucos anos. Precisamos construir as bases do Estado do bem-social no Brasil. Revolucionar a saúde, a educação, a habitação, o saneamento básico, acelerar a reforma agrária, reestruturar o setor de defesa; e reconstruir e ampliar a infra-estrutura logística, sobretudo o setor rodoviário, que está em frangalhos. A Frente Parlamentar por uma Política de Pleno Emprego não se coloca contra o Presidente Lula ou contra o PT. É um movimento suprapartidário, do qual esperamos que participem, também, Parlamentares do PT. Coloca-se de forma propositiva pelo Brasil e pelo povo brasileiro, a fim de reverter a crise social histórica que atravessamos e para a qual não há saída nos termos da atual política econômica.

A nossa intenção é levar o Presidente Lula a mudar o curso da política que herdou e, de acordo com as aspirações dos milhões que o elegeu -- e nos elegeram também - colocar o Brasil no rumo da prosperidade e do pleno emprego.

O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. MARCELO CRIVELLA (PL - RJ) - Nobre Senador Paulo Octavio, antes de V. Exª pedir o aparte, eu já o havia concedido.

            O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Muito obrigado. É muita gentileza de V. Exª. É com muita alegria que ouço o pronunciamento de V. Exª, que, com muita profundidade, analisa a questão econômica do nosso Pais, que realmente atravessa por dificuldades. Entre os países em desenvolvimento, a posição do Brasil decresce, passando da oitava para a décima sexta. Nosso País realmente tem tudo para crescer, mas infelizmente não chegou ao que desejamos. Acompanhei também a campanha de V. Exª como candidato a prefeito do Rio de Janeiro, uma campanha valorosa, de embate político de alto nível. Entendo que V. Exª mostrou à cidade do Rio de Janeiro seu comportamento como político. Não obteve a vitória, mas se mostrou um candidato à altura, um candidato com a sabedoria de que devem ser dotados os políticos brasileiros. Entendo que o comportamento de V. Exª na campanha no Rio de Janeiro foi um exemplo para todos os demais políticos brasileiros, mostrando que devemos saber ganhar e perder, sempre com dignidade, como V. Exª vem fazendo em sua vida pública. Por isso, quero deixar aqui meu testemunho da importância do pronunciamento de V. Exª. Hipoteco total solidariedade às palavras de V. Exª.

O SR. MARCELO CRIVELLA (PL - RJ) - Muito obrigado.

Concedo o aparte ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Marcelo Crivella, não poderia deixar de participar, com esse modesto aparte, do pronunciamento de V. Exª. Primeiro para parabenizá-lo pela postura apresentada na eleição do Rio de Janeiro. Embora eu seja de um pequeno Estado, Piauí, o Rio de Janeiro é para nós o mais charmoso endereço do Brasil. Por isso o Brasil inteiro acompanha a eleição no Rio de Janeiro. Daí por que, às vezes, acompanhamos a eleição de lá com mais interesse do que aquela realizada em nossos Estados.Tive oportunidade de observar a postura elegante que V. Exª apresentou durante todo o pleito, enfrentando inclusive o candidato do meu Partido, o Prefeito César Maia, que logrou êxito no primeiro turno. A modéstia e a humildade com que V. Exª encarou o resultado servirá de lição para todos. Acho, Senador, que, depois do veredicto das urnas, o Senado da República ganhou. Eu já havia dito isso a V. Exª num encontro que tivemos no corredor. Precisamos e temos que aprender com V. Exª, que chegou a esta Casa e está crescendo.Tenho certeza de que o Rio de Janeiro terá outras oportunidades de tê-lo como governante, mas o Senado precisa de V. Exª neste momento. Portanto, não lastimo sua derrota nem o parabenizo. Deus sabe o que faz. Muito obrigado.

O SR. MARCELO CRIVELLA (PL - RJ) - Muito obrigado, Senador, pelas lindas e generosas palavras.

Vou encerrar meu pronunciamento, Sr. Presidente, dizendo que nós precisamos lutar para que o Governo retome o crescimento do País.

Estamos fazendo agora uma campanha e gastando muito dinheiro com ela tentando retomar a auto-estima do brasileiro. Artistas que sofreram acidentes e que servem como modelo de lutadores, mas como podemos ter auto-estima, se estamos sendo massacrados por uma crise social sem precedente em nossa História?

Andando pelas favelas do Rio, para pedir votos, presenciei fatos que nunca vi nos dez anos em que vivi na África. Não vi em Angola, na Zâmbia, no Malau e no Quênia: crianças vendendo cocaína, senhoras comprando cocaína Isso é um coisa absurda.

Quero fazer um apelo aos meus companheiros e ao Brasil. Como vamos guardar 70 bilhões de superávit quando há uma necessidade tão grande em nossos hospitais, em nossas estradas, para geração de empregos, na infra-estrutura, no saneamento das mais de quinhentas cidades que a que V. Exª se referiu, ribeirinhas do São Francisco, nos projetos do semi-árido, que poderiam ser feitos como o projeto da Fazenda Nova Canaã, abrindo quatro, quatro, cinco, seis postos e criando dez, vinte, trinta, quarenta hectares para irrigar e dar comida ao pobre.

Precisamos gerar empregos nesse país. A crise social tem como pano de fundo essa política econômica desastrada de nosso Governo, que precisamos mudar.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2004 - Página 31466