Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a situação das tropas brasileiras que encontram-se em missão de paz no Haiti. Desvirtuamento das CPI. Crítica à excessiva edição de medidas provisórias.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. LEGISLATIVO.:
  • Preocupação com a situação das tropas brasileiras que encontram-se em missão de paz no Haiti. Desvirtuamento das CPI. Crítica à excessiva edição de medidas provisórias.
Publicação
Publicação no DSF de 21/10/2004 - Página 32535
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. LEGISLATIVO.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, TROPA, FORÇAS ARMADAS, BRASIL, ATUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, IMPOSSIBILIDADE, CUMPRIMENTO, MISSÃO, PAZ, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), OCORRENCIA, VIOLENCIA, SAQUE, FAVELA, CALAMIDADE PUBLICA, FOME, MISERIA.
  • SOLICITAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, CELSO AMORIM, JOSE VIEGAS, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), MINISTERIO DA DEFESA, ESCLARECIMENTOS, PROVIDENCIA, PROTEÇÃO, SOLDADO, LOBBY, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CUMPRIMENTO, PROMESSA, AMPLIAÇÃO, FORÇAS ALIADAS.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, CONFLITO, PREJUIZO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), APREENSÃO, PERDA, FUNÇÃO FISCALIZADORA, CONGRESSO NACIONAL, SEMELHANÇA, OBSTACULO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), NECESSIDADE, PROVIDENCIA, PRESIDENTE, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • DENUNCIA, AUTORITARISMO, GOVERNO, SEMELHANÇA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ATO INSTITUCIONAL, ANALISE, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS, LIMITAÇÃO, JUDICIARIO, LEGISLATIVO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago grande preocupação com as manchetes dos jornais com relação ao que está acontecendo no Haiti.

“Violência faz Brasil endurecer no Haiti.”

“Tropas brasileiras entram em combate.”

“Rebeldes ameaçam tomar lugar da ONU.”

“Governo americano desaconselha viagens ao Haiti.”

“General brasileiro critica Kerry - candidato democrata à presidência dos Estados Unidos.”

“Força brasileira enfrenta pesadelo em favela no Haiti.”

“Soldado brasileiro é ferido.”

“Militar brasileiro morre durante a missão no Haiti.”

Essas manchetes da imprensa brasileira informam sobre a gravidade da situação daquele país do Caribe.

Embora o ferimento do soldado Luciano de Lima Carvalho, gaúcho de Sapucaia do Sul, tenha sido superficial e a morte do cabo da Marinha Rodrigo Duarte de Azevedo provocada por ataque cardíaco e não por atividades em combate, as tropas brasileiras enviadas ao Haiti estão acuadas e sem condições de cumprir a missão de paz conferida pela ONU.

Cinqüenta pessoas foram mortas nos últimos dias em combate em Porto Príncipe, a capital do país, nas favelas, aglomerados de casebres onde vivem cerca de dois milhões de pessoas em condições as mais precárias.

Atualmente, o Brasil tem 1.200 soldados servindo no Haiti; 800 são do Rio Grande do Sul. Esses homens integram a força de paz da ONU, formada por 3.675 soldados, número inferior ao total de 6.700 prometido pela Organização, até agora não enviado.

O Brasil assumiu um sério risco ao enviar os soldados para uma legião conflagrada, enfrentando rebeldes paramilitares, soldados do exército haitiano e criminosos comuns. Os choques armados são freqüentes. Anuncia-se uma escalada de violência de rebeldes e partidários do ex-Presidente deposto, Jean Bertrand Aristide.

Além da violência, os soldados brasileiros da ONU enfrentam dificuldades para evitar saques e assistir às milhares de vítimas e aos milhares de desabrigados pela destruição provocada por furacões que deixaram um saldo de mil mortos. Cidades inteiras foram completamente devastadas, e a falta de comida e de remédios provoca um desespero generalizado.

Nesse quadro, considero oportuno e urgente que o Senado convide ou convoque para prestarem esclarecimentos na Comissão de Relações Exteriores ou no Plenário o Ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, e o Ministro José Viegas, da Defesa. É necessário que o Governo, por intermédio dos seus Ministros responsáveis, informe ao Congresso os acontecimentos no Haiti e quais providências estão sendo tomadas no sentido de proteger nossos soldados e sensibilizar a comunidade internacional para compor a missão de paz da ONU, conforme o prometido.

Sr. Presidente, numa manchete de hoje vejo que o Brasil enviou um mediador político para o Haiti. Acho positivo. A notícia nos informa que, preocupado com a instabilidade no Haiti, relatórios militares recentes falam em riscos crescentes de brasileiros serem vítimas de emboscadas no país caribenho. O Governo Lula vai enviar, nesta semana, um emissário para atuar como mediador político no país. Acho importante, Sr. Presidente. Mas acho importante que essa Casa tome conhecimento do que está acontecendo e do que irá acontecer.

O Brasil teve um gesto de grandeza que aliás é tradicional. O Brasil, desde Suez, ajudou tropas de paz; várias vezes os brasileiros têm saído pelo mundo em missão de paz. No Haiti foi assim. Até o nosso Presidente foi lá; até a seleção brasileira foi lá num gesto de solidariedade, num gesto de paz. A verdade é que a ONU enviou metade do que deveria. O Brasil cumpriu a sua parte, mas era para ser cinco ou seis mil, e só foi enviada a metade. A ONU, a essa altura, não sei por que, não cumpre a sua parte em fornecer o que está faltando no Haiti. E os americanos, olhando a distância, considerando o êxito que o Brasil tem tido em suas intervenções, como, por exemplo, na operação Amigos da Venezuela, parece-me que eles estão despreocupados com o que vai acontecer. Considero a convocação muito importante e muito significativa.

Sr. Presidente, o assunto que foi tratado aqui pelo ilustre Senador do Acre, que me antecedeu, foi abordado por nós hoje na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania quando debatíamos o projeto que trata da regulamentação da matéria. Vejo que, agora, a questão não diz respeito apenas à CPI do Banestado, mas a duas CPIs que estão seguindo o mesmo caminho. Quer dizer que alguma coisa está acontecendo neste Congresso que nunca aconteceu e que está sendo tramada no sentido de desvirtuar o objetivo da CPI. É uma coisa muito grave, muito triste, muito melancólica. Não sei a origem disso, mas, na verdade, sei o objetivo, que é esvaziar este Congresso em uma das missões que ele tem de mais importante: a fiscalização.

Já retiraram do Congresso Nacional o direito de legislar. Na verdade, na verdade, a legislação é hoje uma atividade inferior do Congresso Nacional, porque quem legisla é o Presidente da República por meio de medidas provisórias. Para o que é importante, o que é significativo, o que é necessário, o Presidente se reúne, pode ser agora mesmo, às 18 horas e 42 minutos, telefona para o Chefe da Casa Civil e manda chamar o Ministro da Fazenda e mais não sei quem porque vão baixar uma medida provisória decidindo o que se possa imaginar, o que há de mais grave, de mais profundo que se possa imaginar. Está tomada a resolução? Está. Manda colocar no Diário Oficial. Muitas vezes aconteceu isto: houve uma segunda edição do Diário Oficial para publicar uma nova medida provisória, que entrou imediatamente em vigor. E os Ministros foram para casa e nós ficamos numa posição ridícula, estúpida, porque não tínhamos mais o que fazer, pois a medida provisória tem força de lei, está sendo executada e o Governo se acomodou.

Hoje o Congresso Nacional é um estorvo, somos algo que atrapalha o Executivo. O Presidente da República e os Ministros olham para nós como alguém que existe, e não se sabe para quê. Mas eles podem baixar uma medida provisória quando quiserem; reúnem os ministros, analisam, debatem a matéria e decidem, após o que a medida provisória é publicada no Diário Oficial. Está executada, para que o Congresso Nacional? Para que ir lá falar com os Deputados, com os Líderes, para saber o que pensa, por exemplo, o Líder do PMDB, do PDT? Para que votar na Câmara, se depois vai ter que ir para o Senado e lá no Senado ter de conversar de novo com os Parlamentares? Se o Senado apresenta emenda, e votando a emenda, o projeto volta à Câmara; e na Câmara, tem que votar novamente? É uma trapalhada essa tal de democracia! É uma trapalhada! - repito.

Sr. Presidente, não vejo diferença entre medida provisória e ato institucional. Não vejo diferença! Claro que aqui não pode cassar, mas pode cassar o poder geral do Congresso. Então, já nos tinham tirado o direito de legislar. É impressionante, mas se V. Exªs olharem a Ordem do Dia da sessão de hoje, verão que as doze primeiras matérias são emendas constitucionais. É mais fácil emendar a Constituição do que aprovar uma lei. É mais fácil emendar a Constituição do que aprovar uma lei - repito.

Tiraram desta Casa o poder de legislar. O Brasil atravessa um momento difícil. O Poder Judiciário vê posto a nu os seus problemas, suas dificuldades, a situação que está vivendo - vemos que o Judiciário não tem aquela perfeição que imaginávamos; ele é um Poder sério, mas existem muitos equívocos a serem alterados -, e no momento vemos que para a cadeia vão apenas ladrões de galinha. E com a maior frieza, vimos um promotor entregar um processo contra o Sr. Maluf, depois de vinte anos de discussão para saber se ele roubou ou não roubou, se pegou ou não pegou, se mandou ou não mandou dinheiro para o exterior. Exatamente quando o Sr. Maluf decidiu apoiar o candidato do PSDB, entram na Justiça contra ele.

Eu vinha dizendo, até o ano passado, que o Congresso Nacional era o único local onde se apurava corrupção; era o único local em que, com seriedade, responsabilidade e rapidez, era buscada, analisada a gravidade dos fatos e se chegava ao final dos acontecimentos.

O Diretor do Tesouro no Governo Fernando Henrique Cardoso dizia que ele vibrava quando via uma CPI, porque esta propiciava à Fazenda, à Receita conhecer dados que, de outra maneira, a Justiça lhe negava, tirando-lhe a oportunidade de chegar até lá.

E nós funcionamos muito bem, Sr. Presidente. Veja V. Exª que afastar um Presidente da República não é tarefa fácil, principalmente um Presidente que obteve uma vitória espetacular nas urnas, que foi o primeiro Presidente depois de cinco Generais ditadores. Pois este Senado afastou com a maior tranqüilidade e os Parlamentares se comportaram com a maior seriedade.

O que está acontecendo agora? Há o sentimento, o intuito de boicotar. Pedimos a CPI, mas o Presidente José Sarney, em primeiro lugar, que deveria ter designado os membros da CPI, pois os Líderes não os indicaram, como sempre se fazia, não os designou. Os Líderes se reuniram e disseram: “Nós não faremos mais indicação, só quando quisermos CPI”, ou seja, se os Líderes concordarem com determinada CPI, indicarão os membros; do contrário, não o farão. CPI, no mundo democrático, não é um direito da Maioria; é um direito da Minoria. Se um terço dos Parlamentares quiserem assinar o requerimento da criação de uma CPI e entregar à Mesa as assinaturas, nesse momento estará instituída a CPI, estará instalada a CPI. Não depende do Presidente do Congresso, nem do Presidente do Senado, nem dos Líderes.

Recentemente uma nota dos Líderes rasgou nossa Constituição. Só haverá CPI, quando os Líderes quiserem. É o que está em vigor. E as duas que eles não podem fechar, estão desmoralizando. Essas CPIs estão sendo desmoralizadas. Se estão sendo desmoralizadas, a responsabilidade cabe também ao Presidente do Senado, ao Presidente da Câmara, aos Líderes de todos os Partidos, que estão assistindo a isso de braços cruzados, que não tomam uma providência, que não fazem absolutamente nada! Está a caminho o desejo de destruir CPI. Não se quer mais criar CPI, porque só os Líderes fazem isso e quando querem. Não se quer mais criar CPI porque ela está sendo desmoralizada! A CPI está caindo no ridículo! Em uma, é o Presidente de um lado e o Relator do outro; em outra, é o Relator de um lado e o Presidente de outro. Dizem que estão buscando dados e querendo formar dossiês, em uma briga de partido com partido. Isso nunca aconteceu. Nem na ditadura militar.

Neste Congresso, na ditadura militar, pedimos uma CPI sobre energia nuclear, que era um tema bombástico. Naquela época, os militares é que norteavam as atividades. Levantamos nossas dúvidas com relação ao acordo feito pelo Presidente Geisel com a Alemanha sobre a política nuclear. E saiu a CPI. Os Generais vieram aqui e depuseram. Debateu-se a matéria, analisou-se, foi-se a fundo e a CPI foi concluída. Quem caminha nos corredores do Senado vê ali, em exposição, a conclusão da CPI da Política Nuclear. Na ditadura militar pode haver CPI, mas desde que o PT assumiu a Presidência da República eu não sei o que está acontecendo. Na verdade, foi o Líder do Governo quem primeiro assinou e foi do seu gabinete que saiu a nota dos Líderes, que ficará na história do Congresso para manchar a sua história e na história desses homens para manchar as suas biografias, dizendo o seguinte: “Nós líderes determinamos que só participaremos de CPIs, as nossas bancadas, quando anteriormente dermos concordância para que elas sejam instaladas.” É o que está acontecendo, Sr. Presidente.

Agora vem o nobre Senador do Acre e repete na sua CPI o que já está acontecendo na CPI do Banestado. Sinceramente, não sei a quem interessar possa. De um lado vemos o Governo, de todas as formas, querendo calar a boca do Ministério Público, proibir o promotor de ter a iniciativa de fazer uma investigação. A maioria das investigações em curso são da autoria de procurador. Proibir o procurador de investigar? Não sei.

Daqui a pouco aparece outra decisão da lei rolha: processo em andamento nem juiz e nem promotor pode abrir a boca, tem que ficar em sigilo. Agora, o xeque-mate na CPI. Olha, Sr. Presidente, é o esvaziamento que se busca neste Congresso. De um lado não legisla, pois só analisa medidas provisórias; de outro não fiscaliza, porque a sua arma mais forte, que é a CPI, desaparece.

Sabemos que, se convocarmos um Ministro para vir depor aqui, pode ser o assunto mais grave que exista, ele sempre sai ganhando. O Ministro vem, depõe, fala cinco minutos, nós temos cinco minutos para falar, o Ministro responde, diz o que bem entende, e fica tudo por isso mesmo.

É uma pena. Na minha longa atividade político-partidária no Congresso Nacional, é o momento mais triste, é o esvaziamento maior que estamos vendo. Nem na época da ditadura militar este Congresso Nacional se viu reduzido à humilhação que hoje vive.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/10/2004 - Página 32535