Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Ausência de previsão de recursos no Orçamento de 2005, para compensação aos Estados das perdas decorrentes da denominada "Lei Kandir".

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Ausência de previsão de recursos no Orçamento de 2005, para compensação aos Estados das perdas decorrentes da denominada "Lei Kandir".
Aparteantes
Edison Lobão, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2004 - Página 32530
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • PROTESTO, RETIRADA, PROJETO DE LEI ORÇAMENTARIA, RECURSOS, COMPENSAÇÃO, ESTADOS, ISENÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), EXPORTAÇÃO, GRAVIDADE, PREVISÃO, PREJUIZO, GOVERNO ESTADUAL.
  • DEFESA, CONTINUAÇÃO, INCENTIVO, EXPORTAÇÃO, REGISTRO, DADOS, ANALISE, PERDA, ESTADOS, DESCUMPRIMENTO, GOVERNO FEDERAL, ACORDO, RESSARCIMENTO.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há cerca de dois meses, o Congresso Nacional e os empresários do setor de exportação foram surpreendidos, quando da remessa da mensagem presidencial contendo a proposta orçamentária para o ano de 2005, pela inexistência de qualquer dotação orçamentária prevista a título de compensação aos Estados exportadores da desoneração do ICMS de bens e serviços destinados ao exterior - aqueles recursos da chamada Lei Kandir. Não seria a primeira vez que isso seria feito, pois ocorreu outros anos. Dessa vez, sumiu do Orçamento.

Essa novidade foi amplamente divulgada em todos os veículos de comunicação e foi naturalmente motivo de várias reações pelo que representam os Estados brasileiros, essa mesma reação que venho trazer hoje à Casa em nome do meu Estado, o Estado da Bahia.

Seguindo o coro dos que se opuseram à medida, entendo ser inaceitável tal procedimento, afinal a situação de penúria fiscal por que passa grande parte das Unidades da Federação não permite que sejam retirados quaisquer recursos previstos ou devidos.

É importante registrar que sou defensor das políticas de incentivo à exportação. Aliás, num dos primeiros pronunciamentos que fiz desta tribuna, quando cheguei ao Senado, demonstrei minha preocupação com o assunto, concluindo que é fundamental aumentar a inserção do País no mercado internacional como forma mais adequada para melhorar todo o quadro nacional de geração de renda, de emprego e por entender que grande parte do nosso mal reside nessa baixa inserção do Brasil no comércio internacional.

Assistimos hoje a um processo de transformações nessa área internacional, e o Brasil, por sua economia, por sua dimensão territorial e por sua população, é um país representativo na comunidade das nações, com peculiaridades, que anseia desempenhar certamente um papel mais ativo no mundo globalizado.

A trajetória de anos anteriores, de 1995 a 2000, foi extremamente danosa para as contas nacionais, acumulando um déficit na balança de pagamento de mais de US$24 bilhões. No saldo das transações correntes, os números são ainda piores, visto que o ano de 2002 encerrou com um déficit de quase US$8 bilhões, acumulando desde 1994 um prejuízo para o País de mais de US$180 bilhões.

Entretanto, devo reconhecer que o atual Governo, pelo menos, tem se preocupado com esse problema e vem utilizando o incentivo às exportações como uma das bases de sua política econômica, como fazia também o Governo anterior.

A desvalorização do real, somada às medidas de desoneração de bens e serviços destinados ao exterior, tem resultado numa melhoria substancial na balança comercial, com recorde de superávits sucessivos, também devido em boa parte ao sucesso do agronegócio no País.

Na verdade, a história dos incentivos à exportação inicia-se com a Constituição de 1967, que previa a isenção do antigo ICM, Imposto de Circulação de Mercadorias sobre produtos industrializados destinados ao exterior. A Constituição de 1988 manteve a isenção do ICMS para produtos industrializados e acrescentou a isenção do IPI a esses produtos.

Naquela ocasião, preocupado com o equilíbrio das finanças públicas estaduais, o Constituinte criou o chamado Fundo IPI de Exportação, FPEX, pelo qual 10% da receita do IPI passou a ser repartida com as Unidades Federativas, “proporcionalmente ao valor das respectivas exportações dos produtos industrializados”.

Finalmente, em 1996, com a aprovação da Lei Kandir - essa que é desrespeitada agora do ponto de vista orçamentário -, foram isentados da cobrança de ICMS todos os bens e serviços exportados mediante a compensação, pela União, dos valores a serem arrecadados pelo Estado, cuja previsão em orçamento deve ser feita e não foi.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é exatamente sobre essa compensação devida, para a qual não existe qualquer dotação orçamentária, que venho tecer algumas considerações.

Nos anos iniciais de vigência da Lei Kandir, de 1996 a 1999, os Estados foram até relativamente bem compensados, mas, nos anos subseqüentes, o que se viu foi uma erosão crescente dessa compensação. A inexistência de qualquer valor referente às perdas de arrecadação ou exportações no OGU de 2005 é justamente a ilustração do problema, qual seja, a ausência de um mecanismo que assegure, em todos os exercícios, uma fórmula para o ressarcimento devido pela União aos Estados.

Entendo que o limite extremo desse problema foi justamente a ausência dessa previsão no Orçamento de 2005.

A situação é tão esdrúxula, que, segundo estudo produzido recentemente pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, Confaz, em oito anos, os Estados deixaram de ser ressarcidos em cerca de R$100 bilhões. Trata-se de uma renúncia fiscal muito grande desde a vigência da Lei Kandir e significativa para o que vem ocorrendo com os Estados brasileiros.

Como a União nunca foi obrigada a compensar 100% das perdas, o resultado foi, ao final desses oito anos, a compensação de menos 40% desse valor.

Concedo um aparte ao Senador Pedro Simon, com muito prazer.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Vejo com muita alegria a presença de V. Exª na tribuna abordando este tema. O Governador Rigotto, do Rio Grande do Sul, vem insistindo perante a imprensa e perante o Presidente da República sobre essa matéria. A análise que V. Exª fez é perfeita. Equivocaram-se os Governadores acreditando que naquele momento da Lei Kandir a retirada dos impostos para exportação era justa. Como o comércio internacional de hoje não admite exportar impostos, ter-se-ia, então, que se retirar o imposto da exportação, mas dever-se-ia dar compensação ao Estado desse imposto que ele perderia. Na hora de se fazer a compensação, alguns defendiam que se devia estabelecer em lei a criação de uma fórmula fixa e permanente. E os Governadores acreditaram no Sr. Kandir e no Governo, que diziam que, anualmente, seria colocada a verba correspondente ao que fosse exportado. Os Governadores se deram mal uma barbaridade. Isso é um crime, porque o Governo estimula as exportações - precisamos exportar. Tudo o que vai relativamente bem hoje no Brasil é devido às exportações, é porque estamos exportando mais do que importando. Veja o caso do meu Estado, o Rio Grande do Sul, ele está exportando este ano 25% a mais do que no ano passado. Nos dois anos do Governo Rigotto, o Estado está exportando 50% a mais. É o Estado que exporta mais per capita, está em segundo lugar, depois de São Paulo. O que está ocorrendo? Quanto mais exporta, mais difícil fica fazer economia, mais explodem a economia e as finanças estaduais. Mas os Governadores insistem e, este ano, estavam insistindo para que se colocasse uma verba de R$8,7 bilhões no Orçamento do ano que vem. O Governo disse que só aprovaria R$5 bilhões. O que ocorreu? Não se aprovou nada. Para o ressarcimento dos Estados, ano que vem, não há um centavo. O Governo cometeu essa grosseria. Trata-se de um ato grosseiro, incompreensível, irresponsável, de um ato de império. Que aprovassem os R$4,7 bilhões que o Governo queria e não os R$8 bilhões que os Governadores reclamavam. No entanto, nada aprovaram, deixaram a zero. Agora, os Estados terão que vir com seus pires na mão pedir favores. É uma barbaridade. Foi um gesto de uma grosseria que não consigo entender. Creio que o discurso de V. Exª vai nesse sentido. O Governador de V. Exª e os demais, independentemente de partido, devem cobrar. O Congresso Nacional tem que exigir uma resposta para o fato de, sem mais nem menos, terem ficado sem nada os Estados que recebiam uma parca resposta pelas suas exportações. De repente, a União estabeleceu que, ano que vem, os Estados não terão um centavo, que os Estados terão zero de ressarcimento pelas exportações. É um escândalo.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Agradeço muito a V. Exª a participação não só pelo que está perdendo o Estado do Rio Grande de Sul, que V. Exª tão bem representa - e poderá perder mais ainda -, como pela posição e credibilidade de V. Exª no Senado. De forma que, para mim, é muito importante o posicionamento de V. Exª.

Digo a V. Exª que ainda há algo, que não é pior, mas parecido, que ainda irei mencionar.

Dentro desse acordo estabelecido na reforma tributária, esse aspecto, por todas as desconfianças em relação ao Governo, seria constitucionalizado, ou seja, haveria uma provisão na Constituição. Mas a matéria foi enviada à Câmara, e até hoje não se resolveu a reforma tributária. Esse também é um dos motivos de estarmos passando por isso, apesar de o Governo ter aceito a constitucionalização desse aspecto.

Há outro motivo, não de valor, mas de princípio, o de que acertamos que dos R$4,5 bilhões pedidos pelos Estados - como bem afirmou V. Exª de R$8,7 bilhões -, uma parte viria pela Lei Kandir e, a outra, por meio de uma medida provisória de uma provisão extra de R$1,1 bilhão. Só que esse valor foi reduzido para R$900 milhões sem nenhum explicação, sem nenhuma razão, por entender o Governo - e essa foi a explicação aparentemente dada, mas não oficial - que os Estados teriam recuperado a diferença de alguma forma, de outro lado. E foi efetivamente reduzido. Quer dizer, não foi mantido um acordo, feito no Senado, com o Governo e a sua Liderança, para manter o valor de R$1,1 bilhão.

Pior, Senador Pedro Simon, hoje, a Câmara aprovou Medida Provisória nº 193, que reduz esse valor de R$1,1 bilhão para R$900 milhões e que estabelece condições de prática impossível, porque obriga os Estados a prestar conta ao Governo Federal de como vão liquidar os créditos tributários previstos. Ou seja, não vejo qualquer razão para que os Governos estaduais prestem esse tipo de conta ao Governo Federal, ao Ministério da Fazenda. Mais ainda, considero impossível que isso seja feito, porque há várias formas de acerto de contas com o setor privado: por meio de concessão de certificados de crédito; de compensação no ICMS; por transferência a outra empresa, mas não há elementos e meios para fazer isso em 30 dias, como se é obrigado nessa prestação de contas.

Não só isso me preocupa muito, mas também o fato de que não se presta atenção às reclamações absolutamente verdadeiras, consistentes e sérias dos Governos estaduais.

Diante disso, por exemplo, o Estado da Bahia que concede cerca de 400 a 500 milhões de créditos por conta das exportações deveria ser ressarcido em 100%. Esse é o meu entendimento, tanto que tenho um projeto de emenda constitucional que determina que todas as exportações passem a ser taxadas pelo ICMS. O exportador, de posse desse crédito, compensará com tributos federais, porque dependemos da exportação e de sua inserção no mercado.

Fui Secretário de Fazenda por oito anos e sei que Secretário de Fazenda não gosta de exportador. Isso faz parte da natureza do cargo, porque o exportador não traz tributos, mas é um consumidor das receitas do Estado.

Temos o projeto de ser grandes exportadores, mas ainda pensamos como no tempo do onça, ou seja, um engana o outro, um recebe o crédito e finge que compensa o outro. Esses é um dos grandes motivos de não haver aumento das exportações do País.

Na Bahia, dos 400 a 500 milhões que somos obrigados a dar de crédito pelas exportações, Senador Pedro Simon, somos ressarcidos com apenas 130 a 140 milhões. Sendo assim, como o Estado vai se interessar em receber mais exportadores, se a cada vinda de um desses abre-se um buraco em uma conta que não é paga pelo Governo Federal?

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador, V. Exª me permite um aparte?

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Penso que o meu projeto deveria ser estudado a sério. Se o Governo Federal quer realmente participar na inserção de globalização da exportação, tem que pensar nisso.

Ouço V. Exª, Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Rodolpho Tourinho, o Senado precisa meditar um pouco mais sobre essas suas ponderações, seja porque V. Exª é um dos maiores especialistas na matéria, pois foi vitorioso Secretário de Finanças da Bahia por muitos anos, seja porque é um estudioso permanente dessas questões e que nos ajudou consideravelmente. Presidi a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania no período em que votamos a Reforma Tributária e pude verificar que V. Exª teve significativa atuação nos debates e no encaminhamento da votação das propostas então oferecidas. Contudo, algo ocorre de fato neste Governo no que diz respeito a essa matéria que não conseguimos entender. A proposta orçamentária anual do Governo, sem dúvida nenhuma, constitui a lei anual mais importante. Tenho impressão de que há uma mão daninha no Ministério do Planejamento que tumultua os números no instante em que envia a mensagem ao Congresso Nacional. V. Exª fala da descompensação dos Estados ocasionada pela exportação com o alívio dos encargos empresariais, que acabam recaindo sobre os Estados. Isso tem ocorrido sobretudo em Estados que são superavitários na balança comercial com o exterior. O Maranhão, por exemplo, é amplamente superavitário e, com isso, tem um prejuízo enorme em matéria de ICMS, porque esses tributos são dispensados, em muitos casos, para estimular as exportações. E qual é a compensação que o Estado do Maranhão recebe? Nenhuma. Agora mesmo, na formulação de 2005, o Maranhão passará a receber menos do que está recebendo em 2004, do que recebeu em 2003 e em 2002, para investimento. Ora, com receitas crescentes, o Estado vai recebendo cada vez menos. No próximo ano, então, haverá um verdadeiro escândalo em matéria de redução na proposta orçamentária. Há algo estranho ocorrendo no Ministério do Planejamento, e, neste momento, V. Exª alerta o Brasil para que tenha um pouco mais de cuidado com essas questões, que estão sendo tratadas de maneira despreocupada pelo Ministério do Planejamento.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA) - Agradeço, Senador Edison Lobão, as palavras de V. Exª, que acrescentam muito ao meu discurso. Além do Ministério do Planejamento, adicionaria o Ministério da Fazenda, que conduz todo esse processo. O que traz grande preocupação aos Estados é a insensibilidade do Governo Federal em relação ao programa das exportações.

Temos que ter uma saída, buscar um caminho e que os acordos feitos com o Governo sejam respeitados, porque, por menor que seja a redução, de um 1,1 bilhão para 900 milhões, devem ser observados os princípios. E não é essa a primeira vez que assistimos a esse tipo de quebra de acordo.

Neste momento, volto a trazer a minha preocupação, a minha indignação em relação às exportações brasileiras por entender que esse é seguramente um dos nossos maiores problemas e que a nossa inserção no comércio internacional representa uma das maiores soluções.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2004 - Página 32530