Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à publicação de fotos sobre o jornalista Vladmir Herzog. (como Líder)

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FORÇAS ARMADAS.:
  • Comentários à publicação de fotos sobre o jornalista Vladmir Herzog. (como Líder)
Aparteantes
Cristovam Buarque, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2004 - Página 32471
Assunto
Outros > FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • LEITURA, NOTA OFICIAL, COMANDANTE, EXERCITO, ESCLARECIMENTOS, REVISÃO, DECLARAÇÃO, CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, MOTIVO, NECESSIDADE, REITERAÇÃO, COMPROMISSO, FORÇAS ARMADAS, DEMOCRACIA.
  • COMENTARIO, HISTORIA, DITADURA, REGIME MILITAR, HOMICIDIO, VLADIMIR HERZOG, JORNALISTA, LUTA, DEFESA, DEMOCRACIA.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que inúmeros Parlamentares já vieram à tribuna, no dia de hoje, para comentar a questão do constrangimento das fotografias de Wladimir Herzog, publicadas na imprensa, e também para comentar a nota que saiu em seguida à publicação das fotografias, em nome do Centro de Comunicação Social do Exército, nota esta que foi lamentada já no dia de ontem. Várias personalidades se posicionaram e se pronunciaram sobre os termos absurdos que estavam contidos naquela nota, pois não representavam efetivamente nem a posição do Governo e nem a posição do próprio Exército Nacional a respeito daquele episódio. E o Comandante do Exército, General-de-Exército Francisco Roberto de Albuquerque, encaminhou e está publicado em todos os meios de comunicação do nosso País, uma nota que, esta sim, indiscutivelmente, representa não só a posição do Exército, mas a posição do Governo Lula. E nessa nota, de forma muito clara, está explicitado que:

(...) para o bem da democracia e comprometido com as leis do nosso país, o Exército não quer ficar reavivando fatos de um passado trágico que ocorreram no Brasil...”

E é importante deixar registrado que, na época, houve afastamento de autoridades do Exército quando ocorreu a morte de Wladimir Herzog. Como a primeira nota do Centro de Comunicação Social do Exército não condiz, obviamente, com o momento histórico atual, a íntegra da nota do General Francisco Roberto de Albuquerque merece e deve ser lida na íntegra aqui, nesta tribuna, e gostaria de fazê-lo:

O Exército brasileiro é uma instituição que prima pela consolidação do poder da democracia brasileira.

O Exército lamenta a morte do jornalista Wladimir Herzog. Cumpre relembrar que, à época, este fato foi um dos motivadores do afastamento do comandante militar da área, por determinação do Presidente Geisel. Portanto, para o bem da democracia e comprometido com as leis do nosso País, o Exército não quer ficar reavivando fatos de um passado trágico que ocorreram no Brasil.

Entendo que a forma pela qual esse assunto foi abordado não foi apropriada, e que somente a ausência de uma discussão interna mais profunda sobre o tema pôde fazer com que uma nota do Centro de Comunicação Social do Exército não condizente com o momento atual fosse publicada.

Reitero ao Senhor Presidente da República e ao Senhor Ministro da Defesa a convicção de que o Exército não foge aos seus compromissos de fortalecimento da democracia brasileira.

E, em entrevistas, o Ministro da Defesa coloca de forma muito clara que com essa nota o assunto está encerrado, desautorizando, de forma pública e efetiva, a nota anteriormente publicada e divulgada pelo Centro de Comunicação Social do Exército.

Eu também gostaria de deixar registrado desta tribuna, além da explicitação da nota, que a morte de Wladimir Herzog foi talvez um dos fatos mais marcantes da minha adolescência. Na época, eu morava em Santo André, participava do movimento estudantil e acompanhava, de forma muito atenta, toda a luta contra a ditadura, a luta em defesa dos direitos individuais, a luta a favor da democracia. Quando ocorreu a morte de Wladimir Herzog, participei da missa na Catedral da Sé. Se houve um momento, durante a ditadura, em que houve uma efetiva inflexão, em que houve um estremecimento, em que houve uma mudança de posição e de postura, foi exatamente esse momento da morte de Wladimir Herzog. Foi a partir da morte dele que muitas mudanças aconteceram, e a sua morte efetivamente impediu muitas outras.

Nesta semana, acompanhando todo esse debate, muitas vezes voltou à minha memória aquela missa na Catedral da Sé, onde foi celebrado não só o sofrimento, mas também toda a apreensão da sociedade brasileira com a busca e a superação de um momento tão difícil que o Brasil passou. Não posso deixar de me emocionar porque aquele foi um momento muito duro e difícil. Fecho os olhos e me lembro, terminada a missa, das palavras do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns pedindo que todos saíssemos calmos, em paz - a igreja estava praticamente cercada - e com a convicção de que só a nossa unidade na defesa da democracia é que poderia efetivamente reverter o quadro em que vivíamos no País.

Nunca esqueço as palavras do Cardeal Arns em um momento tão difícil que vivíamos. Só é possível, hoje, termos uma democracia fortalecida porque pessoas como Wladimir Herzog deram a vida e tivemos a capacidade de poder fazer desse sacrifício um fortalecimento pessoal, individual e coletivo de todos aqueles que acreditam que a democracia se constrói dessa forma, com a resistência, a superação e também com o bom senso, como hoje está colocado na nota do Comandante.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Eu... pois não, até para que eu possa terminar...

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Felicito V. Exª pela manifestação. Graças a Deus estamos saindo bem desse episódio, altamente negativo para todos nós. Saiu a fotografia, não sei se deveria ter saído. Talvez não fosse a hora de se voltar com aquela fotografia. Mas, já que foi publicada, não poderia ter saído uma nota daquelas. Aquela nota realmente foi algo que nos deixou a todos em uma situação tremendamente infeliz. Foi muito competente o Presidente Lula. Respeito o Comandante do Exército pela mudança. Errar não importa. Ter coragem de retificar, soma. Acho bonito o gesto de se publicar a segunda nota. Alguém pode dizer: “fez a primeira e depois mudou.” Houve o gesto de mudar. A nota que foi publicada agora e o momento que vivemos deu chance de passarmos por cima de algo que seria tremendamente negativo para todos. Que bom que isso aconteceu. Que bom que a segunda nota apareceu. Que bom que o Comando do Exército a publicou de maneira tranqüila. Que bom que o Presidente Lula teve a capacidade de absorver este processo. Foi muito bom. E estaríamos vivendo uma hora muito difícil se isso não tivesse acontecido. Parabenizo V. Exª pelo fato no seu conjunto.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Pedro Simon. Peço desculpas por ter-me emocionado na tribuna, mas quem vivenciou o período da morte de Herzog, Sr. Presidente, não poderia imaginar que esse episódio voltasse novamente a abalar a convicção de todos nós em relação à importância de cada vez mais consolidarmos a democracia no nosso País, de fortalecermos as instituições. O General-de-Exército Francisco Roberto de Albuquerque fez uma nota que nos tranqüiliza e nos coloca efetivamente nesta convicção de que passamos momentos muito amargos, que não queremos nunca mais reviver. Todos nós temos a responsabilidade de continuar consolidando a democracia brasileira.

Sr. Presidente, peço a gentileza de permitir-me conceder um aparte ao Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, usarei apenas um minuto. A Senadora Ideli Salvatti traz um assunto muito importante, que é o fato de que temos que separar as instituições das pessoas que as dirigem. Em alguns momentos, qualquer instituição pode ser dirigida por pessoas que tomam rumos equivocados, como aqueles que, durante algum tempo, dirigiram o Exército sob forma autoritária e servindo ao autoritarismo. Mas isso é passado! O Exército brasileiro é uma instituição acima disso, e o comportamento do Comandante, com essa segunda nota, confirma que a instituição está acima daquelas pessoas que, em alguns momentos, tomaram posições contrárias à democracia. O seu discurso é muito feliz, porque traz a diferença entre a instituição que serve ao País e as pessoas que a dirigem.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço a V. Exª, Senador Cristovam Buarque.

Além de louvar o reconhecimento da impropriedade da primeira nota, de se ter tido a capacidade de retomar o assunto sob a ótica que interessa a todos nós, eu não poderia deixar de trazer à tribuna a minha manifestação sobre o quanto esse assunto ainda é doloroso. Todos queremos consolidar a democracia, mas o assunto ainda mexe conosco, com a nossa emoção, com os sentimentos que nos provocou tudo aquilo. Então, solicito que isso também fique registrado.

Agradeço, Sr. Presidente, e peço, mais uma vez, desculpas pela emoção que me tomou.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2004 - Página 32471