Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre as matérias veiculadas pelo Fantástico e Jornal Nacional, da Rede Globo de TV, sobre o Programa Bolsa-Família.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre as matérias veiculadas pelo Fantástico e Jornal Nacional, da Rede Globo de TV, sobre o Programa Bolsa-Família.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2004 - Página 32525
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, CRISTOVAM BUARQUE, SENADOR, NOTICIARIO, EMISSORA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, IRREGULARIDADE, PROGRAMA, BOLSA FAMILIA, ELOGIO, JORNALISMO.
  • RECOMENDAÇÃO, EMISSORA, TELEVISÃO, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, DIREITOS, BOLSA FAMILIA, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, CAMPANHA, DIVULGAÇÃO, CRITERIOS.
  • JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE, PAGAMENTO, RENDA MINIMA, TOTAL, POPULAÇÃO, VANTAGENS, EXTINÇÃO, BUROCRACIA, FISCALIZAÇÃO, CRITERIOS, REGISTRO, EXISTENCIA, LEGISLAÇÃO, GRADUAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, BENEFICIO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na tarde de hoje, o Senador Cristovam Buarque fez um pronunciamento sobre a história da Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, do programa Auxílio Gás e do Cartão Alimentação, os quais foram transformados, em outubro de 2003, no programa Bolsa Família.

S. Exª fez também uma análise do Fantástico, do Jornal Nacional Jornal da Globo e da Globo News, que, ao longo da semana, têm procurado mostrar como está sendo administrado o Programa Bolsa Família. S. Exª cumprimentou a Rede Globo, como também quero fazê-lo, por ter se dedicado ao exame desse programa, que se constitui num dos maiores programas de transferência de renda, entre os que têm sido realizados pelos mais diversos países.

Não me atreveria a dizer, como alguns têm dito, que seria o maior programa de transferência de renda do mundo, porque basta assinalar que, no ano passado, os diversos programas de transferência de renda que existem nos Estados Unidos da América, por exemplo, além do seguro desemprego, do Food Stamp Program - o cupom de alimentação lá existente -, do antes Assistance for Family with Dependent Children e, depois, hoje, do Tan Temporary Assistance for Needy Families - a transferência para as famílias que precisam de ajuda -, fora esses, o Earned Income Tax Credit - o crédito fiscal por remuneração recebida - desembolsaram cerca de US$37 bilhões, pagos a vinte milhões de famílias aproximadamente, que correspondem a mais de cinqüenta milhões de pessoas. Então, somente esse programa é bem maior.

Na República Popular da China, existem programas de garantia de algum tipo de subsistência às pessoas e, obviamente, num país de mais de um bilhão e trezentos milhões de pessoas, ali há programas de transferência de renda que são bem maiores do que esse.

Entretanto, sem dúvida, o Programa Bolsa Família, que hoje atende cinco milhões de famílias -- prevê-se que em 2006 atenderá onze milhões e duzentas mil famílias --, corresponde a um dos maiores programas de transferência de renda no mundo.

            A Rede Globo de Televisão mostrou, no Programa Fantástico, no Jornal Nacional e nos demais programas de notícia, informações a respeito de distorções, tais como pessoas que, embora não sendo qualificadas entre aquelas que, segundo a lei, teriam direito a esse benefício, estariam recebendo-o, seja porque as prefeituras municipais responsáveis pelo cadastramento acabaram beneficiando funcionários delas indevidamente, seja porque não se verificou atentamente se a declaração de rendimentos das famílias beneficiárias as colocavam entre aquelas que faziam jus à Bolsa Família. Algumas pessoas fizeram declaração que não correspondia à realidade. Tanto isso é verdade que, naquelas residências, as pessoas tinham telefone, televisão, Internet e assim por diante. Como poderiam aquelas pessoas necessitar do Bolsa Família?

A minha primeira observação, no entanto, referente à qualidade da reportagem do Fantástico sobre o Bolsa Família é que cabe responsabilidade, em primeiro lugar, à Rede Globo e a todas as demais emissoras e a todos os meios de comunicação por não terem ajudado o Governo Federal a explicar com muita clareza quem deve ser beneficiado com o Bolsa Família. Eu pergunto aos editores do Jornal Nacional e do Fantástico, ao Sr. José Câmara, à Srª Sílvia Faria, ao João Roberto Marinho, se quando aprovada a lei do Bolsa Família, que constituiu um passo de racionalidade com respeito aos diversos programas que havia antes, seja o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio-Gás e o Cartão-Alimentação, fizeram essa divulgação.

Senador Pedro Simon, V. Exª deve ter visto, em outubro de 2003, o Jornal Nacional explicar didaticamente esta questão: a partir de hoje, toda família no Brasil com renda per capita ou renda por pessoa na família até R$100,00 por mês passará a ter o direito de receber R$50,00 mais R$15,00, R$30,00 ou R$45,00. Se, porventura, na família houver crianças até 15 anos de idade e se a família receber rendimentos de zero a R$50,00 por mês, o benefício será de R$50,00 mais R$15,00, R$30,00 ou R$45,00, sendo, portanto, de R$50,00 a R$95,00, se houver uma, duas, três ou mais crianças. Ou seja, o limite máximo seria de R$95,00, se houvesse três ou mais crianças. E se a família tiver renda per capita familiar mensal da ordem de R$50,00 até R$100,00, o benefício será apenas de R$15,00, R$30,00 ou R$45,00.

V. Exª deve ter visto o Jornal Nacional explicar esse assunto, inclusive com exemplos assim: se uma família com pai, mãe e quatro crianças tiver um rendimento de seis vezes R$100,00, ou seja, até R$600,00, o Sr. José e a Srª Maria terão direito a receber o benefício. Quanto de direito a família teria? Depende. Se o rendimento for menor que R$300,00 no total - R$300,00 por seis dá até R$50,00 -, então, a família tem direito a R$95,00 - no caso de uma família composta de pai, mãe e quatro crianças. Se o rendimento estiver na faixa de R$300,00 a R$600,00, então não se tem direito a R$95,00, mas apenas a R$45,00, porque a família tem três ou mais crianças, no caso, quatro.

Então, com uma explicação relativamente simples apresentada no Jornal Nacional, até com exemplos que levassem uns dois ou três minutos, a Prefeitura teria condições de dizer aos seus munícipes quem teria direito a receber o Bolsa Família. Pois bem. O que quero dizer é que somente agora, após averiguar esses casos, é que, felizmente, o Jornal Nacional começa a dar essa explicação. Minha primeira recomendação é que, contribuindo para que todos saibam quem tem direito ou não ao Bolsa Família, o Jornal Nacional explique com exemplos como ela será dada. E também aos Prefeitos, aos Vereadores, aos Deputados, aos Senadores, para que possam dar esclarecimentos a qualquer pai ou mãe. Tantas pessoas me perguntam: eu tenho direito ao Bolsa Família? E eu respondo. Procuro, com esses números, explicar se a pessoa tem direito ou não. Isso, obviamente, é de responsabilidade dos meios de comunicação. Essa é uma primeira recomendação que faço não apenas à Rede Globo, mas a todas as emissoras de rádio e jornais que não deram, até agora, a explicação devida.

Quero também recomendar ao setor de comunicação do Governo, ao Ministro Patrus Ananias, que na hora de explicar ou de fazer qualquer publicidade sobre o Bolsa Família, dê a explicação com muita clareza. Acompanhei ao longo desses meses inúmeras publicidades sobre o Bolsa Família, mais no sentido de enaltecer.

“Oitenta reais para mim fazem muita diferença”- explicava uma mãe em um anúncio que o Senador Pedro Simon deve ter visto inúmeras vezes, até em sua viagem de Brasília a Porto Alegre pelo avião da TAM ou por outros, mas também lá não explicava com clareza se aquela mãe ou pai teriam ou não o direito. Essa é a primeira recomendação que faço.

As matérias do Fantástico e do Jornal Nacional foram muito positivas. Cheguei à conclusão há tempo - e o Senador Pedro Simon comigo concordou - de que a melhor maneira de evitarmos toda essa problemática que foi mostrada nesses e demais programas, as irregularidades quanto ao recebimento desses benefícios, é simplesmente pagar a todos. Não importa a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica. Até mesmo V. Exª, Senador Pedro Simon, o Pelé, o Ronaldinho, o Sr. João Roberto Marinho, o Senador Augusto Botelho, todos vamos receber. Mas como pagar até ao Senador Pedro Simon, que não precisa desse benefício? Vai ser pago ao Senador Eduardo Suplicy, ao Presidente Lula, ao Sr. Antônio Ermírio de Moraes, ao Pelé, ao Ronaldo? Sim. Por que razão? Porque essas pessoas, obviamente, contribuirão proporcionalmente mais para que elas próprias e todos venham a receber.

Acabo de falar com a Silvia Faria, editora do Jornal Nacional em Brasília, que também receberá. Querida Sílvia, querido Ali Kamel, vocês também terão direito a esse benefício, mas terão que contribuir proporcionalmente mais para que todos os brasileiros venham a receber, os mais ricos e os mais pobres. E qual é a grande vantagem disso, Senador Pedro Simon? V. Exª, que me acompanhou neste debate ao longo desses anos todos, deve lembrar-se muito bem quando eu, em abril de 1991, apresentei o projeto de lei para instituir o Programa de Renda Mínima por meio de um imposto de renda negativo, que seria pago unicamente às pessoas cuja renda não atingisse hoje R$500,00 mensais. Receberiam 50% da diferença entre R$500,00 e sua renda. Tal procedimento teria a vantagem de funcionar como estímulo para a pessoa trabalhar, produzir e progredir, mas a ninguém seria negado um mínimo de renda. Seria, portanto, uma proporção da diferença entre aquele patamar e o nível de renda da pessoa. Felizmente, esse projeto foi aprovado pelo Senado.

Sr. Presidente, com o debate a respeito desse assunto e a experiência acumulada por economistas, filósofos, cientistas sociais no mundo, dei-me conta de que melhor ainda que garantir a renda mínima por meio do Imposto de Renda negativo é fazê-lo pela renda básica paga igualmente a todos.

Grandes economistas laureados com o Nobel de Economia chegaram à conclusão - e isso está no meu livro, na entrevista de Milton Friedman, James Tobin e outros laureados com o Nobel, e economistas tão eminentes como Jan Tinbergen ou John Kenneth Galbraith, ou Philippe Van Parijs -, de que equivalente ao Imposto de Renda negativo mas ainda mais eficaz é pagar igualmente a todos.

E por que isso? Qual é a beleza dessa proposição, que felizmente o Congresso Nacional aprovou - o Senado, unanimemente, em dezembro de 2002, e a Câmara dos Deputados em dezembro de 2003? É que, simplesmente, iremos acabar com a burocracia envolvida, em ter que saber quanto cada um ganha, acabar com a problemática que o Jornal Nacional e o Fantástico demonstraram. Todos vão receber, e não precisa ficar com picuinha: será que essa pessoa tem televisão, telefone e internet em casa? Será que ela fez a declaração correta? Será que não foi o funcionário? Será que recebeu só porque o Prefeito, ou o Vereador a, b ou c, ou o Senador disse a essa pessoa que ela deve receber?

Nenhuma pessoa está recebendo o Bolsa Família somente porque o Senador Rodolpho Tourinho teria dito a ela: “Vai lá, você recebe com a minha recomendação”. Absolutamente. Para que não haja qualquer situação desse tipo, para se acabar com a burocracia, que se pague igualmente a todos.

Qual a segunda enorme vantagem? Elimina-se, Senador Pedro Simon, o sentimento de estigma ou eventual sentimento de vergonha de a pessoa ter que dizer: “Eu só recebo tanto e, por isso, mereço tanto”. Há essa necessidade de a pessoa ter que dizer: “Olha, recebo tão pouco, sou tão pobre que eu preciso disso”. Há muitas pessoas que têm dificuldade de dizer isso. Então, elimina-se esse estigma.

E qual a outra grande vantagem? Do ponto de vista da dignidade, da liberdade do ser humano, será muito melhor saber que, nos próximos doze meses e daí para frente a cada ano, todas as pessoas da família poderão contar com aquele rendimento, que, inicialmente, será modesto e, com o tempo, com o crescimento da riqueza da Nação, será cada vez maior.

Ora, o que acabo de dizer à editora do Jornal Nacional, Silvia Faria, é que cabe responsabilidade ao Jornal Nacional informar que isso é lei, já foi sancionada. Mas qual foi o procedimento recomendado à luz do diálogo no Congresso Nacional? Quero aqui dizer uma coisa muita significativa, da qual o Senador Pedro Simon é testemunha. Foi em abril de 2002. Tendo já sido lançado o livro Renda de Cidadania - Saída pela Porta, fui ao gabinete daquele que o Senador Lúcio Alcântara, então Presidente da CAE, hoje Governador do Ceará, havia designado para relatar a matéria, o Senador Francelino Pereira, um dos mais experientes políticos desta Casa, que foi Governador de Minas Gerais, Presidente da Arena e autor da famosa frase “Que País é este?”. Eu disse ao Senador Francelino Pereira que gostaria de me colocar à disposição para esclarecer toda e qualquer questão que porventura tivesse. Ele resolveu estudar a matéria e disse-me que havia achado boa a proposta, mas, para que não houvesse qualquer problema com relação à Lei de Responsabilidade Fiscal, como seria difícil introduzi-la de uma hora para outra, seria bom introduzi-la gradualmente, começando pelos mais necessitados.

Eu sabia perfeitamente que não daria para fazer isso de um dia para o outro. Foi graças a essa contribuição do Senador Francelino Pereira - ou seja, de pessoas de diferentes partidos, com a experiência de Senadores como os que estão nesta Casa - é que chegamos a esse diálogo. Graças, sobretudo, a essa sugestão é que, quando o Senador Francelino Pereira, na Comissão de Assuntos Econômicos, transmitiu seu parecer, praticamente todos ali disseram que votariam “sim”; esclareceram-se as dúvidas, e o mesmo ocorreu na Câmara dos Deputados. Foi graças a essa particularidade, à contribuição de se instituir gradualmente, que, quando aprovada a matéria, o Ministro responsável pelas finanças, Antonio Palocci, disse ao Presidente Lula, como está dito, para serem instituídos gradualmente, a critério do Poder Executivo, então o Presidente Lula pode sancionar a matéria. E o Presidente, então, sancionou-a, tendo ouvido seus Ministros, Antonio Palocci, Guido Mantega e todos os demais.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Senador, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, Senador Pedro Simon; V. Exª tem testemunhado todo esse debate ao longo da história da proposição no Senado.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Sou um profundo admirador de V. Exª. V. Exª vem desempenhando um papel muito importante na história do Senado Federal. Aliás, começou na Câmara e veio para cá. Em primeiro lugar, quando V. Exª chegou aqui, o PT era V. Exª. No entanto, V. Exª teve uma atuação que se impôs ao respeito, à admiração, à compreensão de todo o Senado. E foram várias as matérias de V. Exª aprovadas praticamente por unanimidade. Porque, com esse seu estilo, sua maneira de ser, de não impor, mas de dialogar, de debater, de buscar o melhor, sempre acabava vencendo. Duvido que haja no Parlamento brasileiro - pelo mundo afora, pode haver - Parlamentar que se dedica com tanto amor, com tanto carinho, com tanto afeto, com tanta dedicação, indo ao exagero. Eu mesmo vi, várias vezes, V. Exª usar de imprudência em sessões onde o assunto não estava em pauta, em sessões de homenagem - só não vi em sessões fúnebres -, em sessões sobre os mais variados assuntos, V. Exª encontrava uma forma de abordar a importância do projeto. Qualquer ocasião, qualquer possibilidade, era usada. No governo passado, foi difícil encontrar uma saída, porque era um governo que não ia oferecer uma saída a V. Exª. O projeto que foi aprovado tem o nome de V. Exª, seu trabalho, sua colaboração. Com toda a sinceridade, se fosse Lula, deixaria que V. Exª ficasse à frente do projeto, pois o conhece tanto, viajou por tantos países, leu tantos livros, tem tanto conhecimento sobre experiências que deram certo, que deram errado e tiveram que ser alteradas, que não há mais ninguém que conheça melhor a matéria. V. Exª, assim mesmo, composto o Governo, embora seja um governo paulistano, foi deixado à margem: nem líder, nem membro do Governo. V. Exª, com grandeza e humildade, mantém-se o mesmo, é o mesmo Senador, uma posição difícil. Porque há uma diferença muito grande entre o partido pelo qual V. Exª, como líder, lutou, debateu, gritou, defendeu, nas três campanhas em que o Lula perdeu e na última em que ganhou, todas aquelas teses, entre as quais essa era uma das mais importantes. E o que vem acontecendo agora? Infelizmente, nem sempre na prática o PT tem sido aquilo que foi. Dizem alguns que nem todo aquele que serve para atirar pedras e quebrar vidraças serve para ser vidraça e resistir às pedradas dos outros. Mas V. Exª, nem indo ao exagero - porque amigos nossos, colegas nossos inclusive foram e não acredito que isso tenha sido o melhor -, nem se dobrando, permanecendo na sua verticalidade, V. Exª se mantém no mesmo estilo. É o mesmo homem, com as mesmas idéias, criticando muitas vezes o Governo, com elegância, é verdade, mas divergindo, como fez sobre o salário mínimo e a aposentadoria dos inativos. Mas, neste projeto, V. Exª presta um serviço inestimável ao País. Já agora V. Exª está preocupado com que o projeto vá adiante e que seja acertado. V. Exª traz propostas - não sei como a Rede Globo vê a proposta do Senado - no sentido de acertar, de dar força para que ele dê certo, pois tem tudo para dar certo. O Governo precisa ter um pouco de humildade, um pouco de espírito de grandeza. Esse projeto não pode ser do PT, nem de uma prefeitura ou outra, nem de favores, pois ele pertence a Nação. Esse é um projeto ao qual todos nós deveríamos estar abraçados e V. Exª é o que mais pode somar. Mas ninguém deveria estar pensando em fazer isso para ganhar votos. Não. O espírito deveria ser: vou fazer isso porque é a minha alma, o mínimo que poderia fazer pelo meu País e pela minha sociedade. Por isso, concordo com V. Exª que esse é um projeto em torno do qual deveríamos nos sentar à mesa. O Governo deveria nos chamar. Deveríamos debater. Sou um admirador do Ministro Patrus Ananias. S. Exª é um homem de bem, de uma pureza tal que, ao falar, exala a grandeza de espírito que possui, assim como a grandeza e a sinceridade do sentimento que tem. Mas é claro que há uma diferença muito grande entre a grandeza de S. Exª, que considero excepcional, a sua equipe e as prefeituras x, y ou z. O Ministro não pode fazer sozinho.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - E o Ministro fez uma bonita imagem, de forma mineira, sobre isso: “É no andar da carruagem que as abóboras se amoldam para depois as coisas caminharem bem”. Então, disse: “Vamos fazer o Bolsa Família, que poderá apresentar determinados erros, mas vamos corrigi-los. O importante é assegurarmos a todos o direito à vida, à existência, o direito de as famílias terem as crianças na escola”. Acredito que o Ministro Patrus Ananias está na direção justa e correta e V. Exª, muito apropriadamente, assinala esta questão.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Por isso creio que seria interessante que V. Exª, representante do Congresso Nacional, o Ministro Patrus Ananias, representante do Poder Executivo, e nós buscássemos formas de equacionar tais dificuldades. Se a Rede Globo agiu bem, fazendo uma bela reportagem, agirá muito melhor se nos ajudar a encontrar a maneira de mudar.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Certamente.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - A obrigação da televisão é denunciar o que está errado. A emissora cumpriu seu papel e merece nota dez. Evidentemente, não compete à televisão, em tese, ajudar, pois não é agente de transformação nem de construção da sociedade. Todavia, se quiser auxiliar-nos, poderá fazê-lo. Não vou entrar no mérito da questão. Estou ficando como V. Exª. Pus na cabeça que o número único é importante e, cada vez que falo sobre este assunto, ressalto a sua relevância.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - E que é condizente com o propósito de estabelecer a renda básica de cidadania.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Exatamente.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Porque, na medida em que facilitarmos a identificação dos atuais 182 milhões de brasileiros - talvez 190 milhões, em 2008 -, se todos estiverem com a sua identificação muito facilmente alcançável, será mais fácil atingirmos a todos. A idéia de V. Exª facilitará atingir o objetivo da renda básica de cidadania.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Repare, Senador, que o Ministro está falando agora em criar um número único para a renda. S. Exª criará um número único para isso. A Previdência Social, para evitar os roubos e as falcatruas, quer fazer um cadastramento; o Departamento de Trânsito, para evitar o roubo de automóveis, já que não há mais o que fazer, quer fazer um cadastramento. Temos quatro cadastramentos diferentes sendo feitos ao mesmo tempo. O número único - perdoem-me - foi aprovado em lei, por unanimidade, na Câmara e no Senado. Isso é de grande singeleza! Por exemplo, V. Exª nasceu na cidade de São Paulo, então, constará em sua identificação SP-SP, cidade e Estado de São Paulo, e um determinado número. Aquele é o número da carteira de nascimento; é o número do colégio; é o número da conta bancária; é o número da universidade...

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Do CPF.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - É o número do automóvel; é o número do casamento; é o número do desquite; é o número do passaporte e é o número até do atestado de óbito. Então, ninguém pode ter conta fantasma. Quando um cidadão sai com um caminhão para atravessar a fronteira com o Paraguai, pára, mostra a carteira - e são milhares de carteiras falsas - e é constado que nem o nome nem o número de carteira existem, ele pode ser preso. Não entendo por que não se faz isso! Esse projeto foi aprovado, regulamentado, e gentilmente o governo veio mostrar que estava perfeito. Só havia uma questão. Vieram informar-me que um artigo era feito de tal maneira que na licitação só ganharia uma determinada firma alemã, por ser a única com condições de cumprir o que estava determinado. Devemos saber que duzentos milhões de carteiras deverão ser feitas. Adverti o Ministro, que ficou irritado com os assessores e arquivou a matéria, e até hoje não se resolveu isso. Quem quer moralizar, acertar... A questão da renda mínima, por exemplo, é muito natural. Não é necessário fazer o cadastro porque ele existe. Lá consta o nome da pessoa, a sua idéia, o que ela é. Felicito V. Exª! Entrei de contrabando na última parte de seu pronunciamento, mas quero dizer que sou seu admirador, pois V. Exª é um homem tranqüilo e de grandeza. Quando o PT era pequeno, lutava pelo partido. Hoje ele está no governo e muitas vezes não se lembra de V. Exª, continua com as mesmas idéias e com os mesmos princípios. V. Exª está dando um exemplo de grandeza humanística na campanha que está fazendo para a prefeitura de São Paulo. Cada vez mais admiro V. Exª, que, nesta matéria, é um exemplo de cidadania a todo parlamentar, desde a Câmara dos Vereadores até o Senado Federal.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado, Senador Pedro Simon. V. Exª tem um espírito público notável. Eu o tenho como exemplo das pessoas mais sérias do Congresso Nacional. Sempre que me perguntam se há políticos sérios neste País, digo que, felizmente, há muitos e que convivo com eles. Cito muitos e V. Exª sempre está entre aqueles que aponto como um exemplo de pessoa séria.

Suas observações são muito pertinentes. Quero ajudá-lo, junto ao Governo Federal, para que logo regulamentem o projeto que aqui aprovarmos, que facilitará o cadastramento para o Programa Bolsa Família e para todo e qualquer outro, principalmente quando chegarmos ao da renda básica de cidadania.

Lembro um episódio muito importante ocorrido em 1996, quando o Deputado Nelson Marchezan, do Rio Grande do Sul, infelizmente já falecido, ficou entusiasmado, porque levei ao gabinete do então Presidente Fernando Henrique Cardoso o mais eminente conhecedor do tema de transferência de renda básica de cidadania, fundador e Secretário da Basic Income European Network, o Prof. Philippe Van Parijs, da Universidade Católica de Louvain. Tivemos um diálogo no gabinete do então Presidente Fernando Henrique Cardoso por cerca de cinqüenta minutos. Na ocasião, o Presidente quis saber das experiências de renda mínima, renda básica, e a recomendação do Professor Philippe Van Parijs foi de que seria interessante iniciar-se o Programa de Renda Mínima associando-o às oportunidades de educação. Isso deu o sinal verde para que o Presidente apressasse a tramitação da lei que foi o primeiro passo do Programa Bolsa-Escola, depois por ele próprio transformado em medida provisória, em 2001, que expandiu ainda mais o Bolsa-Escola, a que, posteriormente, foi acrescentado o Bolsa-Alimentação, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Auxílio-Gás e o Cartão-Alimentação, já no Governo Lula, todos transformados, salvo o Peti, no Bolsa-Família, inclusive por recomendação da hoje Secretária Executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, Ana Fonseca, que havia participado da equipe do Governo de Transição, coordenada pelo Ministro Antonio Palocci, e que havia, já em dezembro de 2002, se manifestado nesse sentido. No meu entender, foi um passo de racionalidade.

O que desejo aqui transmitir, Senadores Sibá Machado, Pedro Simon e Rodolpho Tourinho, é que nós podemos - e a Ana Fonseca tem a compreensão muito clara disso, assim como o Ministro Patrus Ananias - ter a perspectiva de que o Bolsa-Família é o estágio na direção prevista pelo Senador Francelino Pereira para instituirmos a Renda Básica de Cidadania. Continuando a expansão do Bolsa-Família, haverá, em 2006, 11 milhões e 200 mil famílias recebendo o benefício. Multiplicando-se esse número por 4, serão quase 50 milhões de pessoas, correspondendo a um quarto da população brasileira. Portanto, esse estágio segue na direção de avançarmos para, quem sabe, em 2007, 2008 ou mesmo 2010, se pagar a todos, conforme já estabelece a lei no Brasil.

É possível que a Rede Globo de Televisão, ao ir a fundo no diagnóstico do problema, nos traga a consciência de que poderíamos até antecipar esse programa. Evidentemente, são necessários recursos.

Quero fazer uma correção. A Rede Globo de Televisão disse que o Bolsa-Família paga R$5 bilhões para 5 milhões de famílias, enquanto o Orçamento do Ministério da Educação é da ordem de R$6,7 bilhões. Há um erro nessa afirmativa, porque o Orçamento autorizado do Ministério da Educação para 2004 é de R$21,917 bilhões, quase R$22 bilhões, já tendo sido realizados R$13,750 bilhões. Portanto, há uma informação incorreta no que foi exposto.

Agora, para o ano de 2006, o orçamento do Bolsa-Família, para pagar 11 milhões e 200 mil famílias, será da ordem de R$10 bilhões. E quanto seria a renda básica de cidadania, mesmo começando modestamente? Se começarmos, digamos, com R$40,00 ao mês por pessoa, com uma família de pai, mãe e mais quatro pessoas, seriam R$240,00. Para uma família que ganha um salário mínimo, R$260,00, isso já significaria R$500,00, um acréscimo muito significativo. Mas o importante é observamos que, se fossem R$40,00 por mês, multiplicado por 12, número de meses do ano, seriam R$480,00 por ano. Hoje, com aproximadamente 180 milhões de brasileiros, seria algo em torno de R$86 bilhões. Isso iria assustar, quem sabe, os editores do Jornal Nacional, que diriam que o Senador Suplicy quer destinar 5% do PIB para pagar uma renda básica para todos. Quero apenas dizer que isso será visto como algo natural. Não poderia ser do dia para a noite. Além do mais, todos os economistas que estudaram o assunto, muitos dos quais laureados com o prêmio Nobel, pensam que isso é algo natural. Onde é que se deu isso? Aí é que proponho à Rede Globo de Televisão estudar o assunto e mostrar onde existe isso, que foi instituído em 1976, quando o Governador do Estado do Alasca, Jay Hammond, propôs a seus trezentos mil concidadãos: “Temos uma riqueza natural não-renovável. Vamos nos preparar para atender às gerações do futuro. Vamos separar 50% dos royalties decorrentes da exploração dos recursos naturais para instituir um fundo que a todos pertencerá”.

Desde então, isso, que foi aprovado, por referendo popular, na proporção de dois para um, passou a funcionar tão bem que o patrimônio líquido do fundo permanente do Alasca evolui de um bilhão de dólares, em 1980, para US$28 bilhões neste ano. E todos os cidadãos, desde 1982, residentes há um ano ou mais, vêm recebendo um dividendo que foi, primeiramente, de US$300.00, passando a US$400.00, US$500.00, e este ano é de cerca de mil dólares por pessoa. Uma família, digamos, com pai, mãe e duas crianças, em outubro passado, recebeu US$4 mil pelo direito de estar partilhando da riqueza da nação. Qual o resultado disso no Alasca? O Estado se tornou o mais igualitário dos cinqüenta norte-americanos. Não deu certo? O Brasil não quer melhorar a distribuição de renda? A renda básica de cidadania é a solução de bom senso. Por isso é que o meu livro, Senador Pedro Simon, se chama A saída é pela porta. Ao sair de casa hoje, o Senador Rodolpho Tourinho o fez pela janela? Por onde V. Exª saiu de casa hoje? Pela porta? Sim. Pois bem, já perguntava Confúcio, no Livro das Explicações e Respostas, no ano 520 AC: pode alguém sair de casa senão pela porta?

O que procuro demonstrar é que, se desejamos erradicar a fome, a pobreza absoluta, melhorar a distribuição de renda, construir uma nação justa e civilizada, em que cada pessoa possa ter condições de dignidade, respeito e cidadania, há uma solução de bom senso, de tão bom senso quanto sairmos de casa pela porta: instituirmos a renda básica de cidadania.

Cumprimento a Rede Globo por ter realizado a reportagem, porém sugiro que vá a fundo na matéria. Enviarei meu livro a fim de que possam os editores estudar bem a renda básica de cidadania.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2004 - Página 32525