Discurso durante a 141ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcurso, no último dia 30 de setembro, do Dia do Tradutor.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso, no último dia 30 de setembro, do Dia do Tradutor.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2004 - Página 31487
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, TRADUTOR.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorreu, em 30 de setembro passado, o Dia do Tradutor. A data faz referência ao dia da morte de São Jerônimo, o santo padroeiro dos tradutores, morto no ano de 420.

São Jerônimo foi encarregado pelo Papa São Dâmaso, de quem era amigo e secretário, de revisar e corrigir a tradução dos Salmos contida na Vulgata, a Bíblia em latim. A Vulgata, então, era um texto incompleto e crivado de erros, o que prejudicava os trabalhos de interpretação das Escrituras Sagradas.

Jerônimo não desanimou diante da hercúlea tarefa. Não só corrigiu os Salmos, como também completou a tradução de toda a Bíblia. A versão de São Jerônimo da Vulgata viria a ser considerada a versão oficial da Bíblia pelo Concílio de Trento e passou a ser utilizada por toda a Igreja Católica.

A Bíblia, dada sua posição como o livro mais lido da história, talvez seja o símbolo maior do poder da tradução. Pois a difusão universal das Sagradas Escrituras não se deve a outra atividade, a outro artesão, que não seja a tradução e que não sejam os tradutores.

As diversas traduções da Bíblia Sagrada, aliás, são a fonte de inúmeras histórias e anedotas que, ainda hoje, entretêm os profissionais da tradução. Reza a lenda, por exemplo, que William Shakespeare teria sido o tradutor do Salmo 46 na notável versão do Rei James, a principal da Bíblia em língua inglesa. Para começar, 46 era exatamente a idade do bardo inglês em 1610, ano em que a tradução foi realizada. A quadragésima sexta palavra a partir do início do salmo é shake; a quadragésima sexta palavra a partir do fim do salmo é spear. Jamais teremos certeza se estamos diante de uma brutal coincidência ou de mais uma prova da genialidade do autor de Hamlet e de Romeu e Julieta.

A importância dos tradutores e de seu ofício é inversamente proporcional ao valor que, vulgarmente, se dá a seu trabalho. A menos que o leitor seja também um tradutor, a leitura de uma obra traduzida raramente é permeada por sentimentos de admiração ao trabalho do tradutor. Aliás, ocorre, aí, um fenômeno interessante: quanto melhor a tradução, tanto mais escorreita e fluida é a leitura, e menor, portanto, a probabilidade de nos lembrarmos de que estamos diante de uma tradução, tal o nosso envolvimento com o texto. Eis a meta e o desejo do grande tradutor: o de passar despercebido, o de fazer o leitor se esquecer de que está lendo um texto escrito, originalmente, em outra língua.

Esse sentimento é magistralmente exposto por Martinho Lutero, que, ao traduzir a Bíblia do latim para o alemão - uma heresia na época -, foi um dos responsáveis diretos pela eclosão da Reforma Protestante. Da experiência com a tradução da Bíblia, Lutero extraiu a seguinte reflexão:

Ao traduzir, sempre procurei produzir um alemão puro e claro, e com freqüência aconteceu de procurarmos uma única palavra durante duas, três ou quatro semanas, e às vezes não a encontrarmos. Ao trabalhar no Livro de Jó, mestre Felipe e eu às vezes mal conseguíamos terminar três versículos em quatro dias. Agora que a tradução está completa, qualquer um pode lê-la e criticá-la, e a pessoa corre os olhos por três ou quatro páginas e não tropeça uma única vez. Porém não está a par das dificuldades e excrescências retiradas do caminho para que ela pudesse deslizar com tanta facilidade. Arar é bom quando o campo está limpo, mas eliminar as dificuldades e os tocos para preparar o campo - essa é a tarefa que ninguém quer...

A tradução, ao mesmo tempo arte e ofício, é uma das atividades definidoras da civilização e, conseqüentemente, do mundo moderno. É a ponte que liga as culturas umas às outras e difunde o conhecimento, democraticamente, a todos os povos. No dizer de Ernest Renan, filósofo e historiador francês: “Uma obra não traduzida só é publicada pela metade”.

Sinceras congratulações, portanto, aos tradutores do Brasil e do mundo pela passagem de sua data comemorativa!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2004 - Página 31487